As mais recentes e, infelizmente, quase corriqueiras denúncias de corrupção no âmbito do poder público municipal de Campos, fazem saltar à luz a necessidade de promover uma reflexão a respeito do elemento fundamental que sustenta o ambiente de completa ausência dos princípios constitucionais da impessoalidade, transparência, moralidade e eficiência na gestão pública local: a apropriação privada da “res publica”.
A idéia do aparato estatal, seus bens e seus serviços como “res publica”, ou seja, como coisa pública, propriedade do conjunto da sociedade e a serviço de todos os cidadãos e cidadãs, igualmente, é o fundamento principal do Estado democrático e de direito. Em Campos dos Goytacazes, a tarefa que está colocada na ordem do dia para a cidadania é a conquista para si do bem público que se encontra seqüestrado, desde um passado que já vai longe no tempo, pelas facções políticas que disputam entre si o completo açambarcamento do orçamento e das instituições públicas.
Compreendendo que esta é a tarefa política central colocada para os cidadãos e cidadãs honestas, democráticas e progressistas do município, aqueles e aquelas que desejam efetivamente construir para si e para os seus um lugar digno de tudo aquilo que pode se tornar com apenas alguma vontade política organizada e mobilizada, cumpre identificar, em primeiro lugar, o que se encontra na origem do mecanismo perverso que perpetua a circulação das facções políticas das inglórias cortes plebéias locais no controle e apropriação da máquina pública municipal.
Este primeiro momento de análise não é mais algo complexo, são muitos os analistas – de ofício ou não – que já puderam identificar na combinação entre extrema carência material das maiorias populares, baixíssima atividade econômica local e o artificial inchaço do orçamento público a partir dos royalties do petróleo, o eixo explicativo básico para a situação polítco-social-cultural contemporânea de Campos. Enquanto a extrema carência das massas cria as condições ideais para a anulação de sua capacidade política autônoma, a conjugação entre um orçamento público que é tudo e uma economia local real que é próxima de nada gera a teia que aprisiona amplos setores das classes médias na lógica da troca de favores e das lealdades pessoais ou de facção que poderíamos chamar de um clientelismo qualificado.
Este breve diagnóstico, tão sucinto quanto aplicável à realidade local, põe sobre a mesa algumas questões práticas concretas. A primeira delas, e mais fundamental, diz respeito à constatação da conexão íntima que existe entre a apropriação privada do poder público por parte das facções políticas da corte plebéia local e a extrema precariedade das condições materiais das maiorias populares e a estagnação econômica do município. Ou seja, o desmantelamento do mecanismo político-social que enlameia o presente e castra o futuro de Campos, exige a ativação do crescimento econômico local, baseado no princípio da sustentabilidade sócio-ambiental, uma agressiva expansão do poder público, no sentido da fiscalização, dos serviços e dos bens públicos, além de uma efetiva redistribuição de renda, baseada em uma política fiscal progressista.
A segunda questão diz respeito ao fato de que o eixo programático exposto acima não pode passar de uma quimera se não for capaz de mobilizar, no médio prazo, uma força político-social organizada que, de fora para dentro e de dentro para fora, imponha uma democratização real da gestão pública, apoiada na participação cidadã e na transparência, que retome para o público aquilo que, sendo seu, se encontra hoje capturado pelos inimigos da transparência, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência públicas: as facções parasitárias dos ogros plutocratas locais, seja eles meninos, flores, médicos ou monstros.
sábado, 18 de abril de 2009
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3 comentários:
Quem serão aqueles que se prestarão a tão inglória tarefa? Espero que todos os "homens de bem" se unam nesse árduo trabalho de remover esses canalhas.
Um grande abraço!
Concordo com a análise Maycon.
Faço apenas uma observação acerca de um ponto específico, ao qual venho pensando ultimamente: se a população tem ou não responsabilidade direta sobre os resultados das eleições (eleitores e sistema representativo liberal).
A pauperização, em minha leitura, não pode ser justificativa moral para que não responsabilize uma população no momento que decide sobre o seu destino político-administrativo. Vitimizando esta mesma população ocultamos a responsabilidade do cidadão comum.
Vou narrar um caso histórico e o desfecho do debate.
Se não estou errado, no início dos anos 1980, houve o "Julgamento da História". A questão era discutir se o povo alemão deveria ser responsabilizado pelo holocausto e pela própria ascensão do partido nacional socialista.
Dentre os pensadores para discutir esta questão tão cara aos alemães foi convidado Habermas.
Habermas foi firme em responsabilizar seus próprios concidadãos no tocante as atrocidades da segunda guerra.
Infantilizar o lumpen, vitimizando-o, pode ser um péssimo caminho no resgate da coisa pública em prol de uma lógica republicana.
Entenda que você não transparece esse pano de fundo normativo em seu texto. Mas, como toca na questão, resolvi me pronunciar acerca deste ponto que há muito me incomoda. Como no caso Eichmann, não podemos ter justificativas plausíveis (econômicas ou institucionais) para a banalidade do mal, como diria a nossa querida e controversa Hannah Arendt.
No mais parabéns pelo texto lúcido e obrigado pelo espaço para ventilar essas idéias embrionárias.
Abçs
Gerge
E mulheres também, Erik!!!
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