segunda-feira, 22 de junho de 2009

Equador, a dívida pública e a auditoria

Sem nenhum destaque por parte da mídia corporativa a serviço do grande capital, o governo do equatoriano Rafael Correa anunciou recentemente a suspensão do pagamento de aproximadamente 65% da dívida pública do país como resultado da auditoria realizada pelo Equador em sua dívida.

Apesar de o Brasil se encontrar estrangulado por uma dívida pública monstruosa, a Constituição Federal estabelecer a imposição de realização de uma auditoria independente em nossa dívida, e a requisição de uma CPI referente à dívida pública já haver sido aprovada no congresso, nada tem avançado, em termos práticos, a este respeito no Brasil.

Saudamos a iniciativa equatoriana e a consideramos mais um elo na luta pela efeitva soberania política, econômica e cultural dos povos latino-americanos. O Equador neste momento aponta o caminho e abre as perspectivas. Segue abaixo o artigo de Maria Lucia Fattorelli, brasileira, membro da sub-comissão da auditoria da dívida equatoriana, publicado originalmente no portal da Fundação Lauro Campos (www.socialismo.org.br). Boa leitura!


Equador: Auditoria garante resultados positivos ao país

O Equador acaba de divulgar, no último dia 11 de junho, o resultado final da decisão soberana de cancelar grande parte de sua dívida pública representada pelos Bônus Global 2030 e 2012, que correspondiam a cerca de 85% da dívida externa comercial equatoriana, ou seja, a parte da dívida externa com bancos privados internacionais, curiosamente, os mesmos bancos responsáveis pela atual crise financeira mundial.

Nada menos que 91% dos detentores desses bônus acataram prontamente a proposta equatoriana de reconhecer no máximo 30 a 35% de seu valor nominal, tendo em vista as flagrantes ilegalidades e ilegitimidades dessa parte da dívida externa com bancos privados, apontadas no relatório apresentado pela Subcomissão de Dívida Comercial da CAIC - Comissão para a Auditoria Integral da Dívida Pública Equatoriana criada por Decreto Executivo nº 472/2007 - de cujos trabalhos tivemos a honra de participar.

A decisão de redução unilateral de mais de 65% do estoque desta dívida externa comercial - cerca de US$ 2 bilhões - representa um precedente histórico e um grande exemplo para todo o mundo, pois mostra que é possível aos governos enfrentarem a questão da dívida com soberania, especialmente em um momento de crise, quando tais problemas se acentuam. Ademais, é preciso ressaltar que a auditoria realizada no Equador demonstrou inúmeras semelhanças entre o processo de endividamento comercial daquele país e os demais países latino-americanos, o que deveria estimular a todos os países a também realizarem auditorias para investigar seus respectivos processos.

Sem sombra de dúvidas, a decisão equatoriana representa uma grande ameaça ao capital financeiro mundial, por isso não recebeu o devido destaque na grande mídia, especialmente porque foi embasada em relatório técnico de auditoria que demonstrou que o Equador havia sido vítima de um verdadeiro calote por parte dos bancos privados internacionais, pois ao longo dos anos, sequer recebeu o produto dos empréstimos que eram historicamente cobrados por tais bancos.

Alguns meios de comunicação econômicos internacionais noticiaram o resultado da oferta equatoriana de forma distorcida, procurando desqualificar as últimas decisões do governo sobre a dívida comercial, entretanto, tais notícias refletem apenas opiniões de seus autores1, enquanto que a decisão equatoriana encontra-se devidamente embasada em documentos e provas que sustentam o relatório da auditoria realizada pela CAIC.

A atitude equatoriana fortalece a luta contra o endividamento irresponsável em todo o mundo, e questiona as políticas dos demais países que insistem em continuar pagando uma dívida jamais auditada, como o Brasil, cuja Constituição Federal prevê a realização dessa auditoria e até hoje não foi cumprida.

