quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Avançando para o passado?


A nomeação de Paul Volcker, um dos mais importantes homens de ação econômica da ortodoxia neoconservadora estadunidense, por Barack Obama para chefiar seu conselho econômico é um dos primeiros e mais significativos sinais de que a “mudança’ da qual Obama seria a principal expressão, não promete realmente ir muito além do simbólico (ainda que isto, por si só, não seja desprezível) e estabelecer uma ruptura efetiva com a política econômica de privilegiamento do grande capital monopolista levada ao extremo nos anos Bush.

Volcker deve ser lembrado como personagem-chave na deflagração da crise das dívidas externas latino-americanas quando, na direção do Federal Reserve, por meio de uma agressiva operação de elevação das taxas de juros, garantiu, com maestria, a transferência da maior parte das perdas causadas pelas crises do petróleo para cá, a periferia do capitalismo. Efetivamente, não foi possível na época – nem era esta a intenção básica – evitar o estabelecimento de um ambiente recessivo nos Estados Unidos, no entanto, os interesses e ganhos do setor financeiro daquele país foram habilmente defendidos.

Com a euforia imediata do momento pós-vitória eleitoral de Obama se dissolvendo, já é possível ouvir, com uma certa potência, as primeiras vozes indignadas - em meio à opinião pública democrata dos Estados Unidos - contra o possível “estelionato eleitoral” representado por Obama. Curiosamente, o tema relativo à possível frustração causada pela debilidade do mudancismo concreto da orientação política e econômica de Obama ficou ausente da grande mídia corporativa durante todo o processo de campanha eleitoral, mas, hoje, são os setores mais avançados da sociedade estadunidense que, incipientemente, começam a colocá-lo na arena de debates.

Nunca é demais lembrar a idéia de que a presente crise do capitalismo não trará automaticamente nenhuma solução progressista, ao contrário, a tendência principal é que o grande capital imponha às maiorias populares o ônus da crise. Isto tende a se manifestar em todas as latitudes, seja aqui com Lula ou lá com Obama, tanto em um caso como no outro é somente a vigilância cidadã e democrática que pode impedir que a direita saia fortalecida deste processo, ou seja, que avancemos em direção ao passado.

Carta aos leitores

Gostaria de me desculpar com os possíveis dois leitores deste blog pelo meu longo e tenebroso silêncio. Depois de uma poderosa gripe que me tirou de circulação e das turbulências causadas pelo fim do ano letivo a um professor mergulhado – quase literalmente – na frenética atividade de correção de provas, preenchimento de diários, etc, etc, volto à ativa esperando garantir novamente uma atividade mais freqüente na blogsfera. Um abraço a todos!

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Por uma esquerda do trabalho


É preciso compreender o atual período histórico como um desdobramento da grande inflexão na estratégia do grande capital internacional iniciada com a grande crise econômica dos anos 70. A partir desta crise a grande burguesia monopolista iniciou um processo mais ou menos gradual de ruptura com as suas antigas concepções dominantes que caminharia no sentido da afirmação daquilo que ficou conhecido posteriormente como neoliberalismo, como a concepção estratégica do grande capital frente aos desafios colocados pela crise internacional. Ronald Reagan, Margareth Thatcher e Pinochet foram os pioneiros na aplicação prática dos princípios da “revolução conservadora” do grande capital contra os pilares do “Estado de Bem-Estar Social”: direitos sociais universais e forte presença sindical e “trabalhista” na sociedade.

