sábado, 28 de março de 2009

A morte da crítica?

A recente resolução da ONU, aprovada no último dia 26, que condena o que o Conselho de Direitos Humanos classificou de “difamação religiosa” como violação dos direitos humanos, estabelece uma perigosa legitimação do conservadorismo fundamentalista religioso e impõe sérios limites à liberdade de expressão e à crítica racionalista diante dos sistemas de crenças institucionalizados e aos sistemas políticos e sociais sobre eles erigidos.

A medida proposta pelo Paquistão em nome dos países islâmicos, baseou-se na necessidade de encontrar um “delicado equilíbrio entra a liberdade de expressão e o respeito às religiões”. Apoiada sob a hegemonia de um multiculturalismo baseado em um relativismo cultural absoluto que, entre outras coisas, vem conduzindo ao desenvolvimento de teses que afirmam que devemos considerar o atual momento histórico como um momento pós-secular, a resolução da ONU institucionaliza dois gravíssimos equívocos.

O primeiro equívoco relaciona-se com a identificação de cultura com religião. Este equívoco leva a considerar o padrão cultural desenvolvido por uma determinada sociedade como algo monolítico, perfeitamente homogêneo, imune a contradições internas e amalgamado por um determinado sistema de crenças religiosas pressuposto como absolutamente consensual na sociedade em questão.

O segundo equívoco relaciona-se com a compreensão da diversidade cultural humana como um conjunto de culturas diferentes produzidas por sociedades diferentes que se absolutizam na diferença, levando a idéia de gênero humano ao colapso, pois cada sociedade produziria o “seu próprio” gênero humano ensimesmado. Este ponto de vista, revestido com o manto da tolerância multicultural, é, na verdade, anti-humanista em seus pressupostos e em suas conseqüências, pois, de um lado, rompe com a unidade genérica da espécie humana e, por outro lado, leva à indiferença prática em relação ao outro (autoencapsulado em sua diferença) assim como ao impedimento da crítica e da idéia de progresso humano.

Em termos estritamente pragmáticos, a resolução da ONU efetivamente servirá aos interesses dos reacionários governos baseados no fundamentalismo religioso de modo a legitimar sua perseguição aos dissidentes progressistas como forma de defesa dos direitos humanos. Extremamente lamentável e simbólica a decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU que demonstra realmente a hegemonia irracionalista no pensamento como complemento do desenvolvimento tardio do sistema capitalista. Lukács sempre esteve correto.

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