segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Crise neoliberal ou capitalista?


A gravidade da crise econômica atual é tão inquestionável e impactante que, nos meios intelectuais, começa a se projetar uma virada importante, novamente, em direção a afirmação inequívoca do socialismo como solução a ela. Deixo como reflexão o último artigo publicado pelo insuspeito Emir Sader. Feliz ano novo (se pudermos tê-lo)!!!!

A crise, o neoliberalismo e o capitalismo - (Emir Sader)

Uma crise que começou como mais uma crise financeira, acumulada pelas formas precárias de reagir às bolhas especulativas das crises anteriores, para se estender à estrutura produtiva, gerando um processo recessivo no conjunto da economia, o que, na era de globalização, universaliza a crise. De crise financeira para recessão gera, de crise norte-americana para crise global.

Dada a crise, o que fazer? O diagnóstico e os remédios refletem a ideologia de cada um.
Uma primeira linha divisória nas reações à crise está entre os que querem soluções epidérmicas, apenas de apoio às empresas em dificuldades, até que passe a crise a se restabeleçam os mecanismos mercantis impostos pelos liberais ao conjunto da economia. E os que pretendem diminuir os efeitos profundos da crise, impondo mecanismos de regulação, de reativação econômica, que apontem para os mecanismos profundos da crise: a anarquia da competição mercantil no capitalismo.

Em um segundo plano está a divisão entre os que pretendem apensas domar certos mecanismos mais selvagens do mercado e os que pretendem salvaguardar os interesses da grande maioria da população, resguardando sobre tudo o nível de emprego e penalizando as empresas que mais diretamente promoveram fraudes especulativas.

No entanto, não bastam medidas defensivas como estas, mesmo quando buscam garantir o nível de emprego como contrapartida para os apoios financeiros governamentais. Porque estas crises se repetirão. Em primeiro lugar, porque elas são a expressão mais clara dos resultados da desregulação econômica, característica típica do neoliberalismo. Ela permitiu que se desse uma gigantesca transferência de capitais do setor produtivo ao especulativo, ao mesmo tempo que garantiu a livre circulação e a liquidez total do capital financeiro, sem regulação e praticamente sem taxação. Voltará a se repetir, como se deu ao longo de toda a década passada e agora ataca no centro do sistema.

É necessário impor um modelo abertamente anti-neoliberal, que regulamente a circulação do capital financeiro, que centralize o câmbio, que penalize com altas taxas os investimentos especulativos, que submeta, de fato e de direito, os Bancos Centrais aos governos, que priorize o social contra a ditadura da economia, que promova centralmente o mercado interno de consumo de massas, entre outras medidas. E que se comprometa estrategicamente com o desenvolvimento econômico e social como meta central dos governos.

Porém a lógica da crise reiterada não é apenas do neoliberalismo, ela remete a um mecanismo muito mais profundo e perene, remete ao processo mesmo de acumulação de capital, que teve algumas das suas características acentuadas no neoliberalismo. O capitalismo se desenvolve – como o próprio Marx reconheceu no Manifesto Comunista – como nenhum outro tipo de sociedade, as forças produtivas, porém, ao mesmo tempo, não gera os mecanismos de consumo para essa produção multiplicada. Suas crises são sempre de desequilíbrio entre produção – a cuja multiplicação está comprometido, para poder recuperar na massa o que perde em cada produto, ao elevar o gasto em capital constante e diminuir relativamente em capital variável, vinculado à mais valia – e consumo, que podem ser chamadas de crises de superprodução ou de subconsumo. Sempre geram excedente de capital que no neoliberalismo se dirigiu exponencialmente para o setor financeiro e a especulação.

As crises, tanto as de ciclos curtos, como as de virada de ciclos longos expansivos a recessivos e vice-versa, são parte inerente do capitalismo. Na era neoliberal, tem um componente financeiro, que as desata, mas se estendem ao processo produtivo, conforme a magnitude que tenham – como é o caso da atual. Sua superação só pode se dar com política anticapitalistas, de socialização da produção, de planejamento democraticamente realizado da economia, de poder para os trabalhadores decidirem os destinos econômicos de que eles mesmos são os sujeitos, mas que sofrem como vítimas no capitalismo, onde o poder está nas mãos dos detentores do capital.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Forças de Defesa de Israel?

O Estado de Israel dedica à humanidade neste fim de ano, mais um ato de criminosa barbárie contra a população palestina da Faixa de Gaza. Apesar de toda a brutalidade dos ataques ilegais e ilegítimos que Israel recorrentemente lança contra os árabes palestinos, os ideólogos do sionismo, com bastante eficiência, através das corporações midiáticas estadunidenses – principalmente – conseguem garantir legitimidade a seus atos junto a grande parte da opinião pública liberal e democrática internacional valendo-se do argumento da “auto-defesa” e rechaça qualquer crítica desqualificando-as como “anti-semitas”.

Diante desta situação a única posição razoável é aquela que busca averiguar a veracidade dos argumentos desferidos pelos ideólogos do sionismo. Para contribuir com esta reflexão, disponibilizo abaixo novamente alguns trechos do livro recentemente publicado pela editora Sundermann sobre o sionismo. “A história oculta do sionismo” de Ralph Shoenman (judeu e sobrevivente do holocausto nazista) revela importantes informações sobre a história do movimento sionista, e de suas lideranças e possibilita uma reflexão racional, objetiva e precisa sobre o projeto sionista que dirige do Estado de Israel.

Trecho do livro "A muralha de ferro" de 1926 escrito pelo lider sionista Vladimir Jabotinsky, no caso há 22 anos antes da grande invasão sionista de 48 que fundou o estado de Israel.

"Não cabe pensar em uma reconciliação voluntária entre nós e os árabes, nem agora nem num futuro previsível, Todas as pessoas bem intencionadas, salvo os cegos de nascimento, compreenderam há muito a completa impossibilidade de se chegar a um acordo voluntário com os árabes da Palestina para transformar a Palestina de país árabe em um país de maioria judia. (...) Tente achar ao menos um exemplo de colonização de um país que aconteceu com o acordo da população nativa. Tal coisa nunca ocorreu.

(...)Qualquer povo lutará contra os colonizadores enquanto lhes reste um fio de esperança de que eles possam evitar o perigo da conquista da colonização. Os palestinos lutarão dessa forma até que não haja mais o menor lampejo de esperança.
(...)Não podemos dar nenhuma compensação pela Palestina, nem aos palestinos nem aos demais árabes.
(...) Qualquer colonização, ainda que a mais restrita, deve-se desenvolver desafiando a vontade da população nativa.
(...) é indispensável a força externa para estabelecer no país as condições de dominação e defesa pelas quais a população local, independentemente de seus desejos, veja-se privada da possibilidade de impedir nossa colonização.
(...)À censura estúpida de que esse ponto de vista não é ético, respondo: "totalmente falso". Essa é a nossa ética. Não há outra ética."

Citação de Jabotinsky, dirigente sionista morto em 1940, que mostra as raízes racistas do Estado de Israel.

"É impossível que alguém seja assimilado por outro povo que tenha um sangue diferente do seu. Para que seja assimilado este alguém tem de trocar seu corpo, tem de converter-se em um deles, no sangue. Não pode existir assimilação. Nunca poderemos permitir coisas como o matrimônio misto porque a preservação da integridade nacional só é possível mediante a pureza razial, e para tal, temos de ter esse território onde nosso povo constituirá os habitantes racialmente puros."

Citação de Davis Ben Gurion, primeiro chefe de Estado de Israel:

"Quando nos convertermos em uma força com peso, como resultado da criação de um Estado, aboliremos a partilha e nos expandiremos para toda a Palestina. O Estado será somente uma etapa na realização e sua tarefa é preparar o terreno para nossa expansão. O Estado terá de preservar a ordem, não através da pregação, mas das metralhadoras"
Deveríamos nos preparar para avançar em uma ofensiva. Nosso objetivo é esmagar o Líbano, a Transjordânia e a Síria. O ponto débil é o Líbano, porque o regime muçulmano é artificial e fácil de ser minado. Teremos de implantar um Estado cristão ali e então derrotaremos a Legião Árabe, eliminaremos a Transjordânia; a Síria cairá em nossas mãos. Então nós bombardearemos e ocuparemos Port Said, Alexandria e o Sinai."

A passagem a seguir é Yitzhak Gruenbaum, presidente do Comitê da Agência Judia de Resgate, organização sionista para investigar a situação dos judeus europeus durante a II Guerra Mundial.

"Se nos vierem com dois planos - resgatar as massas de judeus da Europa ou resgatar a terra - eu voto, sem vacilar, pelo resgate da terra. Quanto mais se fala da matança de nosso povo, mais se minimizam nossos esforços por reforçar e promover a hebraização da terra. Se houvesse, hoje, alguma possibilidade de comprar alimentos com o dinheiro de Karen Hayesod (Apelo Judeu Unido) para enviá-los através de Lisboa, nós o faríamos? Não. Repito: não."


A passagem a seguir tirada do capítulo 6 é o texto de pacto formal entra a Organização Militar Nacional (OMN) de Itzhak Shamir e o Terceiro Reich Nazista:

"A evacuação das massas judias da Europa é pré-condição para resolver a questão judaica; mas esta somente pode ser possível e completa mediante o assentamento dessas massas na terra natal do povo judeu, a Palestina, e mediante o estabelecimento de um Estado Judeu em suas fronteiras históricas (...) A OMN, que conhece bastante bem a boa vontade do governo do Reich alemão e suas autoridades para com a atividade sionista na Alemanha e em relação aos planos de emigração sionistas, opina que:

1. Pode haver interesses comuns entre o estabelecimento de uma Nova Ordem na Europa, segundo a concepção alemã, e as autênticas aspirações nacionais do povo judeu, personificadas pela OMN.

2. Seria possível a cooperação entre a nova Alemanha e uma renovada nação do povo Hebraico Nacionai, e
3. O estabelecimento de um Estado judeu histórico, sobre bases nacionais e totalitários, unido por uma aliança com o Reich Alemão, seria do interesse para um continuado e fortalecido futuro da posição de poder alemão no Oriente Próximo.A partir dessas considerações, a OMN na Palestina, sob a condição de que as aspirações nacionais do movimento de libertação isrelense mencionadas acima sejam reconhecidas pelo Reich Alemão, se oferece a participar ativamente na guerra no lado da Alemanha."

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Na luta pela educação pública




Gostaria de aplaudir a iniciativa da professor Hilda Helena no sentido de impulsionar a campanha pela eleição direta para diretores de escola (campanha a qual eu me somo imediatamente), assim como gostaria de saudar também a iniciativa de meu amigo Xacal de promover esta discussão sobre a política educacional anunciada pela futura secretaria municipal de educação.


É importante deixar claro que a defesa da eleição direta para diretor de escola (como efetivação do princípio legal da gestão democrática da escola) está profundamente ligada à crítica a política de aprovação automática ou de “eliminação adiada” dos educandos das classes populares. A gestão democrática da escola, com os gestores escolares prestando conta de sua atividade à comunidade escolar e não aos seus chefes políticos deve ser entendida como uma bandeira central na luta de professores, estudantes e famílias contra o processo de precarização e desqualificação da educação escolar pública em nosso país.