O estabelecimento do Consenso de Washington, anos depois, no contexto da restauração capitalista na ex-União Soviética e no leste europeu, fez do neoliberalismo a visão de mundo absoluta no universo burguês. Diante da força das trombetas ideológicas neoliberais anunciando o fim da história, o triunfo definitivo e eterno do capitalismo, e a “nova” moral suprema do homo economicus. A maior parte da esquerda mundial que ainda se mantinha no campo da luta de classe dos trabalhadores fugiu em debandada para se converter aos dogmas dos – momentaneamente – vitoriosos. Em busca de respeitabilidade no admirável novo mundo neoliberal, a maioria dos ex-militantes da esquerda do trabalho, passou a admitir os limites e as contradições do sistema e da ideologia burguesa como seu horizonte político e estratégico. Ao invés do materialismo dialético e histórico de Marx – supostamente algo em vias de se tornar peça de museu – foi adotado o keynesianismo, em economia, o relativismo culturalista, em teoria social, e o irracionalismo pós-modernista, em filosofia.

É importante registrar que a presente crise avassaladora que desponta na economia mundial é também uma crise ideológica que começa, já, a sacudir as certezas e convicções dos neoliberais puro-sangue e promete, em breve, colocar também em maus lençóis esta esquerda “pós-marxista” do capital. No atual momento, em que a humanidade se vê arrastada por mais uma violenta crise cíclica inerente à lógica do capitalismo, é preciso ajudar a reconstruir uma verdadeira esquerda do trabalho que seja capaz de fazer o grande capital, e não as maiorias populares, pagar pela crise.

sábado, 8 de novembro de 2008

Um novo Bretton Woods é possível?


Segue abaixo um dos últimos editoriais do portal eletrônico do PSTU redigido por Eduardo Almeida Neto, da direção nacional do partido. Escrito no início da semana – antes, portanto da vitória de Obama – o texto faz uma análise sucinta, mas precisa, do quadro encômico-político-social do mundo contemporâneo, no contexto da crise, e faz a crítica às propostas reformistas de saída para o quadro estabelecido, apontando a necessidade de uma orientação socialista para a superação da crise, e mais, da dinâmica de crises – cada vez mais profundas – às quais o capitalismo submete a humanidade. Excelente base para um debate na esquerda.



A nova utopia reacionária: um novo acordo de Bretton Woods é possível?


Em meio à crise, setores acreditam que empresas e governos imperialistas poderiam se unir para regular e reduzir seus lucros e criar uma ordem mundial e um capitalismo mais humanos
A crise econômica que está iniciando tem um conteúdo histórico. Já é claramente a mais grave do capitalismo desde 1929. Seu curso ainda não está claro. Pode levar a uma recessão importante, seguida de novos ciclos de crescimento com auges mais frágeis e crises mais graves. E pode levar também a uma depressão semelhante à de 1929.


De uma forma ou de outra, é uma crise com um profundo significado econômico, social, político e ideológico. A situação política está se modificando ao seu compasso. Um terremoto ideológico fez desmoronar o edifício montado pelo neoliberalismo. A propaganda capitalista da “morte do socialismo” está vindo abaixo.


Mas ainda não existe uma alternativa clara a vista, nem no movimento real das massas trabalhadoras nem em termos ideológicos. O stalinismo foi profundamente atingido pela crise do leste europeu, embora seus remanescentes (os Partidos Comunistas que restaram) possam tentar retomar algum espaço. O nacionalismo burguês, como Chávez, e os governos de frente popular do continente, como os de Lula e Evo Morales, apesar de alguns já não viverem mais o auge de seu prestígio, vão tentar se apresentar como alternativas.


Por este motivo, é necessário trazer para o debate as propostas que já estão circulando nestes círculos do reformismo de centro-esquerda. A mais importante delas é, sem dúvida, a de um novo Bretton Woods.


Essa é a proposta de Ignácio Ramonet, do Le Monde Diplomatique e um dos fundadores do Fórum Social Mundial. “Hoje o mundo tem de dotar-se de uma nova arquitetura financeira internacional, um novo Bretton Woods que inclua países como China, Índia, África do Sul, Brasil e México”, afirma Ramonet.


Essa também foi a conclusão da Conferência Internacional de Economia Política, patrocinada pelo chavismo e recentemente realizada em Caracas. A declaração dessa conferência afirma: “A necessidade de reconformar a arquitetura econômica e financeira internacional é hoje ineludível. Dentro de tal perspectiva se inscreve a necessidade de uma saída pós-capitalista, denominada pela Venezuela como Socialismo do Século XXI”.


