Divulgo abaixo a íntegra da entrevista conceida pelo autor destas linhas à jornalista Patrícia Bueno e que foi publicada na edição de hoje do Monitor Campista. A questão do aumento dos índices da criminalidade violenta na cidade de Campos é, de fato, uma que merece toda nossa atenção para que sejamos capazes, enquanto cidadão, de intervir de alguma forma na elaboração de saídas concretas para o problema
Monitor - Os números mostram o crescimento da violência na cidade. A que você atribui esse crescimento na cidade de Campos? Isso já era esperado?
O crescimento da violência em Campos segue a mesma lógica do crescimento da violência nas demais cidades grandes e médias do país. Na verdade, pode-se dizer que este aumento da criminalidade violenta é até mesmo relativamente tardio em Campos porque os determinantes fundamentais do processo de expansão da criminalidade violenta já estão consolidados aqui há bastante tempo. Um nível escandaloso de desigualdade sócio-econômica concentrada espacialmente, uma estagnação econômica que priva a maior parte dos jovens das camadas sociais mais empobrecidas de quaisquer perspectivas críveis de progresso social, e um esgarçamento do tecido social que promove um padrão ético-comportamental baseado naquilo que um importante sociólogo europeu chamou de “individualismo negativo”, são componentes básicos presentes na origem de todos os processos de intensificação da criminalidade violenta nas grandes e médias cidades do Brasil e do mundo.
Campos, tanto ou mais ainda que o Rio de Janeiro, é uma cidade explicitamente partida entre opulência extrema, de um lado, miséria absoluta, de outro, e uma franja de remediados no meio. Com um quadro social estabelecido, como este, é muito pouco realista esperar o desenvolvimento de uma “sociabilidade suíça” na cidade.
Você acha que a mídia tem sua parcela de contribuição neste quadro que vem se instalando? Ou apenas cumpre seu papel de informar?
Campos, tanto ou mais ainda que o Rio de Janeiro, é uma cidade explicitamente partida entre opulência extrema, de um lado, miséria absoluta, de outro, e uma franja de remediados no meio. Com um quadro social estabelecido, como este, é muito pouco realista esperar o desenvolvimento de uma “sociabilidade suíça” na cidade.
Você acha que a mídia tem sua parcela de contribuição neste quadro que vem se instalando? Ou apenas cumpre seu papel de informar?
Na verdade, como eu coloquei na questão anterior, os fundamentos do aumento da criminalidade violenta na cidade estão nas condições e estruturas sócio-econômicas do município. A mídia pode e deve cumprir um papel importante colocando na agenda de debates públicos a necessidade de superação do problema, combatendo suas causas efetivas. No entanto, a mídia também pode cumprir um papel negativo se, tal como em cidades como o Rio de Janeiro, assumir o papel de tribuna de defesa histérica de falsas soluções puramente repressivas que, pela sua natureza epidérmica, desviam o foco das atenções do centro do problema, agravando-o inclusive.
Na sua opinião, as pessoas já nascem com uma índole violenta ou tornam-se violentas de acordo com o ambiente em que vivem?
Na sua opinião, as pessoas já nascem com uma índole violenta ou tornam-se violentas de acordo com o ambiente em que vivem?
Este é um debate bastante intenso que envolve uma série de ciências: além da sociologia, problematizam esta questão a psicologia, a psiquiatria, a biologia e etc. No entanto, os avanços realizados pelas ciências sociais, ao longo de mais de um século, são capazes de sustentar a compreensão de que, ainda que existam predisposições inatas ao comportamento agressivo e violento, a forma de sua expressão concreta é determinada pelo conjunto da experiência de interação social dos indivíduos. Ou seja, uma “índole agressiva” pode produzir tanto um criminoso perigoso como um esportista de sucesso ou um arrojado homem de negócios na “selva” da concorrência capitalista. A maneira como uma suposta índole inata – admitindo sua efetividade – vai se expressar na conduta do indivíduo depende do conjunto das experiências deste indivíduo na sua interação com os demais na vida social.
A maioria das mortes por homicídio está ligada ao tráfico de drogas. Pensar em uma solução para este problema tão enraizado chega a ser utopia?
A maioria das mortes por homicídio está ligada ao tráfico de drogas. Pensar em uma solução para este problema tão enraizado chega a ser utopia?
Esta questão certamente exige uma reflexão bastante racional por parte dos cidadãos porque, além de espinhosa, é cercada por uma névoa de tabus, meias-verdades e, diria mesmo, hipocrisia. A visão dominante de solução meramente repressiva ao tráfico de drogas, além de ser, ela sim, utópica, ajuda a contribuir também para o agravamento dos seus nefastos efeitos diretos e indiretos. Ao bloquear o debate público sobre a questão e institucionalizar a precariedade e um modus operandi de brutalidade e ilegalidade “legalizada” no aparato de segurança pública e de justiça, distanciando-os de qualquer possibilidade de controle público democrático, as políticas baseadas na concepção de “guerra contra o tráfico” tornam-se extremamente contraproducentes no que diz respeito aos seus objetivos declarados.