Abaixo segue trecho de um excelente artigo recentemente redigido pelo professor Luiz Carlos de Freitas da Unicamp, no qual elabora uma profunda e precisa análise do projeto político-social que se esconde por trás da lógica das políticas educacionais de aprovação automática, responsabilização e etc.



Eliminação adiada: o ocaso das classes populares no interior da escola e a ocultação da (má) qualidade do ensino

(...)

Boa parte dos problemas que estamos enfrentando com a educação básica nacional advém do próprio formato ideológico do projeto liberal hegemônico, agora “sob nova direção”: ele reduz qualidade a acesso – supostamente como uma primeira etapa da universalização. Mas, antes de ser uma etapa em direção à qualidade plena da escola pública, é um limite ideológico, como bem aponta Alavarse (2007). .

Os liberais admitem a igualdade de acesso, mas como têm uma ideologia baseada na meritocracia, no empreendedorismo pessoal, não podem conviver com a igualdade de resultados sem competição. Falam de igualdade de oportunidades, não de resultados. Para eles, os resultados dependem de esforço pessoal, uma variável interveniente que se distribui de forma “naturalmente” desigual na população, e que deve ser uma retribuição ao acesso permitido. Eles não podem aceitar que uma espécie de “acumulação primitiva” (Marx) ou um ethos (Bourdieu) cultural sequer interfira com a obtenção dos resultados do aluno. Se aceitassem, teriam de admitir as desigualdades sociais que eles mesmos (os liberais) produzem na sociedade e que entram pela porta da escola. Isso faz com que a tão propalada eqüidade liberal fique, apesar dos discursos, limitada ao acesso ou ao combate dos índices de reprovação. Como a progressão continuada já demonstrou, ausência de reprovação não é sinônimo de aprendizagem e qualidade (Cf. Bertagna, 2003).


Como analisamos em outro artigo (Freitas, 2002), esta postura tende a postergar os problemas políticos, econômicos e sociais que o liberalismo enfrenta com sua política econômico-social, mas não resolve o problema da universalização da qualidade da educação básica. Há hoje um grande contingente de alunos procedentes das camadas populares que vivem o seu ocaso no interior das escolas, desacreditados nas salas de aula ou relegados a programas de recuperação, aceleração, progressão continuada e/ou automática, educação de jovens e adultos, pseudo-escolas de tempo integral, cuja eliminação da escola foi suspensa ou adiada e aguardam sua eliminação definitiva na passagem entre ciclos ou conjunto de séries, quando então saem das estatísticas de reprovação, ou em algum momento de sua vida escolar onde a estatística seja mais confortável.

A Prova Brasil e os usos previstos para ela (acesso à avaliação de cada escola via internet, por exemplo), como forma de responsabilização, poderiam fazer parte de qualquer programa liberal (do Partido Democrata brasileiro até o Partido Republicano de Bush, para não falar da dobradinha Thatcher/Blair). Trabalham dentro da perspectiva de que “responsabilizar a escola”, expondo à sociedade seus resultados, irá melhorar a qualidade do ensino. A idéia completa dos republicanos de Bush (iniciada com Reagan) ou dos conservadores de Thatcher implica, no momento seguinte à divulgação dos resultados por escola, transformar o serviço público em mercado (ou mais precisamente em um quase-mercado), deslocando o dinheiro diretamente para os pais, os quais escolhem as melhores escolas a partir da divulgação desses resultados, de preferência estando as escolas sobre administração privada. É a política dos “vouchers”, que dá o dinheiro aos pais e não à escola. Paralelamente, tende a criar um mercado educacional para atender ao fracasso escolar. No Brasil já se criou o mecanismo para iniciar a privatização: Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) que podem administrar escolas antes públicas. Para os liberais, a ação do mercado forçaria à elevação da qualidade de ensino.

Todas estas ações encobrem o pano de fundo mencionado antes: nossa sociedade produz tamanha desigualdade social que as instituições que nela funcionam, se nenhuma ação contrária for adotada, acabam por traduzir tais desigualdades como princípio e meio de seu funcionamento (Bourdieu & Passeron, 1975; Baudelot & Establet, 1986). Todos concordamos em que isso não é desejável, mas meras políticas de eqüidade apenas tendem a ocultar o problema central: a desigualdade socioeconômica. Não é sem razão que os melhores desempenhos escolares estão nas camadas com melhor nível socioeconômico, brancas (Cf. Miranda, 2006, entre outros estudos disponíveis). Isso não significa que todas as escolas não tenham de ser eficazes em sua ação. Muito menos que as escolas que atendem à pobreza estejam desculpadas por não ensinarem, já que têm alunos com mais dificuldades para acompanhar os afazeres da escola. Ao contrário, delas se espera mais competência ainda. Mas os meios e as formas de se obter essa qualidade não serão efetivos entregando as escolas à lógica mercadológica. A questão é um pouco mais complexa.

Deixada à lógica do mercado, o resultado esperado será a institucionalização de escola para ricos e escola para pobres (da mesma maneira que temos celulares para ricos e para pobres). As primeiras canalizarão os melhores desempenhos, as últimas ficarão com os piores desempenhos. As primeiras continuarão sendo as melhores, as últimas continuarão sendo as piores. Mas o sistema terá criado um corredor para atender as classes mais bem posicionadas socialmente, o que será, é claro, atribuído ao mérito pessoal dos alunos e aos profissionais da escola.

(...)

Ìntegra do texto: http://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a1628100.pdf

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Ano Novo

Este último artigo do ano gostaria de redigir, em primeiro lugar, como agradecimento a todos os novos – e não tão novos – amigos e amigas que com sua hospitalidade e cordialidade souberam fazer deste último ano mais um ano bom para este retirante carioca que resolveu fincar raízes em solo campista.


Em segundo lugar, gostaria de agradecer também a todos aqueles que se dispõem a ler estas breves linhas e que têm contribuído bastante com suas sugestões, críticas e apontamentos no meu processo de formação pessoal, que entendo que deve ser, para cada um de nós, uma tarefa permanente, porque ninguém está definitivamente terminado nunca.


É importante deixar claro que as complexidades da sociedade campista constituem uma base sólida para uma compreensão mais profunda sobre o Brasil e suas contradições. Tenho percebido, nestes últimos anos que passei vivendo aqui, que, em muitos aspectos, Campos – muito mais do que o Rio de Janeiro, São Paulo, ou outra capital – pode ser vista como um microcosmo do Brasil. Os problemas e as potencialidades que aparecem na sociedade campista refletem muito do que somos como brasileiros, e muito do que podemos e devemos transformar e construir como brasileiros.


Gostaria de fazer deste último artigo de 2008, também mais uma contribuição ao “movimento” de desconfiança crítica que está se afirmando em relação ao governo municipal eleito. Diferentemente daqueles que de modo puro e simples – por esta ou aquela razão - estão aderindo ao novo governo, e também daqueles que estão dando um “voto de confiança” baseado em uma minimização excessiva da trajetória política pregressa do grupo que assumirá a prefeitura a partir de 1 de janeiro, os partidários da desconfiança crítica acreditamos que nossa postura é a mais adequada para dotar a sociedade civil campista da capacidade de exercer a vigilância democrática e cidadã necessária sobre os atos do futuro governo. Sendo assim, feliz ano novo a todos e olho vivo!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A crise e os direitos trabalhistas


Como já vinha sendo alertado por alguns dos mais importantes intelectuais e analistas do campo do pensamento crítico internacional, o agravamento dos efeitos da crise econômica mundial, agora já inquestionavelmente estabelecida, não levariam ao desmantelamento do sistema econômico capitalista, mas, ao contrário, as forças político-sociais representantes dos interesses empresariais tenderiam a lançar sobre os trabalhadores e a classe média o ônus da crise, de modo a promover uma espécie de “fuga para a frente” na qual a burguesia “externaliza” os impactos da crise do sistema para garantir sua reprodução.


Não demorou muito para que os alertas de homens como Eric Hobsbawn e François Chesnais se materializassem e ganhassem contornos de nítida e concreta ameaça, aqui mesmo no Brasil, onde até há pouco tempo era quase consensual a tese da imunidade do país à crise presente. Ganhou destaque na grande mídia corporativa, a partir da última semana, o apelo de Roger Agnelli, o todo-poderoso presidente da Vale do Rio Doce, em defesa da suspensão temporária dos direitos trabalhistas diante da crise. Uma vez colocada a questão da flexibilização dos direitos trabalhistas na agenda do debate público, o empresariado e o governo neoliberal puro-sangue de São Paulo, lançaram-se na vanguarda da ofensiva patronal reacionária e anti-popular, formalizando a reivindicação de suspensão dos direitos trabalhistas em audiência no Ministério do Trabalho nesta quarta-feira.


Depois de vários anos seguidos de expansão da atividade econômica e da lucratividade sem precedentes, garantida por uma política econômica e fiscal plenamente favorável aos seus interesses, os grandes empresários manobram para evitar qualquer mínima perda, agora, diante da crise mundial. Em seus planos e estratagemas os trabalhadores já foram identificados como aqueles que devem arcar com os custos da crise, abrindo mão de seus direitos e benefícios historicamente conquistados “para tentar preservar o nível de emprego”.


É absolutamente imprescindível que, neste momento, os sindicatos de trabalhadores, os movimentos populares e estudantis, os partidos políticos de esquerda, os intelectuais avançados e todos os setores progressistas da sociedade organizem-se em uma grande frente única em defesa dos interesses populares, impedindo que a ofensiva patronal consiga lançar sobre as costas dos trabalhadores o peso da crise capitalista. Fazemos coro com a exigência de que os ricos paguem pela crise.


Ao invés de suspensão de direitos trabalhistas, precarização do trabalho e desemprego, a saída para a crise deve se dar no sentido do estabelecimento de um rígido controle sobre as reservas cambiais e demais movimentações financeiras, do estabelecimento da custódia pública sobre do sistema financeiro sem estatização das perdas privadas, da proteção dos salários e do combate efetivo às demissões, além da ampliação do investimento público no desenvolvimento da infra-estrutura social tão necessária ao povo brasileiro. Uma plataforma de combate à crise semelhante a esta foi recentemente elaborada na Conferência Internacional de Economia Política realizada em Caracas e expressa a vontade política dos setores populares organizados da América Latina que não estão dispostos a voltar aos níveis de marginalização econômica, social e política dos anos 90, e entendem que a crise pode ser entendida como uma oportunidade para avançar nas conquistas e não como um momento de inevitável rendição aos ditames do grande capital.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A crise, o imbecil e o município


A crise econômica mundial é muito real e, além disso, traz em si, um potencial destrutivo de dimensões ainda não completamente previsíveis, mas certamente inéditas. Todo o conjunto dos países centrais do capitalismo já se encontra assumidamente em recessão e, obviamente, as conseqüências deste fenômeno serão sentidas, inevitavelmente, em espectro global. No que diz respeito ao Brasil, os flancos pelos quais deveremos ser mais duramente atacados, pois já o estamos sendo, são aqueles representados pela retração do crédito externo e das exportações. Neste contexto, duas posições são inaceitáveis: a primeira é aquela que se baseia na crença de que o Brasil é – e continuará sendo - imune à crise mundial e, por isso, nada de especial deve ser feito, e a segunda é aquela baseada na crença quase religiosa na impotência absoluta dos homens (e dos governos) diante da onipotência do Deus-mercado e seus ditames e “vontades” que, em conseqüência, entende que a sociedade deve se submeter passiva e voluntariamente à destruição provocada pela crise.