A decisão adotada pelo Presidente Rafael Correa provou que a auditoria serviu como instrumento hábil para a retomada da soberania frente à dívida, respaldado por documentos e argumentos necessários para inverter a correlação de forças diante dos emprestadores. Em breve saberemos os benefícios gerados ao país, diante da economia equivalente a mais de US$ 7 bilhões até 2030 - referentes a principal e juros que não serão mais pagos - que certamente serão empregados em gastos sociais.

No século passado o Brasil tomou atitude semelhante, quando Getúlio Vargas, em 1931, determinou a realização de uma auditoria da dívida externa brasileira, que provou que somente 40% da dívida estava documentada por contratos, dentre outros aspectos graves, como ausência de contabilização e de controle das remessas ao exterior, o que permitiu, na época, grande redução tanto do estoque como do fluxo de pagamentos, abrindo espaço para a criação de direitos sociais.

É necessário retomar esse processo histórico, à luz do honroso exemplo equatoriano, e cumprir a Constituição Federal vigente em nosso País. Caso o Brasil, hoje, tomasse medida semelhante à equatoriana, reduzindo unilateralmente em 65% sua dívida "interna" que já alcança o patamar de R$ 1,6 TRILHÃO, esta cairia para R$ 560 bilhões, o que geraria ainda um alívio de cerca de R$ 200 bilhões nos pagamentos anuais de juros e amortizações, que poderiam se reverter em atendimento aos direitos humanos de milhões de brasileiros que se encontram sem emprego, sem acesso aos serviços essenciais de saúde, educação, assistência, sem moradia, sem terra, enfim, sem dignidade de vida, enquanto bilhões estão sendo destinados ao pagamento de vultosos juros de uma dívida que sequer se conhece a contrapartida.

Coordenação Auditoria Cidadã da Dívida

Maria Lucia Fattorelli - Membro da Subcomissão de Dívida Comercial da CAIC Equatoriana, nomeada pelo Decreto Executivo no. 472/2007

Rodrigo Ávila - Economista, colaborador convidado da CAIC

terça-feira, 16 de junho de 2009

Pausa forçada

Saudações a todos, existe uma grande quantidade de temas atuais que gostaria de estar comentando neste momento: os anti-democráticos defensores da "democracia" que enfiam a PM no campus da USP contra o legítimo direito de greve dos servidores ou aqueles que massacram indígenas no Peru em nome do deus-mercado, a prisão do operador do esquema de corrupção na Campos Luz, o escândalo da escravização de trabalhadores na Usina Santa Cruz, e etc. No entanto, a combinação entre fim de bimestre letivo, eleições para o SEPE-Campos e organização do PSOL local tem me impedido, nestas últimas semanas de manter o ritmo de postagens. Em breve voltaremos à carga!

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Com ética e sem vestais

O tema da ética na política ganha, em nossos dias, verdadeiro estatuto de centralidade no debate público nacional. Ao nível nacional, vem servindo de instrumento da oposição neoliberal puro-sangue ao governo para construir uma plataforma demagógica para as eleições de 2010, mas ao mesmo tempo, vem servindo também à esquerda socialista para demonstrar os vínculos inevitáveis entre a corrupção e a natureza do sistema capitalista.

No plano local, em Campos, a questão da ética na política é o elemento que deve estar no centro da pauta de todo e qualquer esforço cidadão no sentido de apontar perspectivas de futuro para a população do município. O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) que recentemente esteve aqui na cidade para o lançamento do núcleo municipal do partido, redigiu um artigo sobre a questão da ética na política, publicado originalmente na Folha de São Paulo, que pode e deve servir como um importante suporte para a discussão. Segue abaixo a íntegra do artigo. Boa leitura!


Com ética e sem vestais

Para mudar os costumes políticos, é preciso um amplo movimento da cidadania, de fora para dentro das instâncias de poder

"A política não é a arte do possível, e sim a de tornar possível o que é necessário"
Augusto Boal (1931-2009)

Não há nuvem pesada de instabilidade institucional no horizonte, mas nossa República tem limitações crônicas e vive uma crise latente de legitimidade.Para compreendê-las e começar a superá-las, vale ir até Aristóteles (século 4º a.C.). Na concepção aristotélica, política é a realização da ética do bem comum -que hoje chamamos de interesse público, em oposição aos negócios privados. Para o filósofo da razão, a felicidade individual dos virtuosos não era incompatível com a coletiva, a ser construída na polis.