Não é possível promover uma discussão séria sobre soluções para problema do tráfico de drogas sem colocar sobre a mesa, entre outras questões, as condições sociais e econômicas que arrastam legiões de jovens das camadas mais empobrecidas da classe trabalhadora para o sub-emprego informal e marginal do narcotráfico, o controle das atividades de lavagem de dinheiro, e a corrupção endêmica na estrutura estatal, especialmente em países marcados por condições de subdesenvolvimento e com grave déficit democrático, como o Brasil.
Não é possível promover uma discussão séria sobre soluções para problema do tráfico de drogas sem colocar sobre a mesa, entre outras questões, as condições sociais e econômicas que arrastam legiões de jovens das camadas mais empobrecidas da classe trabalhadora para o sub-emprego informal e marginal do narcotráfico, o controle das atividades de lavagem de dinheiro, e a corrupção endêmica na estrutura estatal, especialmente em países marcados por condições de subdesenvolvimento e com grave déficit democrático, como o Brasil.
Educação precária não é novidade em Campos, nem na capital. Para as pessoas mais pobres, falta oportunidade em todos os sentidos. Você que viveu a realidade dos morros cariocas quando desenvolvia um projeto social nas comunidades, acredita que as pessoas estão interessadas em crescer profissionalmente?
Enquanto vivi no Rio de Janeiro, lecionei e atuei como coordenador em alguns projetos de educação popular em algumas das maiores e mais conflagradas comunidades faveladas da cidade. Na maioria delas convivíamos de perto com a situação de sub-cidadania imposta àquelas populações, percebendo com clareza a natureza da desagregação social provocada pela falta de perspectivas de futuro para grande parte daquela juventude.
Dentro do contexto de um aprofundamento da segregação sócio-espacial causado pelo desemprego estrutural e massivo, outro lado da moeda do atual estágio de evolução (ou involução) do capitalismo tardio, é possível perceber um fenômeno de “guetificação” das favelas cariocas. Boa parte da juventude que vive nas comunidades faveladas experimenta uma sociabilidade restrita exclusivamente (ou quase exclusivamente) ao ambiente da favela, o que limita os horizontes de referência e de possibilidades dos jovens, confinando-os draconianamente no espaço degradado e estagnado das favelas com seu imenso repertório de carências.
Não é desejável alimentar falsas ilusões com relação à educação escolar. Se é verdade que um grande esforço educacional público é absolutamente indispensável para superar o atraso cultural no qual se encontra nosso país e abrir os caminhos para uma sociedade mais democrática e justa, por outro lado, não se pode pedir à escola aquilo que ela não pode fornecer. Certamente que uma escola pública de qualidade pode garantir às crianças e jovens uma compreensão clara a respeito do mundo natural e social à sua volta, o desenvolvimento de sua sensibilidade e a promoção de mais amplos horizontes existenciais mas, efetivamente, isto não é suficiente - apesar de ser necessário - para superar os nossos gravíssimos problemas sociais.
De quem é a culpa pela violência?
Dentro do contexto de um aprofundamento da segregação sócio-espacial causado pelo desemprego estrutural e massivo, outro lado da moeda do atual estágio de evolução (ou involução) do capitalismo tardio, é possível perceber um fenômeno de “guetificação” das favelas cariocas. Boa parte da juventude que vive nas comunidades faveladas experimenta uma sociabilidade restrita exclusivamente (ou quase exclusivamente) ao ambiente da favela, o que limita os horizontes de referência e de possibilidades dos jovens, confinando-os draconianamente no espaço degradado e estagnado das favelas com seu imenso repertório de carências.
Não é desejável alimentar falsas ilusões com relação à educação escolar. Se é verdade que um grande esforço educacional público é absolutamente indispensável para superar o atraso cultural no qual se encontra nosso país e abrir os caminhos para uma sociedade mais democrática e justa, por outro lado, não se pode pedir à escola aquilo que ela não pode fornecer. Certamente que uma escola pública de qualidade pode garantir às crianças e jovens uma compreensão clara a respeito do mundo natural e social à sua volta, o desenvolvimento de sua sensibilidade e a promoção de mais amplos horizontes existenciais mas, efetivamente, isto não é suficiente - apesar de ser necessário - para superar os nossos gravíssimos problemas sociais.
De quem é a culpa pela violência?
