Gostaria de aplaudir a iniciativa da professor Hilda Helena no sentido de impulsionar a campanha pela eleição direta para diretores de escola (campanha a qual eu me somo imediatamente), assim como gostaria de saudar também a iniciativa de meu amigo Xacal de promover esta discussão sobre a política educacional anunciada pela futura secretaria municipal de educação.
É importante deixar claro que a defesa da eleição direta para diretor de escola (como efetivação do princípio legal da gestão democrática da escola) está profundamente ligada à crítica a política de aprovação automática ou de “eliminação adiada” dos educandos das classes populares. A gestão democrática da escola, com os gestores escolares prestando conta de sua atividade à comunidade escolar e não aos seus chefes políticos deve ser entendida como uma bandeira central na luta de professores, estudantes e famílias contra o processo de precarização e desqualificação da educação escolar pública em nosso país.
Abaixo segue trecho de um excelente artigo recentemente redigido pelo professor Luiz Carlos de Freitas da Unicamp, no qual elabora uma profunda e precisa análise do projeto político-social que se esconde por trás da lógica das políticas educacionais de aprovação automática, responsabilização e etc.
Eliminação adiada: o ocaso das classes populares no interior da escola e a ocultação da (má) qualidade do ensino
(...)
Boa parte dos problemas que estamos enfrentando com a educação básica nacional advém do próprio formato ideológico do projeto liberal hegemônico, agora “sob nova direção”: ele reduz qualidade a acesso – supostamente como uma primeira etapa da universalização. Mas, antes de ser uma etapa em direção à qualidade plena da escola pública, é um limite ideológico, como bem aponta Alavarse (2007). .
Os liberais admitem a igualdade de acesso, mas como têm uma ideologia baseada na meritocracia, no empreendedorismo pessoal, não podem conviver com a igualdade de resultados sem competição. Falam de igualdade de oportunidades, não de resultados. Para eles, os resultados dependem de esforço pessoal, uma variável interveniente que se distribui de forma “naturalmente” desigual na população, e que deve ser uma retribuição ao acesso permitido. Eles não podem aceitar que uma espécie de “acumulação primitiva” (Marx) ou um ethos (Bourdieu) cultural sequer interfira com a obtenção dos resultados do aluno. Se aceitassem, teriam de admitir as desigualdades sociais que eles mesmos (os liberais) produzem na sociedade e que entram pela porta da escola. Isso faz com que a tão propalada eqüidade liberal fique, apesar dos discursos, limitada ao acesso ou ao combate dos índices de reprovação. Como a progressão continuada já demonstrou, ausência de reprovação não é sinônimo de aprendizagem e qualidade (Cf. Bertagna, 2003).
Como analisamos em outro artigo (Freitas, 2002), esta postura tende a postergar os problemas políticos, econômicos e sociais que o liberalismo enfrenta com sua política econômico-social, mas não resolve o problema da universalização da qualidade da educação básica. Há hoje um grande contingente de alunos procedentes das camadas populares que vivem o seu ocaso no interior das escolas, desacreditados nas salas de aula ou relegados a programas de recuperação, aceleração, progressão continuada e/ou automática, educação de jovens e adultos, pseudo-escolas de tempo integral, cuja eliminação da escola foi suspensa ou adiada e aguardam sua eliminação definitiva na passagem entre ciclos ou conjunto de séries, quando então saem das estatísticas de reprovação, ou em algum momento de sua vida escolar onde a estatística seja mais confortável.