Em um momento no qual os governos do mundo todo buscam saídas (necessariamente) heterodoxas para a crise, vem ganhando destaque a figura do imbecil econômico, que se gaba de sua inabalável ortodoxia monetarista. Enquanto a maioria dos governos lança iniciativas – mais ou menos acertadas e incisivas - que visam a estimular o consumo e a produção, aumentando o gasto público, reduzindo as taxas de juros e priorizando o combate à recessão deflacionária que vai se estabelecendo, o imbecil econômico, soberbamente e indiferente à realidade, se mantém na defesa da limitação do consumo, da redução do gasto público, da manutenção das taxas de juros, e da priorização do combate à inflação (um fantasma nos dias que correm).


Em nosso país, a equipe do Comitê de Política Monetária, e a oposição neoliberal puro-sangue ao governo Lula, fazem questão de se manter na vanguarda dos imbecis econômicos nacionais. A manutenção da taxa de juros, por uns, e a repetição insistente da exigência de redução dos gastos públicos, pelos outros, tornam-se posições cada vez mais imbecis e, indo além, anti-sociais. É possível e necessário ao poder público enfrentar a crise e seus impactos com uma postura ativa e com uma intervenção decidida na economia. Impulsionar o consumo e a produção em um ambiente internacional de crise recessiva passa, necessariamente, pela ação consciente do poder público com os instrumentos políticos, econômicos e financeiros de que dispõe.


Longe de restringir o gasto público, o governo – em nível federal, estadual e municipal – deve se lançar em uma empreitada baseada no estímulo anti-cíclico: ampliação dos serviços e bens públicos através da construção de infra-estrutura e equipamentos e da contratação de mão-de-obra (por meios legais, obviamente), desenvolvimento de mecanismos jurídicos e fiscais em defesa do emprego, financiamento de iniciativas econômicas efetivamente geradoras de renda e capazes de manter e elevar o nível de consumo da população, etc.


No que diz respeito ao município de Campos dos Goytacazes é preocupante que importantes figuras do governo eleito estejam reproduzindo, diante da crise mundial, o discurso típico do imbecil econômico, a cantilena da redução dos gastos públicos. Aqui, onde os indicadores econômicos e sociais mantém-se assustadoramente baixos, mesmo no contexto nacional de crescimento econômico, a repetição, agora, das velhas fórmulas neoliberais de gestão pública, ainda que pareçam modernas e sofisticadas frente ao diletantismo corrupto, tendem a produzir um aprofundamento da estagnação econômica e da precariedade que caracteriza o panorama social campista.


Ao poder público municipal cabe, na etapa que se abre, entre outras ações, desenvolver um amplo programa de obras que dote verdadeiramente o município da infra-estrutura e dos equipamentos públicos necessários ao seu desenvolvimento social (escolas, hospitais, praças, moradias, etc), efetivar sua capacidade de intervenção através da ampliação do quadro de servidores públicos nas atividades-fim, promover o financiamento de iniciativas econômicas com alta capacidade de incorporação de mão-de-obra e geração de renda (em especial, as de caráter cooperativo), impulsionar uma transformação do padrão agrário e agrícola do município no sentido da superação do secular e estagnado modelo atual.


No entanto, para que se caminhe neste sentido que pode fazer Campos dos Goytacazes enfrentar a crise de cabeça erguida e apontar para um futuro de dignidade, será necessário, em primeiro lugar, reunir forças para derrotar a mentalidade ainda dominante do imbecil econômico, desmontar o poderoso mecanismo clientelista e corrupto vigente, e vincular-se aos interesses sociais das massas trabalhadoras, da classe média e dos pequenos empresários contra os interesses parasitários do lumpen-empresariado local. O próximo governo municipal estará disposto a lançar-se nesta empreitada? Mais ainda, será ele capaz de fazê-lo? Esta é questão que urge ser respondida.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Marx e a crise econômico-financeira

Dominam hoje o campo das ciências sociais aquelas correntes pós-modernistas ou associadas que, baseadas num pressuposto filosófico irracionalista, afirmam a completa incapacidade do pensamento racional dar conta de compreender a lógica da dinâmica da vida social, já que esta seria natural e inevitavelmente dotada de uma contingência absoluta. Admitindo a correção destas pontos de vista, toda crítica que se proponha a apresentar meios para a superação da ordem social atual não passaria de um conjunto de construções arbitrárias da imaginação incapazes de reivindicar para si qualquer fundamento objetivo.

Por outro lado, nós, os minoritários partidários da ciência social crítica, continuamos afirmando que é plenamente possível apreender as determinações fundamentais da estrutura e da dinâmica social capitalista contemporânea, identificar suas contradições e apontar para os fundamentos de suas superação. O fundador da ciência social crítica, o alemão Karl Marx, foi capaz de redigir, ainda na segunda metade do século XIX, as linhas que seguem abaixo, nas quais descreve os princípios a partir dos quais o capital financeiro torna-se elemento e combustível para o desenvolvimento de crises econômicas como as que testemunhamos hoje.


Em um sistema de produção em que toda a trama do processo de reprodução repousa sobre o crédito, quando este cessa repentinamente e somente se admitem pagamentos em dinheiro, tem que produzir-se imediatamente uma crise, uma demanda forte e atropelada de meios de pagamento.

Por isso, à primeira vista, a crise aparece como uma simples crise de crédito e de dinheiro líquido. E, em realidade, trata-se somente da conversão de letras de câmbio em dinheiro. Mas essas letras representam, em sua maioria, compras e vendas reais, as quais, ao sentirem a necessidade de expandir-se amplamente, acabam servindo de base a toda a crise.

Mas, ao lado disso, há uma massa enorme dessas letras que só representam negócios de especulação, que agora se desnudam e estouram como bolhas de sabão, ademais de especulações sobre capitais alheios, mas fracassadas; finalmente, capitais-mercadorias desvalorizados ou até encalhados, ou um refluxo de capital já irrealizável. E todo esse sistema artificial de extensão violenta do processo de reprodução não pode corrigir-se naturalmente.

O Banco da Inglaterra, por exemplo, entregue aos especuladores, com seus bônus: o capital que lhes falta impede que comprem todas as mercadorias desvalorizadas por seus antigos valores nominais.

No mais, aqui tudo aparece invertido, pois num mundo feito de papel não se revelam nunca o preço real e seus fatores, mas sim somente barras, dinheiro metálico, bônus bancários, letras de câmbio, títulos e valores.

E esta inversão se manifesta em todos os lugares onde se condensa o negócio de dinheiro do país, como ocorre em Londres; todo o processo aparece como inexplicável, menos nos locais mesmo da produção.

[MARX, Karl. O Capital, Volume 3, Capítulo 30, “Capital-dinheiro e capital efetivo” (fragmento).]

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Avança o irracionalismo criacionista

O filósofo húngaro Georg Lukács, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, já afirmava que a etapa de desenvolvimento do sistema econômico capitalista que se abria, trazia como seu complemento no âmbito do pensamento, o reforço das tendências irracionalistas nascidas no período anterior. Posteriormente, Frederic Jameson vai afirmar que o pós-modernismo – constituído sobre a base do mais radical irracionalismo – é a matriz cultural própria ao capitalismo tardio, conceito este desenvolvido pelo economista belga Ernest Mandel para definir o capitalismo em seu desenvolvimento pós-II Guerra.

No entanto, é apenas a partir do final da década de 80 e, principalmente, ao longo da década de 90 do século passado, no contexto da restauração capitalista na ex-URSS e nos países do leste europeu, e da ofensiva globalizada do neoliberalismo, que a hegemonia do pensamento irracionalista, na sua vertente pós-modernista, vai conseguir se estabelecer de forma avassaladora. Suas principais conseqüências serão fundamentalmente, de um lado, o questionamento da validade social do pensamento científico e, de outro lado, a expansão de um relativismo radical que abrirá espaço para o avanço das diversas matrizes do pensamento anti-científico, em especial, o fundamentalismo religioso.

O preocupante progresso do criacionismo no que diz respeito à educação, é um dos resultados dos ataques ensandecidos e injustos promovidos pelo irracionalismo pós-modernista ao pensamento científico. Segue abaixo uma perturbadora notícia divulgada no jornal O Estado de São Paulo a respeito do avanço galopante do criacionismo em grades escolas privadas brasileiras. É hora de rearmar o racionalismo, em suas diversas tendências, para desempenhar seu papel no bom combate contra as forças do obscurantismo irracionalista contemporâneo.


Escolas adotam criacionismo em aulas de ciência.


O criacionismo se espalha pelas escolas confessionais brasileiras - e não apenas no ensino religioso, mas nas aulas de ciências. Escolas tradicionais religiosas como Mackenzie, Colégio Batista e a rede de escolas adventistas do País adotam a atitude de não separar religião e ciência nas aulas, levando aos alunos a explicação cristã sobre a criação do mundo junto com os conceitos da teoria evolucionista. Algumas usam material próprio. Outros trabalham com livros didáticos da lista do Ministério da Educação e acrescentam material extra. "Temos dificuldade em ver fé dissociada de ciência, por isso na nossa entidade, que é confessional, tratamos do evolucionismo com os estudantes nas aulas de ciências, mas entendemos que é preciso também espaço para o contraditório, que é o criacionismo", defende Cleverson Pereira de Almeida, diretor de ensino e desenvolvimento do Mackenzie.


O criacionismo e a teoria da evolução de Charles Darwin começam a ser ensinados no colégio entre a 5ª e 8ª séries do fundamental. Na hora de explicar a diversidade de espécies, por exemplo, em vez de dizer que elas são resultados de milhares de anos do processo de seleção natural, se diz que a variedade representa a sabedoria e a riqueza de Deus.


Especialistas ouvidos pela reportagem consideram um equívoco a presença do criacionismo na aula de ciências."É completamente inadequado ensinar como teoria científica, porque não é teoria científica", diz Ildeu de Castro Moreira, diretor do departamento de Popularização da Ciência e da Tecnologia do Ministério da Ciência e da Tecnologia. Para ele, não há problema abordar o assunto, "assim como se fala em alquimia na história da ciência", mas "oferecê-lo como alternativa é uma inverdade."

As informações são do jornal O Estado de São Paulo

domingo, 7 de dezembro de 2008

A intelectualidade outrora combativa, hoje cooptada


Segue abaixo importante reflexão do jornalista Milton Temer sobre o papel da intelectualidade no processo de legitimação do governo Lula e sua política econômica, definida por alguns como social-liberal e que eu, por falta de designação mais apropriada, classifico como quase-novo-desenvolvimentista, ou seja, um projeto novo-desenvolvimentista enquadrado e limitado por um arcabouço de pressupostos neoliberais.