A brutal crise que se inicia exige uma resposta. Exige a ruptura com o capitalismo. No entanto, os setores mais importantes do reformismo defendem o mesmo de sempre: um capitalismo mais humano, com uma nova arquitetura financeira.


Os regulacionistas


Existem correntes críticas ao FMI e ao neoliberalismo que apontam como alternativa um Estado capitalista com mais ênfase no investimento social. Esses setores, como Ramonet, se apóiam numa corrente de pensamento econômico: a regulacionista.


Essa corrente surgiu na França, na década de 1970, como tentativa de síntese do marxismo e da economia burguesa keynesiana. Afirma que é possível estabelecer regulações econômicas (internacionais, entre as empresas, a partir do Estado e na organização do trabalho) que permitam ao capitalismo evitar as crises e se humanizar. Segundo essa corrente, a crise atual é uma crise de regulação e não uma crise clássica de superprodução, agravada por um crack financeiro. Bastaria, portanto, encontrar as regulações certas e aplicá-las para sair da crise.


Mais uma utopia reacionária


Falar de um novo Bretton Woods significa reivindicar um novo acordo interimperialista que ponha ordem no caos criado pela crise econômica. Os reformistas do tipo Ramonet criaram o Fórum Social Mundial sob o lema “um outro mundo é possível”, dentro do capitalismo. Agora, seguem batendo na mesma tecla, com algo semelhante a “um outro Bretton Woods é possível”.


Acreditam em um acordo entre os países imperialistas, que crie um capitalismo mais humano, que inclua China, Brasil, Índia, México, África do Sul. A idéia é mais ou menos a seguinte: todos esses governos se sentam à mesa, negociam até chegar a um consenso para reordenar o mundo em benefício de todos.


A declaração da Conferência de Caracas tem o mesmo sentido: “Em escala global, deve se continuar com as demandas para uma profunda reforma do sistema monetário financeiro internacional, que implique a defesa das poupanças e a canalização das inversões para as necessidades prioritárias dos povos”. Esse novo Bretton Woods deveria também fazer com que o capitalismo invista mais em gastos sociais. Como afirma a declaração de Caracas: “Em um momento crítico como o atual, as políticas nacionais e regionais devem dar prioridade aos gastos sociais, e proteger os recursos naturais e produtivos. Os Estados devem introduzir medidas urgentes de regulação financeira para proteger a poupança, seguir impulsionando a produção e combater o perigo de descontrole através de imediatos controles de câmbio e de movimentos de capitais”. Trata-se de uma ideologia reformista, uma utopia reacionária. O capitalismo vai buscar sair de sua crise como sempre, pela via de descarregar seus custos sobre os trabalhadores e países semicoloniais e coloniais. Não existe forma de convencer as grandes empresas a reduzir seus lucros e “investir no social”, muito menos agora.


Como sempre, vão reduzir salários e demitir. Não há como convencer os governos imperialistas a não explorar os países dominados. Vão usar a crise para concentrar e centralizar ainda mais o capital, absorvendo empresas em crise nos países dominados, impondo a baixa no preço das matérias primas, cobrando os juros das dívidas.


Pensar algo diferente é deixar de entender o capitalismo como um sistema de produção voltado ao lucro. É acreditar que basta mudar regras e colocar gente mais humana nas empresas e no Estado para acabar com a injustiça. Só que a injustiça é parte do sistema capitalista.


Um novo Estado de bem estar social?