A Prova Brasil e os usos previstos para ela (acesso à avaliação de cada escola via internet, por exemplo), como forma de responsabilização, poderiam fazer parte de qualquer programa liberal (do Partido Democrata brasileiro até o Partido Republicano de Bush, para não falar da dobradinha Thatcher/Blair). Trabalham dentro da perspectiva de que “responsabilizar a escola”, expondo à sociedade seus resultados, irá melhorar a qualidade do ensino. A idéia completa dos republicanos de Bush (iniciada com Reagan) ou dos conservadores de Thatcher implica, no momento seguinte à divulgação dos resultados por escola, transformar o serviço público em mercado (ou mais precisamente em um quase-mercado), deslocando o dinheiro diretamente para os pais, os quais escolhem as melhores escolas a partir da divulgação desses resultados, de preferência estando as escolas sobre administração privada. É a política dos “vouchers”, que dá o dinheiro aos pais e não à escola. Paralelamente, tende a criar um mercado educacional para atender ao fracasso escolar. No Brasil já se criou o mecanismo para iniciar a privatização: Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) que podem administrar escolas antes públicas. Para os liberais, a ação do mercado forçaria à elevação da qualidade de ensino.
Todas estas ações encobrem o pano de fundo mencionado antes: nossa sociedade produz tamanha desigualdade social que as instituições que nela funcionam, se nenhuma ação contrária for adotada, acabam por traduzir tais desigualdades como princípio e meio de seu funcionamento (Bourdieu & Passeron, 1975; Baudelot & Establet, 1986). Todos concordamos em que isso não é desejável, mas meras políticas de eqüidade apenas tendem a ocultar o problema central: a desigualdade socioeconômica. Não é sem razão que os melhores desempenhos escolares estão nas camadas com melhor nível socioeconômico, brancas (Cf. Miranda, 2006, entre outros estudos disponíveis). Isso não significa que todas as escolas não tenham de ser eficazes em sua ação. Muito menos que as escolas que atendem à pobreza estejam desculpadas por não ensinarem, já que têm alunos com mais dificuldades para acompanhar os afazeres da escola. Ao contrário, delas se espera mais competência ainda. Mas os meios e as formas de se obter essa qualidade não serão efetivos entregando as escolas à lógica mercadológica. A questão é um pouco mais complexa.
Deixada à lógica do mercado, o resultado esperado será a institucionalização de escola para ricos e escola para pobres (da mesma maneira que temos celulares para ricos e para pobres). As primeiras canalizarão os melhores desempenhos, as últimas ficarão com os piores desempenhos. As primeiras continuarão sendo as melhores, as últimas continuarão sendo as piores. Mas o sistema terá criado um corredor para atender as classes mais bem posicionadas socialmente, o que será, é claro, atribuído ao mérito pessoal dos alunos e aos profissionais da escola.
(...)
Ìntegra do texto: http://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a1628100.pdf
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Boa parte dos problemas que estamos enfrentando com a educação básica nacional advém do próprio formato ideológico do projeto liberal hegemônico, agora “sob nova direção”: ele reduz qualidade a acesso – supostamente como uma primeira etapa da universalização. Mas, antes de ser uma etapa em direção à qualidade plena da escola pública, é um limite ideológico, como bem aponta Alavarse (2007). .
Os liberais admitem a igualdade de acesso, mas como têm uma ideologia baseada na meritocracia, no empreendedorismo pessoal, não podem conviver com a igualdade de resultados sem competição. Falam de igualdade de oportunidades, não de resultados. Para eles, os resultados dependem de esforço pessoal, uma variável interveniente que se distribui de forma “naturalmente” desigual na população, e que deve ser uma retribuição ao acesso permitido. Eles não podem aceitar que uma espécie de “acumulação primitiva” (Marx) ou um ethos (Bourdieu) cultural sequer interfira com a obtenção dos resultados do aluno. Se aceitassem, teriam de admitir as desigualdades sociais que eles mesmos (os liberais) produzem na sociedade e que entram pela porta da escola. Isso faz com que a tão propalada eqüidade liberal fique, apesar dos discursos, limitada ao acesso ou ao combate dos índices de reprovação. Como a progressão continuada já demonstrou, ausência de reprovação não é sinônimo de aprendizagem e qualidade (Cf. Bertagna, 2003).