Desta crise financeira, produto da ação predatória do capital especulativo, no Brasil e no mundo, algumas questões merecem aflorar, para além das questões contábeis.


De pronto, o fim de uma falácia. O Brasil possui, sim, recursos para o cumprimento de metas concretas, estruturais, nas políticas públicas essenciais – as políticas para as áreas de saúde, educação, habitação, transporte de massas. Estão aí os borbotões diários de recursos contábeis que despejam bilhões e bilhões do erário nos mesmos bolsos de sempre: os portadores dos grandes capitais privados. O que não existe, portanto, é prioridade política. Entre a sociedade que produz e os banqueiros que especulam, ou os mineradores e agronegocistas que se locupletam nas ações predatórias, o governo não vacila. Primeiro, aos poderosos. Para os demais, o que restar.


O chamado cidadão comum deveria se abismar, mas a anomia prevalece. Afinal, onde estão os lucros pantagruélicos que os banqueiros anunciam a cada seis meses por conta da escandalosa política de juros? Ora, se tais lucros nunca escaparam aos acionistas dessas instituições no momento de vacas gordas, por que cabe à cidadania como um todo dar-lhes cobertura quando o cinto aperta?


Mas há que compreender a anomia do cidadão comum. Tendo em vista o bombardeio ideológico dos grandes meios de comunicação patrocinados exatamente por esse grande capital, ele tem poucos instrumentos para se contrapor ao processo intenso de alienação que lhe é inculcado cada vez que abre um jornal ou se conecta nos informativos de televisão. Termina fácil convencê-lo que defender o sistema financeiro está na ordem natural da governabilidade. Seria algo fundamental para sua própria sobrevivência existencial. Se os banqueiros quebram, quem garantirá que sua empresa continuará a empregá-lo? Não atenta para o fato de estar no imposto que paga na compra do pão de cada dia o suporte que o governo transfere aos que nunca perdem nessa ordem social perversa. Nessa ordem social hegemonizada pelo grande capital.


O que não nos permite compreensão é o comportamento patético da respeitável intelectualidade, outrora ligada à oposição radical ao mandarinato tucano-pefelista que nos assolou nos trágicos oito anos de FHC presidente. Afinal de contas, está aí um segmento muito menos vulnerável ao engodo midiático. Um segmento informado, que tem ferramentas para compreender a essência da política macroeconômica do governo. Por que banca a tríade de macacos que não vê, não ouve e não fala? Há duas explicações óbvias. A primeira é simples reprodução do que já havia ocorrido com segmento similar, ligado ao antigo e saudoso Partidão, que se vendeu ideologicamente ao neoliberalismo. Aproveitaram a queda do Muro para se aboletar nas vantagens da privatização, em nome de um suposto combate ao "autoritarismo do Estado".


A outra é mais perigosa porque bem mais sinuosa. É a posta em prática pelos porta-vozes da defesa de pontos positivos do governo Lula e da necessidade de fazer o combate "por dentro". Que classifica como sectários todos aqueles que abandonaram o lulismo e seu petismo acessório exatamente porque se mantiveram fiéis aos conceitos programáticos das lutas que levaram Lula ao Planalto. Pode terminar tão nociva quanto a que a precedeu, por conta da sofisticação de sua guinada pragmática. Da cobertura teórica à falsa idéia de que o governo Lula não poderia agir de outra forma. À falsa idéia de que, pelo assistencialismo dos chamados programas sociais, há uma compensação às concessões feitas ao sistema financeiro, aos banqueiros e predadores instalados nos privilégios do grande capital. À falsa idéia de que os governos progressistas da América Latina só sobrevivem por conta da "solidariedade" da política externa brasileira.


Não fazem contas, nem atentam para os fatos da realidade. Não fazem contas para não constatar que o que o governo despende com o Bolsa-Família, durante um ano, com reais resultados nas vidas das cerca de 11 milhões de famílias mais miseráveis, corresponde a menos da metade dos lucros dos dois maiores bancos privados brasileiros – Itaú e Bradesco – em nove meses. E não atentam para os fatos, a considerar a leitura dos jornais das semanas recentes. Não procuram averiguar por que uma diplomacia "progressista" no continente foi sempre tão bem vista pela agressiva política imperialista do governo Bush.


É de se desejar que, depois que o insuspeito Elio Gaspari confirma em seu artigo "A perigosa diplomacia das empreiteiras", de 26 de novembro, tudo aquilo que a equipe de auditoria da dívida no Equador tinha concluído a respeito das ilegalidades dos contratos com a Odebrecht, esses apóstolos do neolulismo despertem (admitindo-se suas boas intenções na adesão à guinada).É de se desejar, principalmente, que, depois da assinatura da resolução concernente ao último encontro do G 20, onde, certamente por imposição de Bush, se faz uma ode ao livre mercado (por incrível que pareça; em reunião na qual se pretendia discutir repercussões da crise gerada pela essência predadora do livre mercado), ninguém mais ressurja com a idéia de que o governo Lula tem política econômica progressista.


Milton Temer é jornalista e presidente da Fundação Lauro Campos

Venezuela na encruzilhada: socialismo ou fascismo


As mais recentes eleições venezuelanas foram plenas de significado no que diz respeito ao que Gramsci definiu como “grande política”. Os resultados concretos do pleito demonstram a manutenção de um claro predomínio das forças políticas aliadas ao projeto bolivariano do presidente Hugo Chávez na sociedade venezuelana, mesmo depois de 10 anos de seu governo, o que, por si só, já é extremamente significativo. Dos 22 Estados, o PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) venceu em 17. Apesar da ampla hegemonia do campo bolivariano, a oposição, de conteúdo político francamente neoliberal e pró-imperialista, obteve algumas vitórias importantes nos estados de Zulia, Miranda, Tachira, Nueva Esparta e Carabobo (importantes pela densidade populacional e por seu peso na economia nacional), além, da mais destacada vitória, por seu caráter simbólico e surpreendente, na prefeitura metropolitana da capital Caracas.


O quadro que se desenha após a constatação destes resultados possui alguma complexidade que precisa ser analisada em sua concretude. Em primeiro lugar, a tônica da cobertura jornalística dos resultados eleitorais venezuelanos, realizada pelas grandes corporações midiáticas, atribuindo a vitória à oposição (como o fez as Organizações Globo, por exemplo), é desavergonhada e militantemente falsa. A hegemonia dos campos bolivariano e socialista – entendendo que os dois não são exatamente idênticos, mas que o segundo se constitui como a ala mais avançada do primeiro – vem se aprofundando e ganhando em conteúdo, o que não significa, por outro lado, que esteja consolidada de modo irreversível. Esta hegemonia está ganhando densidade, no sentido em que vai se distanciando da simples adesão carismática ao presidente Chávez e aprofundando o seu caráter de adesão a um determinado conjunto de valores e idéias amalgamadas no projeto político bolivariano-socialista. A comprovação desta tese se encontra no fato de que onde os candidatos chavistas, em geral buscando a reeleição, representavam a “boli-burguesia”, ou seja, os setores mais atrasados e corruptamente burocráticos do campo bolivariano, incapazes de desempenhar satisfatoriamente sua função governamental, foram inapelavelmente derrotados, mesmo com a ativa presença de Chávez em suas campanhas.


Outro aspecto importante a ser destacado no que tange a estas eleições diz respeito à contradição entre o aparente progresso da oposição de direita e o aprofundamento reacionário de seu conteúdo. A polarização política e social na Venezuela atual não expressa nada mais, nada menos, do que a clássica contradição entre os interesses e necessidades de classe, como já estabelecido por Marx e Engels há mais de 150 anos. Os setores mais reacionários da sociedade venezuelana, dirigidos pelo grande capital, em especial, por aquele bloco mais associado ao capital estrangeiro, estão participando no processo eleitoral e assumindo formas “democráticas” dentro do contexto de uma reorientação tática no sentido de garantir a acumulação de forças para impor à sociedade venezuelana como um todo, um projeto político de corte nitidamente anti-democrático, diria mesmo, fascistizante. Se é verdade que, por um lado, existe uma preocupante tendência bonapartista expressa em alguns dos últimos movimentos de Chávez e da cúpula de seu governo, por outro lado, isto não deve levar à ingênua conclusão de que o radicalismo direitista e anti-popular da oposição é um mero reflexo de tais tendências e que uma desmobilização da “sociedade civil popular” e uma guinada no sentido das formas assépticas e atomizantes da fria democracia parlamentar e seus estatutos atentatórios às plenas liberdades democráticas das massas populares, conduziria a uma “pacificação social” que permitiria o avanço tranqüilo do projeto bolivariano-socialista pelos caminhos da democracia capitalista.


Não deve haver dúvidas de que os setores políticos reacionários que se encontram na oposição ao governo de Chávez são os mesmo que patrocinaram, planejaram, articularam e empreenderam o golpe de Estado de 2002 que, além de derrubar o governo e manter o democraticamente eleito presidente da república em cárcere ilegal, ainda ceifou a vida de muitos cidadãos venezuelanos. Não são setores democráticos em luta contra o suposto autoritarismo de Chávez, são, isto sim, setores agressivamente reacionários, anti-populares e anti-democráticos amparados e parcialmente financiados pelo governo dos Estados Unidos que, nas últimas semanas têm deixado muito clara, mais uma vez, a essência de seu projeto político. Além do assassinato de três importantes dirigentes sindicais da UNT na região de Aragua, ainda não solucionado, várias ações para-militares têm sido empreendidas contra missões sociais, médicos cubanos, estudantes, entre outros membros dos programas sociais do governo nacional, nos Estados onde venceu a oposição de direita. Como já afirmou Lênin, no início do século XX, quando as massas populares tornam-se capazes de expressar suas efetivas demandas e exigir uma participação real na determinação dos rumos da política, as sacralizadas formas da democracia meramente parlamentar esfarelam-se no ar, e as sociedades se encontram diante do clássico e inevitável dilema: socialismo ou fascismo, ou seja, aprofundamento da vitória dos interesses populares ou sua esmagadora derrota e liquidação pelas mãos da reação triunfante. Este é o quadro atual na Venezuela e se o governo bolivariano não for efetivamente capaz de avançar no sentido de aprofundar o controle público e democrático sobre as diversas instâncias da vida social (política, economia, etc), o que se prepara é o avanço das forças reacionárias da oposição e seus métodos fascistas.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Deputados do PSOL defendem auditória da dívida pública

Segue abaixo a nota divulgada pela Assessoria de Comunicação do PSOL

Os deputados Ivan Valente (SP) e Chico Alencar (RJ) defenderam, em discursos no plenário da Câmara, a realização da auditoria da dívida pública, que acontece no Equador, e a instalação do mesmo procedimento no Brasil, conforme prevê a Constituição Federal de 1988.
O deputado Chico Alencar disse que é preciso restabelecer a racionalidade no que diz respeito ao suposto calote que governos da América Latina estariam prestes a dar no Brasil, conforme reportagens divulgadas pela imprensa esta semana. “Não há informação mais editorializada e apequenada”, afirmou

Segundo o deputado, o que os governos do Equador, Venezuela, Bolívia e Paraguai estão fazendo é honrar um compromisso de campanha: a instalação da auditoria da dívida pública. No Brasil, a realização da auditoria é determinação da Constituição Federal, mas ainda não foi cumprida. Chico Alencar disse que o Equador, primeiro país a instalar a auditoria, promove comissões independentes, com participação de auditores internacionais, incluindo Maria Lúcia Fattorelli, da Receita Federal brasileira. “São pessoas que têm capacidade de avaliar contratos, elementos de corrupção, superfaturamentos e aditamentos indevidos”.