O período após a segunda guerra ficou conhecido como Estado de bem-estar social, no qual os trabalhadores passaram a ter aposentadorias, férias e 13º salário, entre outros. Mas nada disso veio de um capitalismo humano. Foram conquistas, frutos dos grandes processos revolucionários que sacudiram o mundo na esteira de segunda guerra. Naqueles dias, o poder esteve à beira de ser tomado pelos trabalhadores nos grandes países imperialistas da Europa – como França e Itália – e novos Estados operários surgiram, no leste europeu e na China. A aliança do imperialismo ao stalinismo protegeu o capitalismo dessa grande onda revolucionária. Mas foi necessário fazer concessões, como essas do Estado de bem-estar social.


Assim que foi possível, como em todo o período de globalização, essas conquistas passaram a ser atacadas pelos governos imperialistas, fossem de direita ou social-democratas. Hoje não existe nenhum sinal de que as grandes empresas, justo na crise atual, queiram voltar atrás. Esperar que governos como Brown, da Inglaterra, do PSOE, da Espanha, ou um possível Obama vão atacar os lucros das empresas é uma nova ilusão a ser vendida à classe trabalhadora. Estes são governos burgueses, que defendem os interesses da classe que representam. Basta ver a reação diante da crise, enchendo os bolsos dos banqueiros.


A relação entre os Estados imperialistasUm novo Bretton Woods é também reivindicado por governos imperialistas europeus como Sarkozy, da França. É significativo que os reformistas que defendem essa proposta ataquem duramente Bush, mas poupem o imperialismo europeu. No caso de Ramonet, existe um longo histórico de capitulações aos governos da social-democracia, ou seja, ao imperialismo europeu.


Todos esses reformistas cultivam também grandes expectativas na eleição de Obama. Esperam da União Européia uma alternativa social e que a derrota de Bush abra a possibilidade de as relações entre os países sejam definidas pela vontade de ajudar os povos, além de gentileza e amabilidade.


Isso não é possível na relação entre os países imperialistas e os dominados, como já vimos. Mas tampouco pode ser mudada com tranqüilidade entre os países imperialistas.


Bretton Woods foi possível pela hegemonia econômica e militar do imperialismo norte- americano. Hoje a realidade é muito mais contraditória. Pela primeira vez desde a segunda guerra, os EUA têm sua hegemonia econômica colocada em questão pela profundidade da crise e por ser o epicentro da própria crise. Mas não existe neste momento nenhuma outra potência que ameace realmente seu domínio. Nem a dividida Europa, e muito menos o Japão. Além disso, a superioridade militar norte-americana é brutal. Isso exclui a possibilidade de os imperialismos resolverem rivalidades com o recurso das duas guerras mundiais. Essa situação até agora permitiu que os EUA sigam se beneficiando de sua posição hegemônica mesmo sem ter a liderança econômica de antes.


O caráter cada vez mais parasitário dessa exploração é incrível: os EUA funcionam como uma imensa aspiradora da mais valia mundial, financiando seus gastos muito acima da capacidade de sua economia, com uma injeção de capital de três bilhões de dólares por dia. Outra expressão disso é que o dólar segue sendo a moeda mundial, apesar de toda a crise financeira. Até quando isso poderá seguir? Essa é uma resposta que não poderá ser dada pelos reformistas do novo Bretton Woods. O governo dos EUA – seja Obama, seja McCain – defenderá antes de mais nada os interesses de sua burguesia. Só a evolução da própria crise – e suas imprevisíveis conseqüências na luta de classes – poderá alterar o papel do dólar na economia e a relação entre os países.


Um exemplo pode ser a reunião dos governos imperialistas convocada para o 15 de novembro. É improvável que se consiga, ainda no início da crise, qualquer solução real para uma nova arquitetura financeira. Ao contrário do Bretton Woods original, a realidade não definiu os ganhadores e os perdedores. É preciso apontar um programa anticapitalistaA utopia reacionária de um novo Bretton Woods serve para os reformistas esconder que a única possibilidade de mudança real é a ruptura com o capitalismo. Durante a crise de 1929, a URSS (mesmo travada pela burocracia stalinista) crescia a taxas fantásticas.