Como analisamos em outro artigo (Freitas, 2002), esta postura tende a postergar os problemas políticos, econômicos e sociais que o liberalismo enfrenta com sua política econômico-social, mas não resolve o problema da universalização da qualidade da educação básica. Há hoje um grande contingente de alunos procedentes das camadas populares que vivem o seu ocaso no interior das escolas, desacreditados nas salas de aula ou relegados a programas de recuperação, aceleração, progressão continuada e/ou automática, educação de jovens e adultos, pseudo-escolas de tempo integral, cuja eliminação da escola foi suspensa ou adiada e aguardam sua eliminação definitiva na passagem entre ciclos ou conjunto de séries, quando então saem das estatísticas de reprovação, ou em algum momento de sua vida escolar onde a estatística seja mais confortável.
A Prova Brasil e os usos previstos para ela (acesso à avaliação de cada escola via internet, por exemplo), como forma de responsabilização, poderiam fazer parte de qualquer programa liberal (do Partido Democrata brasileiro até o Partido Republicano de Bush, para não falar da dobradinha Thatcher/Blair). Trabalham dentro da perspectiva de que “responsabilizar a escola”, expondo à sociedade seus resultados, irá melhorar a qualidade do ensino. A idéia completa dos republicanos de Bush (iniciada com Reagan) ou dos conservadores de Thatcher implica, no momento seguinte à divulgação dos resultados por escola, transformar o serviço público em mercado (ou mais precisamente em um quase-mercado), deslocando o dinheiro diretamente para os pais, os quais escolhem as melhores escolas a partir da divulgação desses resultados, de preferência estando as escolas sobre administração privada. É a política dos “vouchers”, que dá o dinheiro aos pais e não à escola. Paralelamente, tende a criar um mercado educacional para atender ao fracasso escolar. No Brasil já se criou o mecanismo para iniciar a privatização: Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) que podem administrar escolas antes públicas. Para os liberais, a ação do mercado forçaria à elevação da qualidade de ensino.
Todas estas ações encobrem o pano de fundo mencionado antes: nossa sociedade produz tamanha desigualdade social que as instituições que nela funcionam, se nenhuma ação contrária for adotada, acabam por traduzir tais desigualdades como princípio e meio de seu funcionamento (Bourdieu & Passeron, 1975; Baudelot & Establet, 1986). Todos concordamos em que isso não é desejável, mas meras políticas de eqüidade apenas tendem a ocultar o problema central: a desigualdade socioeconômica. Não é sem razão que os melhores desempenhos escolares estão nas camadas com melhor nível socioeconômico, brancas (Cf. Miranda, 2006, entre outros estudos disponíveis). Isso não significa que todas as escolas não tenham de ser eficazes em sua ação. Muito menos que as escolas que atendem à pobreza estejam desculpadas por não ensinarem, já que têm alunos com mais dificuldades para acompanhar os afazeres da escola. Ao contrário, delas se espera mais competência ainda. Mas os meios e as formas de se obter essa qualidade não serão efetivos entregando as escolas à lógica mercadológica. A questão é um pouco mais complexa.
Deixada à lógica do mercado, o resultado esperado será a institucionalização de escola para ricos e escola para pobres (da mesma maneira que temos celulares para ricos e para pobres). As primeiras canalizarão os melhores desempenhos, as últimas ficarão com os piores desempenhos. As primeiras continuarão sendo as melhores, as últimas continuarão sendo as piores. Mas o sistema terá criado um corredor para atender as classes mais bem posicionadas socialmente, o que será, é claro, atribuído ao mérito pessoal dos alunos e aos profissionais da escola.
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Ìntegra do texto: http://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a1628100.pdf
Um comentário:
Querido:
Muito bom o seu posicionamento!Amei!É um prazer ver você na luta!Com certeza o debate sobre a educação pública passou ser uma necessidade da classe!!
Abraço!
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