domingo, 7 de dezembro de 2008

Venezuela na encruzilhada: socialismo ou fascismo


As mais recentes eleições venezuelanas foram plenas de significado no que diz respeito ao que Gramsci definiu como “grande política”. Os resultados concretos do pleito demonstram a manutenção de um claro predomínio das forças políticas aliadas ao projeto bolivariano do presidente Hugo Chávez na sociedade venezuelana, mesmo depois de 10 anos de seu governo, o que, por si só, já é extremamente significativo. Dos 22 Estados, o PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) venceu em 17. Apesar da ampla hegemonia do campo bolivariano, a oposição, de conteúdo político francamente neoliberal e pró-imperialista, obteve algumas vitórias importantes nos estados de Zulia, Miranda, Tachira, Nueva Esparta e Carabobo (importantes pela densidade populacional e por seu peso na economia nacional), além, da mais destacada vitória, por seu caráter simbólico e surpreendente, na prefeitura metropolitana da capital Caracas.


O quadro que se desenha após a constatação destes resultados possui alguma complexidade que precisa ser analisada em sua concretude. Em primeiro lugar, a tônica da cobertura jornalística dos resultados eleitorais venezuelanos, realizada pelas grandes corporações midiáticas, atribuindo a vitória à oposição (como o fez as Organizações Globo, por exemplo), é desavergonhada e militantemente falsa. A hegemonia dos campos bolivariano e socialista – entendendo que os dois não são exatamente idênticos, mas que o segundo se constitui como a ala mais avançada do primeiro – vem se aprofundando e ganhando em conteúdo, o que não significa, por outro lado, que esteja consolidada de modo irreversível. Esta hegemonia está ganhando densidade, no sentido em que vai se distanciando da simples adesão carismática ao presidente Chávez e aprofundando o seu caráter de adesão a um determinado conjunto de valores e idéias amalgamadas no projeto político bolivariano-socialista. A comprovação desta tese se encontra no fato de que onde os candidatos chavistas, em geral buscando a reeleição, representavam a “boli-burguesia”, ou seja, os setores mais atrasados e corruptamente burocráticos do campo bolivariano, incapazes de desempenhar satisfatoriamente sua função governamental, foram inapelavelmente derrotados, mesmo com a ativa presença de Chávez em suas campanhas.


Outro aspecto importante a ser destacado no que tange a estas eleições diz respeito à contradição entre o aparente progresso da oposição de direita e o aprofundamento reacionário de seu conteúdo. A polarização política e social na Venezuela atual não expressa nada mais, nada menos, do que a clássica contradição entre os interesses e necessidades de classe, como já estabelecido por Marx e Engels há mais de 150 anos. Os setores mais reacionários da sociedade venezuelana, dirigidos pelo grande capital, em especial, por aquele bloco mais associado ao capital estrangeiro, estão participando no processo eleitoral e assumindo formas “democráticas” dentro do contexto de uma reorientação tática no sentido de garantir a acumulação de forças para impor à sociedade venezuelana como um todo, um projeto político de corte nitidamente anti-democrático, diria mesmo, fascistizante. Se é verdade que, por um lado, existe uma preocupante tendência bonapartista expressa em alguns dos últimos movimentos de Chávez e da cúpula de seu governo, por outro lado, isto não deve levar à ingênua conclusão de que o radicalismo direitista e anti-popular da oposição é um mero reflexo de tais tendências e que uma desmobilização da “sociedade civil popular” e uma guinada no sentido das formas assépticas e atomizantes da fria democracia parlamentar e seus estatutos atentatórios às plenas liberdades democráticas das massas populares, conduziria a uma “pacificação social” que permitiria o avanço tranqüilo do projeto bolivariano-socialista pelos caminhos da democracia capitalista.


Não deve haver dúvidas de que os setores políticos reacionários que se encontram na oposição ao governo de Chávez são os mesmo que patrocinaram, planejaram, articularam e empreenderam o golpe de Estado de 2002 que, além de derrubar o governo e manter o democraticamente eleito presidente da república em cárcere ilegal, ainda ceifou a vida de muitos cidadãos venezuelanos. Não são setores democráticos em luta contra o suposto autoritarismo de Chávez, são, isto sim, setores agressivamente reacionários, anti-populares e anti-democráticos amparados e parcialmente financiados pelo governo dos Estados Unidos que, nas últimas semanas têm deixado muito clara, mais uma vez, a essência de seu projeto político. Além do assassinato de três importantes dirigentes sindicais da UNT na região de Aragua, ainda não solucionado, várias ações para-militares têm sido empreendidas contra missões sociais, médicos cubanos, estudantes, entre outros membros dos programas sociais do governo nacional, nos Estados onde venceu a oposição de direita. Como já afirmou Lênin, no início do século XX, quando as massas populares tornam-se capazes de expressar suas efetivas demandas e exigir uma participação real na determinação dos rumos da política, as sacralizadas formas da democracia meramente parlamentar esfarelam-se no ar, e as sociedades se encontram diante do clássico e inevitável dilema: socialismo ou fascismo, ou seja, aprofundamento da vitória dos interesses populares ou sua esmagadora derrota e liquidação pelas mãos da reação triunfante. Este é o quadro atual na Venezuela e se o governo bolivariano não for efetivamente capaz de avançar no sentido de aprofundar o controle público e democrático sobre as diversas instâncias da vida social (política, economia, etc), o que se prepara é o avanço das forças reacionárias da oposição e seus métodos fascistas.

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