De acordo com Ivan Valente, o governo equatoriano está sendo corajoso ao investigar suas dívidas públicas externa e interna e ao tomar decisões em nome de sua soberania nacional. O deputado destacou que a Comissão Auditoria Integral do Crédito Público, formada por especialistas de vários países, apontou que o Equador recebeu, em 20 anos, créditos de US$ 80 bilhões, pagou US$ 127 bilhões, mas que ainda deve US$ 10,3 bilhões. Além da dívida interna que passou US$ 539 milhões para US$ 3,27 bilhões. “Este é o resultado da sangria por que passam esses países”.

Para Ivan Valente, o governo brasileiro não entendeu porquê o governo equatoriano tem o direito de recorrer a uma corte internacional para discutir o empréstimo feito ao BNDES, de US$ 243 milhões, para construção de uma hidrelétrica, já que há indícios de que o financiamento estaria condicionado à escolha da Odebrecht – construtora que o presidente Rafael Correa expulsou recentemente daquele país.

O Brasil, explicou Ivan Valente, tem dívida externa de US$ 200 bilhões e interna de US$ 1,4 trilhão. “ Por isso, propusemos nesta Casa a CPI da Dívida Pública”, afirmou o deputado, comissão que possui assinaturas suficientes para sua instalação, mas não ocorre por conveniência. “Temos que discutir soberania nacional e acabar com essa história de que é tabu investigar dívida e lucro dos bancos e especulação financeira no nosso país”.

Uma grande celebração


A noite de ontem foi abrilhantada pelo maravilhoso evento comemorativo do Dia Nacional do Samba promovido pela grandiosa madrinha do samba campista, a espetacular Lene Moraes. Todos aqueles que, como eu, amam o samba e estiveram presentes no simultaneamente simples e grandioso evento no Boulevard, puderam sentir a verdade desta manifestação artística popular brasileira em todas as suas dimensões. Desde o maravilhoso espetáculo do jongo do grupo de Neuzinha da Hora, até a apresentação de seu Geraldo Gamboa, passando pelas apresentações do grupo Ébano, da turma do Saboya, da própria Lene – aclamada no local pelos músicos e público como a “Beth Carvalho de Campos”, por seu espírito militante e guerreiro na promoção do samba na cidade – entre outros não menos talentosos e importantes artistas que se revezaram na condução do samba de mesa autêntico, o que se manifestava ontem era a riqueza musical, a alegria empolgante, e o poder democratizante e progressista do samba.


Lado a lado, em plena noite do centro da cidade, se encontravam humildes trabalhadoras e trabalhadores saídos da lida diária, estudantes universitários, intelectuais, políticos, todos, reunidos em um mesmo espaço, sem “áreas vip”, sem cordões de isolamento, bebendo da mesma cerveja, cantando e dançando as mesmas melodias e ritmos, exaltando os mesmos ídolos - em sua imensa maioria pobres, negros e geniais. Neste evento bancado unicamente pela garra dos verdadeiros militantes do samba em Campos, sem apoio financeiro de nenhuma espécie e de nenhuma parte, o Dia Nacional do Samba foi celebrado de forma magistral porque simples. Neste momento de dor sentida por uma imensa parcela da população mais empobrecida da cidade, entregue ao descaso das autoridades públicas locais que cinicamente tentam nos fazer crer que o máximo de sua responsabilidade é com a organização do auxílio aos flagelados, a alegre, democrática e popular festa de ontem reaviva nossas esperanças de um futuro mais digno para Campos dos Goytacazes.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A hora e a vez da solidariedade

Segue abaixo o apelo do nosso amigo o blogueiro Xacal, convocando a população e aos leitores à solidariedade neste momento tão grave.

A solidariedade é um ótimo investimento...Faz a gente se sentir útil...Faça...! Não espere reconhecimento...Pare um pouco, e use o seu tempo na ajuda ao outro...Junte aquelas roupas que já não lhe cabem, sempre è espera daquele regime ou dieta que você nunca fez, e talvez nunca fará...Separe as peças por tipo, pegue uns sacos plásticos ou caixas de papelão...Deixe de ser sovina, e compre uma fita adesiva...lacre os pacotes e coloque uma etiqueta...creia-me, sua mão não dará cãimbras...Se não tiver nada para doar, se realmente você está sem condições financeiras, não se apoquente...isso acontece...Doe o melhor que você tem, ou seja: seu tempo e sua atenção...se apresente como voluntário e faça melhor o que você sabe fazer...Acredite, seu coração quase sairá pela boca de alegria ao saber que você fez sua parte...Telefones para recolhimento de donativos: Secretaria de Promoção Social-(22) 2733-3738 ou 2723-1099.

Catástrofe anunciada e periódica


A imensa catástrofe que está assolando grande parte do município de Campos não pode ser considerada, de modo honesto, como imprevista ou surpreendente por nenhum cidadão sério e esclarecido desta cidade. Todo ano, no período das chuvas de verão, regiões como a de Ururaí são vítimas de enchentes provocadas pela subida do nível dos rios da região. Certamente o volume de água das últimas chuvas foi absurdamente imenso, o que, por outro lado, não isenta de responsabilidade as autoridades competentes.
O conjunto de soluções necessárias à superação deste perverso ciclo de calamidades anuais que atingem a população mais empobrecida da cidade, não é simples e nem barato, no entanto, é importante ter clareza que o poder público deve existir em função das necessidades da população e não a população ser submetida a indignidades inúmeras em função das conveniências dos gestores do poder público. Se é verdade que resolver o problema das enchentes em Campos exige uma verdadeira reformulação de grande parte da estrutura urbana e hídrica do município, também é verdade que o poder público campista não pode se queixar da ausência de recursos materiais para tanto, em especial nos últimos anos.
Campos dos Goytacazes é um dos poucos municípios do Brasil que não se encontram financeiramente paralisados em função do arrocho do capital financeiro expresso nas dívidas públicas municipais e na Lei de Responsabilidade Fiscal, seu complemento. Os royalties do petróleo garantem ao poder municipal uma extremamente larga margem de manobra para escapar deste arrocho reacionário, porém, a longa apropriação do poder local pelas facções políticas do lumpen-empresariado aprofundou a precariedade da infra-estrutura do município e das condições de vida da maioria de sua população.
É necessário e imprescindível atribuir de modo preciso a responsabilidade desta presente calamidade aos verdadeiros responsáveis, para que isto possa contribuir para o desenvolvimento de um processo de organização dos setores saudáveis e progressistas da sociedade civil local em um poderoso movimento social que seja capaz de reverter a lógica que vem predominando na gestão pública do município. Somente uma orientação neste sentido pode colocar fim ao imenso repertório de sofrimentos e angústias ao qual a maior parte da população de Campos se encontra submetida pela inexistência de um poder público efetivo.

Dia Nacional do Samba


Hoje, 2 de dezembro, é o dia que ficou reservado para a celebração e comemoração desta importantíssima manifestação da cultura popular brasileira: o samba. Mesmo havendo uma profunda controvérsia em relação ao evento que haveria originado a data comemorativa, o importante é que o Dia Nacional do Samba, a passos largos vai se firmando Brasil afora. Aqui, em Campos, o Dia do Samba será lembrado como merece, com bastante samba e alegria no Boulevard do centro da cidade. A indispensável Lene Moraes vem à frente de um fastástico grupo de poucos e bons militantes do samba da cidade que, num trabalho de formiguinha, vêm atuando arduamente para o resgate do verdadeiro samba em Campos. A turma do Saboya + não afunda e o espetacular pessoal do grupo Ébano somam-se ao pessoal da velha guarda campista (Seu Gamboa e cia) para promover este importante evento. Portanto, juntemo-nos aos bons e vamos para o samba!

Carta aberta de Gaudêncio Frigotto e Carmen Lozza

Divulgo abaixo a carta aberta redigida por estes dois importantes pesquisadores da questão educacional brasileira em crítica à nomeação da senhora Claudia Costin para a secretaria de educação da cidade do Rio de Janeiro. Claudia Costin é uma figura central no interior dos setores político-intelectuais vinculados com o neoliberalismo ''puro-sangue" do tucanato e do Instituto Millenium (uma "elite orgânica" que agrupa os mais importantes empresários, tecno-empresários e intelectuais da direita neoliberal do país) . Deixo claro que também é o repúdio deste o blog o repúdio de Gaudêncio e Carmen


2009 e a Educação na cidade – uma indicação e três equívocos


A escolha da futura secretária de Educação do município do Rio de Janeiro, pelo prefeito recém eleito, em nosso ponto de vista traz pelo menos três equívocos sobre os quais propomos uma reflexão pausada, ampla e pública.

Antes de enunciá-los, contudo, queremos descartar qualquer impressão de que o que aqui vamos expor possa ser confundido com imaturos "choramingos de perdedores" ou com um desqualificado lamento bairrista, em função da importação de São Paulo da futura secretária; tampouco com qualquer questão pessoal em relação a ela, pessoa a quem, até onde se sabe, foram entregues importantes missões no serviço público, em relação às quais saiu-se conforme o esperado por seus superiores.

O problema que está na base da indicação de agora reside no fato de que o que o Prefeito pode estar esperando da futura secretária parece não ser o que dela possam aguardar os integrantes da Rede Municipal, sejam eles professores, alunos, pais ou funcionários. Talvez alguns, sim, mas a expressiva maioria, não.
Do que passamos a tratar é da inadequação da Sra. Claudia Costin ao que é urgente, inadiável mesmo, para a qualificação social da Rede Pública Municipal da capital. Fosse um casamento (fazendo uma alegoria), estaríamos caminhando para uma possível anulação por "erro de pessoa", tamanha a distância entre a natureza da Rede e suas necessidades e aquela que a conduzirá a partir de janeiro. O perfil acadêmico-profission al da Sra. Claudia poderá perturbar gravemente os resultados de seu trabalho à frente da Educação da cidade do Rio de Janeiro. Nesse suposto casamento, portanto, "erro de pessoa" do ponto de vista da Educação da capital.

Explicamos nosso ponto de vista.
O primeiro equívoco que a indicação traz junto a si é a clara orientação privatista que impregna a indicação do Sr. Eduardo Paes, dado o perfil e trajetória profissional da futura secretária, ícone, como ministra do Governo Fernando Henrique Cardoso, da reforma do Estado, cuja carreira traz a marca da fidelidade aos interesses do mercado, o que pode acentuar o caráter excludente de nossa rede pública de escolas. E isso num momento em que o mercado internacional, por sua própria lógica interna, vem sofrendo os revezes da orientação neo-liberal que marcou a economia nas últimas décadas, com os perversos reflexos para a educação realizada entre nós. Os mais importantes defensores e propaladores do livre mercado estão fazendo o mea culpa publicamente. Parece ser, então, inadequada ao atual momento histórico a escolha do Prefeito. Até mesmo démodé, diríamos.