As grandes crises políticas que surgirão da situação econômica que está se abrindo abrem a possibilidade de que o movimento de massas entre em uma trajetória anticapitalista.


Não existe nenhum esquema que assegure que crise econômica provoque ascensos revolucionários. Uma crise pode, ao contrário, trazer desalento e passividade. No entanto, abre-se também uma outra possibilidade, que não existiria em períodos de estabilidade econômica: o de grandes enfrentamentos na luta de classes, que podem levar a insurreições e revoluções. A esquerda terá um grande desafio: o de dotar esse movimento de um programa revolucionário, anticapitalista. Que parta das reivindicações mais sentidas pelos trabalhadores, como a luta contra as demissões, e avance para a expropriação dos bancos e das grandes empresas multinacionais e nacionais sob controle dos trabalhadores. Que defenda a ruptura com o imperialismo e seus organismos de dominação como o FMI e Banco Mundial e o não pagamento das dívidas públicas. Que coloque a planificação da economia para suprir as necessidades dos trabalhadores e da população e não de garantir os lucros de uma minoria ínfima de exploradores. Que aponte a perspectiva socialista como única saída de fato ao abismo a que o capitalismo está nos levando.


A utopia do “outro mundo possível” dentro do capitalismo já era reacionária no início dos anos 2000, quando foi criado o Fórum Social Mundial. Muito mais agora em que a brutal crise econômica que se inicia vai exigir um programa de ruptura com o capitalismo como uma necessidade imediata em muitos países.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O significado de Obama


Não há dúvidas de que vivemos nesta semana um momento profundamente histórico. A eleição de Barack Hussein Obama para a presidência dos Estados Unidos é um marco extremamente significativo na história daquele país e, com base em seu papel preponderante nas relações internacionais, com implicações importantes para o mundo.

Barack Obama, um homem negro com ascendência direta na cultura árabe da África oriental, ao chegar à presidência dos EUA, derrotando o candidato de George W. Bush e pondo fim à era dos neo-conservadores puro-sangue na Casa Branca, é a expressão de uma séria e grande transformação na sociedade estadunidense, fundamentalmente no que diz respeito ao aspecto cultural. Para quem acompanha com alguma atenção a história das lutas do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos e das agruras e sofrimentos da população afro-estadunidense naquele país, assistir o discurso de vitória de Obama diante de uma imensa multidão de eleitores extasiados foi bastante emocionante. No entanto, indo além do aspecto emocional e apelando à razão, torna-se importante deixar claras algumas questões.

Em primeiro lugar, é preciso estabelecer que a gravidade da crise econômica que afeta os EUA, a formação intelectual de Obama, forjada na Universidade de Chicago, a Meca do neoliberalismo, e a natureza da maior parte de seu corpo de conselheiros de economia e política externa (principalmente no que se refere ao Oriente Médio), não sugerem um horizonte de rupturas significativas no encaminhamento concreto da política interna e externa estadunidense, o que pode gerar bastante frustração popular a médio prazo.

Do ponto de vista da eficácia da intervenção internacional dos interesses corporativos estadunidenses, os novos tempos são promissores. O apoio ou a aceitação, no estrangeiro, da dominação econômica, política e estratégica dos EUA sobre o mundo volta, com Obama, a ser um posicionamento político-intelectual considerado relativamente avançado e sofisticado, o que havia deixado de ser sob a truculência Bush. No Brasil, os setores econômicos e políticos mais profundamente articulados com os interesses do imperialismo estadunidense devem voltar a gozar de um prestígio relativo e de uma maior “legitimidade” intelectual. Este é o novo caminho do combate das idéias.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Camarada Marighella: pesente!


Neste dia de hoje completam-se 39 anos desde que foi assassinado, em um ardil promovido pelas forças da repressão política da ditadura empresarial-militar que se impôs ao país de 1964 a 1985, Carlos Marighella, um dos mais importantes heróis do povo brasileiro do século XX. Marighella, independentemente das nossas divergências em relação ao método estratégico do foquismo adotado pela Ação Libertadora Nacional (ALN) sob a sua direção, soube expressar muito do que havia de melhor na esquerda brasileira no período.