Deslocando a questão da culpa para a da responsabilidade, e entendendo a violência como criminalidade violenta, é possível, seguramente, responsabilizar por seus bárbaros efeitos aqueles setores sociais e políticos que trabalham, conscientemente ou não, pela reprodução da indecente desigualdade social imperante no país.
Diante da atual situação política e social da cidade, você acredita que a situação tende a piorar?
Diante da atual situação política e social da cidade, você acredita que a situação tende a piorar?
Sem que haja um esforço significativo no sentido de combater o desemprego crônico e a precariedade material que aflige a grande maioria da população da cidade, e sem uma expansão qualificada do poder público, garantindo os direitos básicos da cidadania à população campista, não é realista esperar um progresso no que diz respeito ao tema em questão.
Qual seria a solução para atacar o problema de frente? É lógico que as medidas não teriam resultado a curto prazo, mas há o que se fazer de imediato para que menos pessoas morram a cada dia vítimas da violência que atinge o interior do Estado?
Qual seria a solução para atacar o problema de frente? É lógico que as medidas não teriam resultado a curto prazo, mas há o que se fazer de imediato para que menos pessoas morram a cada dia vítimas da violência que atinge o interior do Estado?
É preciso superar a falsa polêmica que coloca em lados opostos os que compreendem que a origem e, portanto também, a solução para o problema da expansão da criminalidade violenta se encontra na questão social, e aqueles que reivindicam reformas nos aparatos e nas políticas de segurança pública. É verdade que a origem e a solução do problema se encontram ao nível das desigualdades sócio-econômicas, no entanto, isto não impede que se pense em reformas na segurança pública. Ao contrário, estas reformas precisam ser pensadas, planejadas e implementadas justamente tendo por base o conhecimento racional dos fundamentos sociais que determinam a lógica e a natureza da criminalidade violenta. Além do enfrentamento das raízes das desigualdades sociais é preciso que o governo encare a segurança pública com seriedade, garantindo condições salariais e de trabalho adequadas aos agentes, ampliando o número de efetivos e equipamentos e , principalmente, garantindo um controle público democrático sobre o planejamento, a elaboração de prioridades e diretrizes, e a atividade prática das forças de segurança do Estado
7 comentários:
Pois é Xacal, com toda sua suposta propriedade sobre o tema, quem escreveu um monte de asneiras foi você. E não vem com este papo de "com todo respeito", por favor.
Da maneira como você iniciou sua intervenção já te desqualifica para um debate sério, no entanto, algumas questões podem ser definidas aqui. Em primeiro lugar, todo o blá-blá-bla sobre o crime contra o erário e etc não se coloca aqui neste caso pois o tema diz respeito à criminalidade violenta e você, que supostamente se coloca como entendido na questão, deveria saber que a criminalidade violenta e a criminalidade de "colarinho branco" possuem natureza, origem e solução distintas.
Em segundo lugar, descolar o aumento da criminalidade violenta da desagregação social causada pela realidade sócio-econômica é não só o pior do senso comum, como ainda é um ponto de vista reacionário pois pretende afastar o debate da fonte do problema.
Em terceiro lugar, você demonstra novamente sua necessidade de vociferar por vociferar, mesmo sem ter razão, quando tenta refutar a relação entre narcotráfico e expansão da criminalidade violenta e, ainda pior, quando tenta identificar nesta correlação uma tentativa de legitimar a violência policial. Você deveria saber, melhor do que eu, que a violência relacionada ao narcotráfico não atinge apenas os "envolvidos" mas assola, principalmente, a maior parte de nossas comunidades faveladas e periféricas. E, por favor, você me conhece e minhas posições, não seja intelectualmente oportunista.
Por último, não perceber no texto as implicações do modelo quase-senhorial de nossa estrutura jurídico-repressiva para o problema em questão é, efetivamente, não ler o texto.
Lamento, sinceramente, pelo conteúdo e forma de sua intervenção, muito aquém do que você costuma apresentar.
Pois é Xacal, você tem sua opinião e nós divergimos, no entanto a sua segunda intervenção contradiz a primeira, o que so confirma o que eu coloquei na minha primeira resposta: sua necessidade de vociferar por vociferar. Não há coerência na sua argumentação. Primeiro você me acusa de responsabilizar os que sofrem a violência do Estado, e depois você é quem responsabiliza as "populações periféricas" por serem cúmplices dos criminosos ao "legitimá-los". Em Weber, linhas de raciocínios deste tipo já são precárias e insuficientes e você não as melhorou em nada.
Quanto às minhas reiteradas "asneiras", talvez não sejam melhores do que as suas, mas ao menos eu busco coerência e embasamento naquilo que eu afirmo. Quanto às suas asneiras parecem-se a um cão correndo atrás do próprio rabo, ou seja, não chegam a lugar nenhum, somente promovem rodeios frívolos e verborrágicos.