Assim, a política está para esse sentido ético e social como a engenharia está para a edificação, a medicina está para a saúde e a economia está para a repartição mais justa dos bens. Sem cumprir suas finalidades, todas as "ciências" são uma contrafação grosseira de si mesmas. A política degenera-se em politicagem.

Na vida política nacional, rotinizadas as eleições gerais desde o início dos anos 80 do século passado, muitos se movem apenas visando a reprodução dos próprios mandatos, transformados em empresas ou OGs (organizações governamentais) com fins lucrativos. No discurso de justificação do status quo, faz-se "o possível". Perpetuam-se o patrimonialismo, a personalização e o clientelismo, arrimados na crescente influência do poder econômico nos pleitos.

Nem tudo é só fisiologismo, porém: há aqueles que, comprometidos com o "necessário" para as maiorias empobrecidas, levam em conta a opinião dos "públicos" -grupos e classes- que representam, sempre convocados à participação permanente.

Há também os que não desprezam o senso comum, a chamada "opinião pública", que se forma em torno de questões muito visíveis -o que não lhe dá razão sempre, como a história revela. E dialogam tanto com o "sujeito da esquina", reconhecido como cidadão, quanto com a opinião publicada, discernindo seus interesses e sua importância fiscalizadora, por meio da necessária leitura crítica.

A recuperação ética, argamassa para qualquer reforma política substantiva, tem que se dar no plano "aristotélico" de novos hábitos, generalizados, e do compromisso com a moralidade pública, separando o público do privado.

Essa mudança não virá pela ação de "cruzados especiais", depositários de uma suposta "reserva moral da nação", virgens a proteger o fogo sagrado e perene da deusa Vesta, a da límpida pureza. Nem dependerá de paladinos que se arvoram em "palmatória do mundo". O resgate da grandeza na política não será consolidado a partir do caráter individual de cada um, por mais notável que seja, como um certo "udenismo" de nossa cultura partidária pré-64 proclamou.

A atitude pessoal é um ponto de alinhavo do tecido, sem dúvida, mas não o compõe inteiro. Reconhecer e corrigir erros ou não subornar o guarda da esquina são atitudes meritórias, mas não incidem sobre o desvio de milhões dos cofres públicos perpetrado por quadrilhas do colarinho-branco.

Para mudar os nossos costumes políticos vigentes - do carreirismo, do paternalismo despolitizador, da oligarquização, da lucratividade máxima como êmulo e da hipocrisia -, é necessário um amplo movimento da cidadania, de fora para dentro das instâncias de poder, da sociedade para o Estado, envolvendo entidades, partidos, igrejas e lideranças de diferentes segmentos.

Que da opinião crítica dos diversos públicos, das várias opiniões publicadas e, quem sabe, de uma opinião pública consolidada em torno de uma plataforma mínima, republicana e democrática, se chegue a um novo patamar das relações políticas no Brasil.

Não se trata, aqui, de uma revolução nas relações de produção capitalistas, mas de reformas que garantam avanços no controle social para reduzir a corrupção sistêmica.Isso implica, necessariamente, o combate tenaz a vícios políticos aqui realimentados há mais de um século.

O que se impõe agora tem como base o trinômio participação, austeridade e transparência. Para tornar cotidianos os princípios constitucionais da administração pública direta e indireta dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Simples assim. E difícil, mas possível e necessário.

Francisco Rodrigues de Alencar Filho , 59, licenciado em história pela UFF (Universidade Federal Fluminense) e mestre em educação pela FGV, é deputado federal pelo PSOL-RJ e professor de prática do ensino de história da Faculdade de Educação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

[FSP, 26/05/2009]