Quanto ao segundo equívoco a que nos referimos, este tem a ver com a distância da formação e prática culturais que envolvem, de um lado, a convidada, ao longo de sua vida – paulista, atuando sempre em seu estado natal, em Brasília (quando Ministra no MARE) e mesmo fora do Brasil, no Banco Mundial – e, de outro, o Rio de Janeiro, cidade cujas escolas de formação ofereceram à cidade, desde sempre, educadores bem formados e conhecedores da realidade municipal. Quanto a esse aspecto, não se pode negar o quanto a postura do Prefeito tenta esvaziar a história da cidade e de seus profissionais. Nenhum educador carioca, parido e criado dentro das mazelas e conquistas da educação que aqui se pratica, estaria apto para o cargo? Por quê (é o caso de se indagar)?

Ou, e aqui vem o terceiro equívoco, ou, repetimos, o que conta para o Sr. Eduardo Paes são as alianças, estabelecidas desde já para futuros pleitos eletivos, para os quais é condição a costura de alianças em âmbito nacional, que, dentre outros, junte tucanos de variadas plumagens, para garantir acordos em prol de desejos pessoais a serem realizados mais adiante? O terceiro equívoco, pois, é este: o de imaginar que não sabemos interpretar os fatos para além dos interesses intestinos do agora, imediato e pouco translúcido a olho nu (ou ingênuo). É um erro, com efeitos devastadores em relação ao que virá. Até mesmo antes das eleições de 2010).

Desse modo, se para o projeto político do grupo do "novo" prefeito, a indicação da Sra. Claudia vem a calhar (como um "Exterminador do Futuro", possuidor de todo o instrumental e técnica para dar cabo da missão), ao contrário, diante de tal fato e considerando a urgentísisma necessidade de requalificação da Rede Municipal de Educação do Rio, na perspectiva de uma escola para todos e para cada um, estamos longe de poder ter boas expectativas.

Com maioria tão estreita a seu favor, o Sr.. Eduardo Paes deveria repensar este seu equívoco de agora. Afinal de contas, Educação não é moeda de troca e o Rio não precisa de experimentalismos que construam mais um tempo de fracassos. O Rio, sim, precisa de uma política clara, em favor da Educação Pública. Isso, acreditamos, foge ao que a futura secretária pode oferecer à cidade. O caráter dualista da escola, a culpabilização do Magistério pelo fracasso do ensino, a naturalização quanto ao fato da escola deixar a maioria pelo caminho, e tudo o mais que vem incorporado à política educacional que os reformadores do estado promovem, antes mesmo da posse nós já conhecemos. A partir desse discurso e prática não se produz a educação que estamos a dever aos filhos desta cidade! .


Carmen Lozza e Gaudêncio Frigotto

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Avançando para o passado?


A nomeação de Paul Volcker, um dos mais importantes homens de ação econômica da ortodoxia neoconservadora estadunidense, por Barack Obama para chefiar seu conselho econômico é um dos primeiros e mais significativos sinais de que a “mudança’ da qual Obama seria a principal expressão, não promete realmente ir muito além do simbólico (ainda que isto, por si só, não seja desprezível) e estabelecer uma ruptura efetiva com a política econômica de privilegiamento do grande capital monopolista levada ao extremo nos anos Bush.

Volcker deve ser lembrado como personagem-chave na deflagração da crise das dívidas externas latino-americanas quando, na direção do Federal Reserve, por meio de uma agressiva operação de elevação das taxas de juros, garantiu, com maestria, a transferência da maior parte das perdas causadas pelas crises do petróleo para cá, a periferia do capitalismo. Efetivamente, não foi possível na época – nem era esta a intenção básica – evitar o estabelecimento de um ambiente recessivo nos Estados Unidos, no entanto, os interesses e ganhos do setor financeiro daquele país foram habilmente defendidos.

Com a euforia imediata do momento pós-vitória eleitoral de Obama se dissolvendo, já é possível ouvir, com uma certa potência, as primeiras vozes indignadas - em meio à opinião pública democrata dos Estados Unidos - contra o possível “estelionato eleitoral” representado por Obama. Curiosamente, o tema relativo à possível frustração causada pela debilidade do mudancismo concreto da orientação política e econômica de Obama ficou ausente da grande mídia corporativa durante todo o processo de campanha eleitoral, mas, hoje, são os setores mais avançados da sociedade estadunidense que, incipientemente, começam a colocá-lo na arena de debates.

Nunca é demais lembrar a idéia de que a presente crise do capitalismo não trará automaticamente nenhuma solução progressista, ao contrário, a tendência principal é que o grande capital imponha às maiorias populares o ônus da crise. Isto tende a se manifestar em todas as latitudes, seja aqui com Lula ou lá com Obama, tanto em um caso como no outro é somente a vigilância cidadã e democrática que pode impedir que a direita saia fortalecida deste processo, ou seja, que avancemos em direção ao passado.

Carta aos leitores

Gostaria de me desculpar com os possíveis dois leitores deste blog pelo meu longo e tenebroso silêncio. Depois de uma poderosa gripe que me tirou de circulação e das turbulências causadas pelo fim do ano letivo a um professor mergulhado – quase literalmente – na frenética atividade de correção de provas, preenchimento de diários, etc, etc, volto à ativa esperando garantir novamente uma atividade mais freqüente na blogsfera. Um abraço a todos!

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Por uma esquerda do trabalho


É preciso compreender o atual período histórico como um desdobramento da grande inflexão na estratégia do grande capital internacional iniciada com a grande crise econômica dos anos 70. A partir desta crise a grande burguesia monopolista iniciou um processo mais ou menos gradual de ruptura com as suas antigas concepções dominantes que caminharia no sentido da afirmação daquilo que ficou conhecido posteriormente como neoliberalismo, como a concepção estratégica do grande capital frente aos desafios colocados pela crise internacional. Ronald Reagan, Margareth Thatcher e Pinochet foram os pioneiros na aplicação prática dos princípios da “revolução conservadora” do grande capital contra os pilares do “Estado de Bem-Estar Social”: direitos sociais universais e forte presença sindical e “trabalhista” na sociedade.

O estabelecimento do Consenso de Washington, anos depois, no contexto da restauração capitalista na ex-União Soviética e no leste europeu, fez do neoliberalismo a visão de mundo absoluta no universo burguês. Diante da força das trombetas ideológicas neoliberais anunciando o fim da história, o triunfo definitivo e eterno do capitalismo, e a “nova” moral suprema do homo economicus. A maior parte da esquerda mundial que ainda se mantinha no campo da luta de classe dos trabalhadores fugiu em debandada para se converter aos dogmas dos – momentaneamente – vitoriosos. Em busca de respeitabilidade no admirável novo mundo neoliberal, a maioria dos ex-militantes da esquerda do trabalho, passou a admitir os limites e as contradições do sistema e da ideologia burguesa como seu horizonte político e estratégico. Ao invés do materialismo dialético e histórico de Marx – supostamente algo em vias de se tornar peça de museu – foi adotado o keynesianismo, em economia, o relativismo culturalista, em teoria social, e o irracionalismo pós-modernista, em filosofia.

É importante registrar que a presente crise avassaladora que desponta na economia mundial é também uma crise ideológica que começa, já, a sacudir as certezas e convicções dos neoliberais puro-sangue e promete, em breve, colocar também em maus lençóis esta esquerda “pós-marxista” do capital. No atual momento, em que a humanidade se vê arrastada por mais uma violenta crise cíclica inerente à lógica do capitalismo, é preciso ajudar a reconstruir uma verdadeira esquerda do trabalho que seja capaz de fazer o grande capital, e não as maiorias populares, pagar pela crise.

sábado, 8 de novembro de 2008

Um novo Bretton Woods é possível?


Segue abaixo um dos últimos editoriais do portal eletrônico do PSTU redigido por Eduardo Almeida Neto, da direção nacional do partido. Escrito no início da semana – antes, portanto da vitória de Obama – o texto faz uma análise sucinta, mas precisa, do quadro encômico-político-social do mundo contemporâneo, no contexto da crise, e faz a crítica às propostas reformistas de saída para o quadro estabelecido, apontando a necessidade de uma orientação socialista para a superação da crise, e mais, da dinâmica de crises – cada vez mais profundas – às quais o capitalismo submete a humanidade. Excelente base para um debate na esquerda.



A nova utopia reacionária: um novo acordo de Bretton Woods é possível?


Em meio à crise, setores acreditam que empresas e governos imperialistas poderiam se unir para regular e reduzir seus lucros e criar uma ordem mundial e um capitalismo mais humanos
A crise econômica que está iniciando tem um conteúdo histórico. Já é claramente a mais grave do capitalismo desde 1929. Seu curso ainda não está claro. Pode levar a uma recessão importante, seguida de novos ciclos de crescimento com auges mais frágeis e crises mais graves. E pode levar também a uma depressão semelhante à de 1929.


De uma forma ou de outra, é uma crise com um profundo significado econômico, social, político e ideológico. A situação política está se modificando ao seu compasso. Um terremoto ideológico fez desmoronar o edifício montado pelo neoliberalismo. A propaganda capitalista da “morte do socialismo” está vindo abaixo.


Mas ainda não existe uma alternativa clara a vista, nem no movimento real das massas trabalhadoras nem em termos ideológicos. O stalinismo foi profundamente atingido pela crise do leste europeu, embora seus remanescentes (os Partidos Comunistas que restaram) possam tentar retomar algum espaço. O nacionalismo burguês, como Chávez, e os governos de frente popular do continente, como os de Lula e Evo Morales, apesar de alguns já não viverem mais o auge de seu prestígio, vão tentar se apresentar como alternativas.


Por este motivo, é necessário trazer para o debate as propostas que já estão circulando nestes círculos do reformismo de centro-esquerda. A mais importante delas é, sem dúvida, a de um novo Bretton Woods.


Essa é a proposta de Ignácio Ramonet, do Le Monde Diplomatique e um dos fundadores do Fórum Social Mundial. “Hoje o mundo tem de dotar-se de uma nova arquitetura financeira internacional, um novo Bretton Woods que inclua países como China, Índia, África do Sul, Brasil e México”, afirma Ramonet.


Essa também foi a conclusão da Conferência Internacional de Economia Política, patrocinada pelo chavismo e recentemente realizada em Caracas. A declaração dessa conferência afirma: “A necessidade de reconformar a arquitetura econômica e financeira internacional é hoje ineludível. Dentro de tal perspectiva se inscreve a necessidade de uma saída pós-capitalista, denominada pela Venezuela como Socialismo do Século XXI”.


A brutal crise que se inicia exige uma resposta. Exige a ruptura com o capitalismo. No entanto, os setores mais importantes do reformismo defendem o mesmo de sempre: um capitalismo mais humano, com uma nova arquitetura financeira.


Os regulacionistas


Existem correntes críticas ao FMI e ao neoliberalismo que apontam como alternativa um Estado capitalista com mais ênfase no investimento social. Esses setores, como Ramonet, se apóiam numa corrente de pensamento econômico: a regulacionista.