Uma outra coisa diz respeito ao método do debate, eu não me furto a entrar em um debate com ninguém, no entanto, eu entendo que para além das "regras de etiquetas" - as quais eu também desprezo - nós devemos modular a frequência das nossas intervenções de acordo com o nível de antagonismo que se dá entre os participantes do debate. Sempre procurei manter a cordialidade no debate com você porque, apesar das divergências, não o considerava um adversário a ser combatido, mas sim alguém situado em um campo relativamente próximo no que diz respeito ao debate ético-político. No entanto, se as minhas críticas ao governo Lula nos colocaram, efetivamente, em trincheiras inimigas, não há problema, reservarei a ti o mesmo tom que reservo aos hipócritas e fraudulentos burocratas a serviço do capital que estão hoje no Palácio do Planalto.
1 – O seu método continua profundamente reprovável e a defesa do insulto como componente do debate – que deveria ser civilizado - é uma concepção de política que eu desprezo. Sua demagogia boquirrota me levaria, normalmente, a não dar prosseguimento à discussão, no entanto, em respeito ao dois leitores, além de você, que este blog deve ter, colocarei algumas questões, e dentro das regras do debate civilizado, pois como defensor das conquistas da civilização moderna não poderia fazer diferente.
2 – Tendo o irracionalismo ultra-idealista de Schopenhauer como referência teórica – e talvez existencial – você não poderia mesmo chegar a conclusões diferentes daquelas as quais você chegou. A falta de compromisso com a coerência, a objetividade e a verdade (não querer “chegar a lugar algum”) só pode levar a degeneração da teoria, do pensamento e da razão. Este irracionalismo filosófico é um dos aspectos mais patéticos e repugnantes da conversão de amplos setores da esquerda à aceitação dos limites da ordem social capitalista e do pensamento burguês. Sua posição teórico-filosófica – que vai do irracionalismo puro-sangue ao pragmatismo neo-positivista – só consegue realizar, no máximo, aquilo que Lukács conceituou como “apologia indireta do capitalismo”, que necessita atacar o marxismo – para se legitimar – como os seres humanos precisam de ar. Aqui encerro afirmando que não é a defesa da noção de que é possível à razão humana apreender os fundamentos objetivos da realidade que engessa a realidade, mas é a noção irracionalista que defende a incognoscibilidade do real que engessa o pensamento.
3 – Felizmente já está ficando velho e muito cansativo este método de tentar desqualificar o pensamento marxista – e seus partidários – com a redução do materialismo histórico dialético àquilo que de pior se produziu em seu nome: o “estruturalismo marxista” à moda de Althusser. Afirmar a determinação, em última instância, da base econômica sobre a vida social não é, nem nunca foi, igual a economicismo. No entanto o idealismo filosófico e sociológico, que é incapaz de ir além da crença de que a sociedade humana é apenas a expressão de determinadas “representações coletivas”, “ações comunicativas”, “máscaras sociais” e etc, precisou sempre criar estes moinhos de vento para tentar confortar, a si próprio primeiramente, como o engano de que seria capaz de superar o marxismo enquanto fundamento da compreensão da realidade social.
4 – Possivelmente a sua necessidade de polemizar por polemizar, ou alguma grave deficiência relativa à interpretação de texto, te impediu de perceber que em nenhum momento eu defendi qualquer posição paternalista e de vitimização das comunidades carentes (a não ser que você entenda que o correto é - seria mais uma contradição do seu confuso pensamento - a histérica exigência de repressão pura às favelas e bairros populares). A afirmação do papel determinante da desagregação social provocada pelos altos níveis de precariedade material, especialmente, em sociedades muito desiguais com a nossa, no agravamento dos problemas da criminalidade violenta, não é uma invenção minha, ao contrário, afirmo isto em concordância com um dos mais sérios pesquisadores do tema: o professor da UFRJ, Michel Misse. Quanto aos dados estatísticos relativos ao aumento da criminalidade violenta em Campos nos últimos meses e anos, a sua argumentação relativa aos dados do ISP referentes aos homicídios em Campos é sofrível porque além de identificar absolutamente criminalidade violenta com homicídio (ora meu caro, você realmente desconhece o conceito de criminalidade violenta e sua abrangência?), você simplesmente desconsidera o que deveria conhecer bem: 1) a experiência concreta crescente com a criminalidade violenta nos bairros mais centrais da cidade (o que é sintomático e bastante explicativo da entrada do tema na pauta do debate público) e 2) o fato de que uma imensa parte das vítimas de crimes violentos (como assaltos, por exemplo) não registra ocorrência nas delegacias e não são contabilizados pelas estatísticas.
Acho que tudo ficou mais claro, e agradeço aos meus dois leitores por terem acompanhando esta discussão, nada aprazível, até aqui!
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