Combatendo as forças sociais e políticas da reação, foi preso durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. Com a reabertura, foi eleito para a Assembléia Nacional Constituinte, desenvolvendo intensa atividade em defesa dos interesses da classe trabalhadora e contra a subordinação do Brasil ao imperialismo, no entanto, a vida pública legal durou pouco e em 1948 volta, junto com o PCB à clandestinidade, agora para o resto da vida.


De um ponto de vista político-estratégico, já desde o final dos anos 50 começa a estabelecer o seus pontos de ruptura em relação à ortodoxia estalinista do PCB, tal ruptura se aprofunda definitivamente em 1964 e em 1967, na conferência da OLAS ( Organização Latino-Americana de Solidariedade) em Havana – para a qual se dirige como dissidente, contra a direção do PCB -, passa a seguir um caminho separado do “partidão”. Marighella vai percebendo, de maneira cada vez mais clara, o equívoco do ultra-pragmatismo do PCB resultante do alinhamento imediato com o governo da URSS e sua linha de colaboração com as “burguesias nacionais”.


No último período de sua trajetória política, Marighella recusa a capitulação do PCB à ditadura, disfarçada sob o manto da pragmática “oposição legal” ao regime de exceção, e organiza a luta armada contra o governo, o capital e pelo socialismo. Miseravelmente, a maior parte da esquerda brasileira (e internacional) se encontrava (como se encontra) enredada em uma série de concepções teórico-político-estratégicas seriamente equivocadas que não podiam, de fato, apontar o caminho mais correto a ser trilhado no contexto de uma dura e prolongada luta contra as forças organizadas do capital naquele momento. A ALN não foi exceção e pereceu, mas Marighella e os demais companheiros tombados nesta luta, souberam escrever mais uma página de heroísmo na história das lutas do povo brasileiro, e sua bravura plantou as sementes das grandes lutas de massa que contribuíram para por fim à ditadura posteriormente.


Segue abaixo um poema escrito por Marighella que, além de expressar a sensibilidade do homem que soube se entregar por toda a vida pela causa da justiça, do progresso e da liberdade, ainda – entendo eu – serve como um epitáfio para o combatente e um símbolo de horadez legado às novas gerações de socialistas.



Liberdade


Não ficarei tão só no campo da arte,

e, ânimo firme, sobranceiro e forte,

tudo farei por ti para exaltar-te,

serenamente, alheio à própria sorte.


Para que eu possa um dia contemplar-te

dominadora, em férvido transporte,

direi que és bela e pura em toda parte,

por maior risco em que essa audácia importe.


Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,

que não exista força humana alguma

que esta paixão embriagadora dome.


E que eu por ti, se torturado for,

possa feliz, indiferente à dor,

morrer sorrindo a murmurar teu nome.

domingo, 2 de novembro de 2008

Campos e a criminalidade violenta


Divulgo abaixo a íntegra da entrevista conceida pelo autor destas linhas à jornalista Patrícia Bueno e que foi publicada na edição de hoje do Monitor Campista. A questão do aumento dos índices da criminalidade violenta na cidade de Campos é, de fato, uma que merece toda nossa atenção para que sejamos capazes, enquanto cidadão, de intervir de alguma forma na elaboração de saídas concretas para o problema


Monitor - Os números mostram o crescimento da violência na cidade. A que você atribui esse crescimento na cidade de Campos? Isso já era esperado?