Essa corrente surgiu na França, na década de 1970, como tentativa de síntese do marxismo e da economia burguesa keynesiana. Afirma que é possível estabelecer regulações econômicas (internacionais, entre as empresas, a partir do Estado e na organização do trabalho) que permitam ao capitalismo evitar as crises e se humanizar. Segundo essa corrente, a crise atual é uma crise de regulação e não uma crise clássica de superprodução, agravada por um crack financeiro. Bastaria, portanto, encontrar as regulações certas e aplicá-las para sair da crise.


Mais uma utopia reacionária


Falar de um novo Bretton Woods significa reivindicar um novo acordo interimperialista que ponha ordem no caos criado pela crise econômica. Os reformistas do tipo Ramonet criaram o Fórum Social Mundial sob o lema “um outro mundo é possível”, dentro do capitalismo. Agora, seguem batendo na mesma tecla, com algo semelhante a “um outro Bretton Woods é possível”.


Acreditam em um acordo entre os países imperialistas, que crie um capitalismo mais humano, que inclua China, Brasil, Índia, México, África do Sul. A idéia é mais ou menos a seguinte: todos esses governos se sentam à mesa, negociam até chegar a um consenso para reordenar o mundo em benefício de todos.


A declaração da Conferência de Caracas tem o mesmo sentido: “Em escala global, deve se continuar com as demandas para uma profunda reforma do sistema monetário financeiro internacional, que implique a defesa das poupanças e a canalização das inversões para as necessidades prioritárias dos povos”. Esse novo Bretton Woods deveria também fazer com que o capitalismo invista mais em gastos sociais. Como afirma a declaração de Caracas: “Em um momento crítico como o atual, as políticas nacionais e regionais devem dar prioridade aos gastos sociais, e proteger os recursos naturais e produtivos. Os Estados devem introduzir medidas urgentes de regulação financeira para proteger a poupança, seguir impulsionando a produção e combater o perigo de descontrole através de imediatos controles de câmbio e de movimentos de capitais”. Trata-se de uma ideologia reformista, uma utopia reacionária. O capitalismo vai buscar sair de sua crise como sempre, pela via de descarregar seus custos sobre os trabalhadores e países semicoloniais e coloniais. Não existe forma de convencer as grandes empresas a reduzir seus lucros e “investir no social”, muito menos agora.


Como sempre, vão reduzir salários e demitir. Não há como convencer os governos imperialistas a não explorar os países dominados. Vão usar a crise para concentrar e centralizar ainda mais o capital, absorvendo empresas em crise nos países dominados, impondo a baixa no preço das matérias primas, cobrando os juros das dívidas.


Pensar algo diferente é deixar de entender o capitalismo como um sistema de produção voltado ao lucro. É acreditar que basta mudar regras e colocar gente mais humana nas empresas e no Estado para acabar com a injustiça. Só que a injustiça é parte do sistema capitalista.


Um novo Estado de bem estar social?


O período após a segunda guerra ficou conhecido como Estado de bem-estar social, no qual os trabalhadores passaram a ter aposentadorias, férias e 13º salário, entre outros. Mas nada disso veio de um capitalismo humano. Foram conquistas, frutos dos grandes processos revolucionários que sacudiram o mundo na esteira de segunda guerra. Naqueles dias, o poder esteve à beira de ser tomado pelos trabalhadores nos grandes países imperialistas da Europa – como França e Itália – e novos Estados operários surgiram, no leste europeu e na China. A aliança do imperialismo ao stalinismo protegeu o capitalismo dessa grande onda revolucionária. Mas foi necessário fazer concessões, como essas do Estado de bem-estar social.


Assim que foi possível, como em todo o período de globalização, essas conquistas passaram a ser atacadas pelos governos imperialistas, fossem de direita ou social-democratas. Hoje não existe nenhum sinal de que as grandes empresas, justo na crise atual, queiram voltar atrás. Esperar que governos como Brown, da Inglaterra, do PSOE, da Espanha, ou um possível Obama vão atacar os lucros das empresas é uma nova ilusão a ser vendida à classe trabalhadora. Estes são governos burgueses, que defendem os interesses da classe que representam. Basta ver a reação diante da crise, enchendo os bolsos dos banqueiros.


A relação entre os Estados imperialistasUm novo Bretton Woods é também reivindicado por governos imperialistas europeus como Sarkozy, da França. É significativo que os reformistas que defendem essa proposta ataquem duramente Bush, mas poupem o imperialismo europeu. No caso de Ramonet, existe um longo histórico de capitulações aos governos da social-democracia, ou seja, ao imperialismo europeu.


Todos esses reformistas cultivam também grandes expectativas na eleição de Obama. Esperam da União Européia uma alternativa social e que a derrota de Bush abra a possibilidade de as relações entre os países sejam definidas pela vontade de ajudar os povos, além de gentileza e amabilidade.


Isso não é possível na relação entre os países imperialistas e os dominados, como já vimos. Mas tampouco pode ser mudada com tranqüilidade entre os países imperialistas.


Bretton Woods foi possível pela hegemonia econômica e militar do imperialismo norte- americano. Hoje a realidade é muito mais contraditória. Pela primeira vez desde a segunda guerra, os EUA têm sua hegemonia econômica colocada em questão pela profundidade da crise e por ser o epicentro da própria crise. Mas não existe neste momento nenhuma outra potência que ameace realmente seu domínio. Nem a dividida Europa, e muito menos o Japão. Além disso, a superioridade militar norte-americana é brutal. Isso exclui a possibilidade de os imperialismos resolverem rivalidades com o recurso das duas guerras mundiais. Essa situação até agora permitiu que os EUA sigam se beneficiando de sua posição hegemônica mesmo sem ter a liderança econômica de antes.


O caráter cada vez mais parasitário dessa exploração é incrível: os EUA funcionam como uma imensa aspiradora da mais valia mundial, financiando seus gastos muito acima da capacidade de sua economia, com uma injeção de capital de três bilhões de dólares por dia. Outra expressão disso é que o dólar segue sendo a moeda mundial, apesar de toda a crise financeira. Até quando isso poderá seguir? Essa é uma resposta que não poderá ser dada pelos reformistas do novo Bretton Woods. O governo dos EUA – seja Obama, seja McCain – defenderá antes de mais nada os interesses de sua burguesia. Só a evolução da própria crise – e suas imprevisíveis conseqüências na luta de classes – poderá alterar o papel do dólar na economia e a relação entre os países.


Um exemplo pode ser a reunião dos governos imperialistas convocada para o 15 de novembro. É improvável que se consiga, ainda no início da crise, qualquer solução real para uma nova arquitetura financeira. Ao contrário do Bretton Woods original, a realidade não definiu os ganhadores e os perdedores. É preciso apontar um programa anticapitalistaA utopia reacionária de um novo Bretton Woods serve para os reformistas esconder que a única possibilidade de mudança real é a ruptura com o capitalismo. Durante a crise de 1929, a URSS (mesmo travada pela burocracia stalinista) crescia a taxas fantásticas.


As grandes crises políticas que surgirão da situação econômica que está se abrindo abrem a possibilidade de que o movimento de massas entre em uma trajetória anticapitalista.


Não existe nenhum esquema que assegure que crise econômica provoque ascensos revolucionários. Uma crise pode, ao contrário, trazer desalento e passividade. No entanto, abre-se também uma outra possibilidade, que não existiria em períodos de estabilidade econômica: o de grandes enfrentamentos na luta de classes, que podem levar a insurreições e revoluções. A esquerda terá um grande desafio: o de dotar esse movimento de um programa revolucionário, anticapitalista. Que parta das reivindicações mais sentidas pelos trabalhadores, como a luta contra as demissões, e avance para a expropriação dos bancos e das grandes empresas multinacionais e nacionais sob controle dos trabalhadores. Que defenda a ruptura com o imperialismo e seus organismos de dominação como o FMI e Banco Mundial e o não pagamento das dívidas públicas. Que coloque a planificação da economia para suprir as necessidades dos trabalhadores e da população e não de garantir os lucros de uma minoria ínfima de exploradores. Que aponte a perspectiva socialista como única saída de fato ao abismo a que o capitalismo está nos levando.


A utopia do “outro mundo possível” dentro do capitalismo já era reacionária no início dos anos 2000, quando foi criado o Fórum Social Mundial. Muito mais agora em que a brutal crise econômica que se inicia vai exigir um programa de ruptura com o capitalismo como uma necessidade imediata em muitos países.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O significado de Obama


Não há dúvidas de que vivemos nesta semana um momento profundamente histórico. A eleição de Barack Hussein Obama para a presidência dos Estados Unidos é um marco extremamente significativo na história daquele país e, com base em seu papel preponderante nas relações internacionais, com implicações importantes para o mundo.

Barack Obama, um homem negro com ascendência direta na cultura árabe da África oriental, ao chegar à presidência dos EUA, derrotando o candidato de George W. Bush e pondo fim à era dos neo-conservadores puro-sangue na Casa Branca, é a expressão de uma séria e grande transformação na sociedade estadunidense, fundamentalmente no que diz respeito ao aspecto cultural. Para quem acompanha com alguma atenção a história das lutas do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos e das agruras e sofrimentos da população afro-estadunidense naquele país, assistir o discurso de vitória de Obama diante de uma imensa multidão de eleitores extasiados foi bastante emocionante. No entanto, indo além do aspecto emocional e apelando à razão, torna-se importante deixar claras algumas questões.

Em primeiro lugar, é preciso estabelecer que a gravidade da crise econômica que afeta os EUA, a formação intelectual de Obama, forjada na Universidade de Chicago, a Meca do neoliberalismo, e a natureza da maior parte de seu corpo de conselheiros de economia e política externa (principalmente no que se refere ao Oriente Médio), não sugerem um horizonte de rupturas significativas no encaminhamento concreto da política interna e externa estadunidense, o que pode gerar bastante frustração popular a médio prazo.

Do ponto de vista da eficácia da intervenção internacional dos interesses corporativos estadunidenses, os novos tempos são promissores. O apoio ou a aceitação, no estrangeiro, da dominação econômica, política e estratégica dos EUA sobre o mundo volta, com Obama, a ser um posicionamento político-intelectual considerado relativamente avançado e sofisticado, o que havia deixado de ser sob a truculência Bush. No Brasil, os setores econômicos e políticos mais profundamente articulados com os interesses do imperialismo estadunidense devem voltar a gozar de um prestígio relativo e de uma maior “legitimidade” intelectual. Este é o novo caminho do combate das idéias.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Camarada Marighella: pesente!


Neste dia de hoje completam-se 39 anos desde que foi assassinado, em um ardil promovido pelas forças da repressão política da ditadura empresarial-militar que se impôs ao país de 1964 a 1985, Carlos Marighella, um dos mais importantes heróis do povo brasileiro do século XX. Marighella, independentemente das nossas divergências em relação ao método estratégico do foquismo adotado pela Ação Libertadora Nacional (ALN) sob a sua direção, soube expressar muito do que havia de melhor na esquerda brasileira no período.