O crescimento da violência em Campos segue a mesma lógica do crescimento da violência nas demais cidades grandes e médias do país. Na verdade, pode-se dizer que este aumento da criminalidade violenta é até mesmo relativamente tardio em Campos porque os determinantes fundamentais do processo de expansão da criminalidade violenta já estão consolidados aqui há bastante tempo. Um nível escandaloso de desigualdade sócio-econômica concentrada espacialmente, uma estagnação econômica que priva a maior parte dos jovens das camadas sociais mais empobrecidas de quaisquer perspectivas críveis de progresso social, e um esgarçamento do tecido social que promove um padrão ético-comportamental baseado naquilo que um importante sociólogo europeu chamou de “individualismo negativo”, são componentes básicos presentes na origem de todos os processos de intensificação da criminalidade violenta nas grandes e médias cidades do Brasil e do mundo.
Campos, tanto ou mais ainda que o Rio de Janeiro, é uma cidade explicitamente partida entre opulência extrema, de um lado, miséria absoluta, de outro, e uma franja de remediados no meio. Com um quadro social estabelecido, como este, é muito pouco realista esperar o desenvolvimento de uma “sociabilidade suíça” na cidade.

Você acha que a mídia tem sua parcela de contribuição neste quadro que vem se instalando? Ou apenas cumpre seu papel de informar?

Na verdade, como eu coloquei na questão anterior, os fundamentos do aumento da criminalidade violenta na cidade estão nas condições e estruturas sócio-econômicas do município. A mídia pode e deve cumprir um papel importante colocando na agenda de debates públicos a necessidade de superação do problema, combatendo suas causas efetivas. No entanto, a mídia também pode cumprir um papel negativo se, tal como em cidades como o Rio de Janeiro, assumir o papel de tribuna de defesa histérica de falsas soluções puramente repressivas que, pela sua natureza epidérmica, desviam o foco das atenções do centro do problema, agravando-o inclusive.

Na sua opinião, as pessoas já nascem com uma índole violenta ou tornam-se violentas de acordo com o ambiente em que vivem?


Este é um debate bastante intenso que envolve uma série de ciências: além da sociologia, problematizam esta questão a psicologia, a psiquiatria, a biologia e etc. No entanto, os avanços realizados pelas ciências sociais, ao longo de mais de um século, são capazes de sustentar a compreensão de que, ainda que existam predisposições inatas ao comportamento agressivo e violento, a forma de sua expressão concreta é determinada pelo conjunto da experiência de interação social dos indivíduos. Ou seja, uma “índole agressiva” pode produzir tanto um criminoso perigoso como um esportista de sucesso ou um arrojado homem de negócios na “selva” da concorrência capitalista. A maneira como uma suposta índole inata – admitindo sua efetividade – vai se expressar na conduta do indivíduo depende do conjunto das experiências deste indivíduo na sua interação com os demais na vida social.

A maioria das mortes por homicídio está ligada ao tráfico de drogas. Pensar em uma solução para este problema tão enraizado chega a ser utopia?


Esta questão certamente exige uma reflexão bastante racional por parte dos cidadãos porque, além de espinhosa, é cercada por uma névoa de tabus, meias-verdades e, diria mesmo, hipocrisia. A visão dominante de solução meramente repressiva ao tráfico de drogas, além de ser, ela sim, utópica, ajuda a contribuir também para o agravamento dos seus nefastos efeitos diretos e indiretos. Ao bloquear o debate público sobre a questão e institucionalizar a precariedade e um modus operandi de brutalidade e ilegalidade “legalizada” no aparato de segurança pública e de justiça, distanciando-os de qualquer possibilidade de controle público democrático, as políticas baseadas na concepção de “guerra contra o tráfico” tornam-se extremamente contraproducentes no que diz respeito aos seus objetivos declarados.
Não é possível promover uma discussão séria sobre soluções para problema do tráfico de drogas sem colocar sobre a mesa, entre outras questões, as condições sociais e econômicas que arrastam legiões de jovens das camadas mais empobrecidas da classe trabalhadora para o sub-emprego informal e marginal do narcotráfico, o controle das atividades de lavagem de dinheiro, e a corrupção endêmica na estrutura estatal, especialmente em países marcados por condições de subdesenvolvimento e com grave déficit democrático, como o Brasil.


Educação precária não é novidade em Campos, nem na capital. Para as pessoas mais pobres, falta oportunidade em todos os sentidos. Você que viveu a realidade dos morros cariocas quando desenvolvia um projeto social nas comunidades, acredita que as pessoas estão interessadas em crescer profissionalmente?


Enquanto vivi no Rio de Janeiro, lecionei e atuei como coordenador em alguns projetos de educação popular em algumas das maiores e mais conflagradas comunidades faveladas da cidade. Na maioria delas convivíamos de perto com a situação de sub-cidadania imposta àquelas populações, percebendo com clareza a natureza da desagregação social provocada pela falta de perspectivas de futuro para grande parte daquela juventude.
Dentro do contexto de um aprofundamento da segregação sócio-espacial causado pelo desemprego estrutural e massivo, outro lado da moeda do atual estágio de evolução (ou involução) do capitalismo tardio, é possível perceber um fenômeno de “guetificação” das favelas cariocas. Boa parte da juventude que vive nas comunidades faveladas experimenta uma sociabilidade restrita exclusivamente (ou quase exclusivamente) ao ambiente da favela, o que limita os horizontes de referência e de possibilidades dos jovens, confinando-os draconianamente no espaço degradado e estagnado das favelas com seu imenso repertório de carências.
Não é desejável alimentar falsas ilusões com relação à educação escolar. Se é verdade que um grande esforço educacional público é absolutamente indispensável para superar o atraso cultural no qual se encontra nosso país e abrir os caminhos para uma sociedade mais democrática e justa, por outro lado, não se pode pedir à escola aquilo que ela não pode fornecer. Certamente que uma escola pública de qualidade pode garantir às crianças e jovens uma compreensão clara a respeito do mundo natural e social à sua volta, o desenvolvimento de sua sensibilidade e a promoção de mais amplos horizontes existenciais mas, efetivamente, isto não é suficiente - apesar de ser necessário - para superar os nossos gravíssimos problemas sociais.

De quem é a culpa pela violência?


Deslocando a questão da culpa para a da responsabilidade, e entendendo a violência como criminalidade violenta, é possível, seguramente, responsabilizar por seus bárbaros efeitos aqueles setores sociais e políticos que trabalham, conscientemente ou não, pela reprodução da indecente desigualdade social imperante no país.

Diante da atual situação política e social da cidade, você acredita que a situação tende a piorar?


Sem que haja um esforço significativo no sentido de combater o desemprego crônico e a precariedade material que aflige a grande maioria da população da cidade, e sem uma expansão qualificada do poder público, garantindo os direitos básicos da cidadania à população campista, não é realista esperar um progresso no que diz respeito ao tema em questão.

Qual seria a solução para atacar o problema de frente? É lógico que as medidas não teriam resultado a curto prazo, mas há o que se fazer de imediato para que menos pessoas morram a cada dia vítimas da violência que atinge o interior do Estado?


É preciso superar a falsa polêmica que coloca em lados opostos os que compreendem que a origem e, portanto também, a solução para o problema da expansão da criminalidade violenta se encontra na questão social, e aqueles que reivindicam reformas nos aparatos e nas políticas de segurança pública. É verdade que a origem e a solução do problema se encontram ao nível das desigualdades sócio-econômicas, no entanto, isto não impede que se pense em reformas na segurança pública. Ao contrário, estas reformas precisam ser pensadas, planejadas e implementadas justamente tendo por base o conhecimento racional dos fundamentos sociais que determinam a lógica e a natureza da criminalidade violenta. Além do enfrentamento das raízes das desigualdades sociais é preciso que o governo encare a segurança pública com seriedade, garantindo condições salariais e de trabalho adequadas aos agentes, ampliando o número de efetivos e equipamentos e , principalmente, garantindo um controle público democrático sobre o planejamento, a elaboração de prioridades e diretrizes, e a atividade prática das forças de segurança do Estado