Combatendo as forças sociais e políticas da reação, foi preso durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. Com a reabertura, foi eleito para a Assembléia Nacional Constituinte, desenvolvendo intensa atividade em defesa dos interesses da classe trabalhadora e contra a subordinação do Brasil ao imperialismo, no entanto, a vida pública legal durou pouco e em 1948 volta, junto com o PCB à clandestinidade, agora para o resto da vida.


De um ponto de vista político-estratégico, já desde o final dos anos 50 começa a estabelecer o seus pontos de ruptura em relação à ortodoxia estalinista do PCB, tal ruptura se aprofunda definitivamente em 1964 e em 1967, na conferência da OLAS ( Organização Latino-Americana de Solidariedade) em Havana – para a qual se dirige como dissidente, contra a direção do PCB -, passa a seguir um caminho separado do “partidão”. Marighella vai percebendo, de maneira cada vez mais clara, o equívoco do ultra-pragmatismo do PCB resultante do alinhamento imediato com o governo da URSS e sua linha de colaboração com as “burguesias nacionais”.


No último período de sua trajetória política, Marighella recusa a capitulação do PCB à ditadura, disfarçada sob o manto da pragmática “oposição legal” ao regime de exceção, e organiza a luta armada contra o governo, o capital e pelo socialismo. Miseravelmente, a maior parte da esquerda brasileira (e internacional) se encontrava (como se encontra) enredada em uma série de concepções teórico-político-estratégicas seriamente equivocadas que não podiam, de fato, apontar o caminho mais correto a ser trilhado no contexto de uma dura e prolongada luta contra as forças organizadas do capital naquele momento. A ALN não foi exceção e pereceu, mas Marighella e os demais companheiros tombados nesta luta, souberam escrever mais uma página de heroísmo na história das lutas do povo brasileiro, e sua bravura plantou as sementes das grandes lutas de massa que contribuíram para por fim à ditadura posteriormente.


Segue abaixo um poema escrito por Marighella que, além de expressar a sensibilidade do homem que soube se entregar por toda a vida pela causa da justiça, do progresso e da liberdade, ainda – entendo eu – serve como um epitáfio para o combatente e um símbolo de horadez legado às novas gerações de socialistas.



Liberdade


Não ficarei tão só no campo da arte,

e, ânimo firme, sobranceiro e forte,

tudo farei por ti para exaltar-te,

serenamente, alheio à própria sorte.


Para que eu possa um dia contemplar-te

dominadora, em férvido transporte,

direi que és bela e pura em toda parte,

por maior risco em que essa audácia importe.


Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,

que não exista força humana alguma

que esta paixão embriagadora dome.


E que eu por ti, se torturado for,

possa feliz, indiferente à dor,

morrer sorrindo a murmurar teu nome.

domingo, 2 de novembro de 2008

Campos e a criminalidade violenta


Divulgo abaixo a íntegra da entrevista conceida pelo autor destas linhas à jornalista Patrícia Bueno e que foi publicada na edição de hoje do Monitor Campista. A questão do aumento dos índices da criminalidade violenta na cidade de Campos é, de fato, uma que merece toda nossa atenção para que sejamos capazes, enquanto cidadão, de intervir de alguma forma na elaboração de saídas concretas para o problema


Monitor - Os números mostram o crescimento da violência na cidade. A que você atribui esse crescimento na cidade de Campos? Isso já era esperado?

O crescimento da violência em Campos segue a mesma lógica do crescimento da violência nas demais cidades grandes e médias do país. Na verdade, pode-se dizer que este aumento da criminalidade violenta é até mesmo relativamente tardio em Campos porque os determinantes fundamentais do processo de expansão da criminalidade violenta já estão consolidados aqui há bastante tempo. Um nível escandaloso de desigualdade sócio-econômica concentrada espacialmente, uma estagnação econômica que priva a maior parte dos jovens das camadas sociais mais empobrecidas de quaisquer perspectivas críveis de progresso social, e um esgarçamento do tecido social que promove um padrão ético-comportamental baseado naquilo que um importante sociólogo europeu chamou de “individualismo negativo”, são componentes básicos presentes na origem de todos os processos de intensificação da criminalidade violenta nas grandes e médias cidades do Brasil e do mundo.
Campos, tanto ou mais ainda que o Rio de Janeiro, é uma cidade explicitamente partida entre opulência extrema, de um lado, miséria absoluta, de outro, e uma franja de remediados no meio. Com um quadro social estabelecido, como este, é muito pouco realista esperar o desenvolvimento de uma “sociabilidade suíça” na cidade.

Você acha que a mídia tem sua parcela de contribuição neste quadro que vem se instalando? Ou apenas cumpre seu papel de informar?

Na verdade, como eu coloquei na questão anterior, os fundamentos do aumento da criminalidade violenta na cidade estão nas condições e estruturas sócio-econômicas do município. A mídia pode e deve cumprir um papel importante colocando na agenda de debates públicos a necessidade de superação do problema, combatendo suas causas efetivas. No entanto, a mídia também pode cumprir um papel negativo se, tal como em cidades como o Rio de Janeiro, assumir o papel de tribuna de defesa histérica de falsas soluções puramente repressivas que, pela sua natureza epidérmica, desviam o foco das atenções do centro do problema, agravando-o inclusive.

Na sua opinião, as pessoas já nascem com uma índole violenta ou tornam-se violentas de acordo com o ambiente em que vivem?


Este é um debate bastante intenso que envolve uma série de ciências: além da sociologia, problematizam esta questão a psicologia, a psiquiatria, a biologia e etc. No entanto, os avanços realizados pelas ciências sociais, ao longo de mais de um século, são capazes de sustentar a compreensão de que, ainda que existam predisposições inatas ao comportamento agressivo e violento, a forma de sua expressão concreta é determinada pelo conjunto da experiência de interação social dos indivíduos. Ou seja, uma “índole agressiva” pode produzir tanto um criminoso perigoso como um esportista de sucesso ou um arrojado homem de negócios na “selva” da concorrência capitalista. A maneira como uma suposta índole inata – admitindo sua efetividade – vai se expressar na conduta do indivíduo depende do conjunto das experiências deste indivíduo na sua interação com os demais na vida social.

A maioria das mortes por homicídio está ligada ao tráfico de drogas. Pensar em uma solução para este problema tão enraizado chega a ser utopia?


Esta questão certamente exige uma reflexão bastante racional por parte dos cidadãos porque, além de espinhosa, é cercada por uma névoa de tabus, meias-verdades e, diria mesmo, hipocrisia. A visão dominante de solução meramente repressiva ao tráfico de drogas, além de ser, ela sim, utópica, ajuda a contribuir também para o agravamento dos seus nefastos efeitos diretos e indiretos. Ao bloquear o debate público sobre a questão e institucionalizar a precariedade e um modus operandi de brutalidade e ilegalidade “legalizada” no aparato de segurança pública e de justiça, distanciando-os de qualquer possibilidade de controle público democrático, as políticas baseadas na concepção de “guerra contra o tráfico” tornam-se extremamente contraproducentes no que diz respeito aos seus objetivos declarados.
Não é possível promover uma discussão séria sobre soluções para problema do tráfico de drogas sem colocar sobre a mesa, entre outras questões, as condições sociais e econômicas que arrastam legiões de jovens das camadas mais empobrecidas da classe trabalhadora para o sub-emprego informal e marginal do narcotráfico, o controle das atividades de lavagem de dinheiro, e a corrupção endêmica na estrutura estatal, especialmente em países marcados por condições de subdesenvolvimento e com grave déficit democrático, como o Brasil.


Educação precária não é novidade em Campos, nem na capital. Para as pessoas mais pobres, falta oportunidade em todos os sentidos. Você que viveu a realidade dos morros cariocas quando desenvolvia um projeto social nas comunidades, acredita que as pessoas estão interessadas em crescer profissionalmente?


Enquanto vivi no Rio de Janeiro, lecionei e atuei como coordenador em alguns projetos de educação popular em algumas das maiores e mais conflagradas comunidades faveladas da cidade. Na maioria delas convivíamos de perto com a situação de sub-cidadania imposta àquelas populações, percebendo com clareza a natureza da desagregação social provocada pela falta de perspectivas de futuro para grande parte daquela juventude.
Dentro do contexto de um aprofundamento da segregação sócio-espacial causado pelo desemprego estrutural e massivo, outro lado da moeda do atual estágio de evolução (ou involução) do capitalismo tardio, é possível perceber um fenômeno de “guetificação” das favelas cariocas. Boa parte da juventude que vive nas comunidades faveladas experimenta uma sociabilidade restrita exclusivamente (ou quase exclusivamente) ao ambiente da favela, o que limita os horizontes de referência e de possibilidades dos jovens, confinando-os draconianamente no espaço degradado e estagnado das favelas com seu imenso repertório de carências.
Não é desejável alimentar falsas ilusões com relação à educação escolar. Se é verdade que um grande esforço educacional público é absolutamente indispensável para superar o atraso cultural no qual se encontra nosso país e abrir os caminhos para uma sociedade mais democrática e justa, por outro lado, não se pode pedir à escola aquilo que ela não pode fornecer. Certamente que uma escola pública de qualidade pode garantir às crianças e jovens uma compreensão clara a respeito do mundo natural e social à sua volta, o desenvolvimento de sua sensibilidade e a promoção de mais amplos horizontes existenciais mas, efetivamente, isto não é suficiente - apesar de ser necessário - para superar os nossos gravíssimos problemas sociais.

De quem é a culpa pela violência?


Deslocando a questão da culpa para a da responsabilidade, e entendendo a violência como criminalidade violenta, é possível, seguramente, responsabilizar por seus bárbaros efeitos aqueles setores sociais e políticos que trabalham, conscientemente ou não, pela reprodução da indecente desigualdade social imperante no país.

Diante da atual situação política e social da cidade, você acredita que a situação tende a piorar?


Sem que haja um esforço significativo no sentido de combater o desemprego crônico e a precariedade material que aflige a grande maioria da população da cidade, e sem uma expansão qualificada do poder público, garantindo os direitos básicos da cidadania à população campista, não é realista esperar um progresso no que diz respeito ao tema em questão.

Qual seria a solução para atacar o problema de frente? É lógico que as medidas não teriam resultado a curto prazo, mas há o que se fazer de imediato para que menos pessoas morram a cada dia vítimas da violência que atinge o interior do Estado?


É preciso superar a falsa polêmica que coloca em lados opostos os que compreendem que a origem e, portanto também, a solução para o problema da expansão da criminalidade violenta se encontra na questão social, e aqueles que reivindicam reformas nos aparatos e nas políticas de segurança pública. É verdade que a origem e a solução do problema se encontram ao nível das desigualdades sócio-econômicas, no entanto, isto não impede que se pense em reformas na segurança pública. Ao contrário, estas reformas precisam ser pensadas, planejadas e implementadas justamente tendo por base o conhecimento racional dos fundamentos sociais que determinam a lógica e a natureza da criminalidade violenta. Além do enfrentamento das raízes das desigualdades sociais é preciso que o governo encare a segurança pública com seriedade, garantindo condições salariais e de trabalho adequadas aos agentes, ampliando o número de efetivos e equipamentos e , principalmente, garantindo um controle público democrático sobre o planejamento, a elaboração de prioridades e diretrizes, e a atividade prática das forças de segurança do Estado