O debate público local, referente não à “pequena política” dos gestos e contra-gestos da facção política no poder, mas sim à “grande política” da formulação de alternativas, avançou de forma interessante na última semana e, sendo assim, gostaria de tomar parte na discussão.
A crônica crise política municipal em Campos dos Goytacazes foi capaz de produzir, como reação, a dinamização da blogsfera, que, aliás, precisa ser avaliada em toda a sua dimensão e em todo seu potencial concreto de mobilização da opinião pública, seja diretamente, seja indiretamente através dos “formadores de opinião”.
Neste contexto, a elaboração de alternativas políticas à crise instalada a nível local, tem passado, como não poderia deixar de ser, pelo crivo da experiência política concreta dos principais atores da blogsfera campista, majoritariamente ligados de forma mais ou menos direta ao PT.
Em função disto, o debate sobre a construção de uma alternativa política à atual situação do município, tem se manifestado na maior parte dos principais blogs da cidade como um debate relativo à necessidade de promover uma regeneração do PT de modo a que possa cumprir o papel de centro aglutinador de todos aqueles desejosos de uma mudança progressiva no quadro atual. É neste ponto que gostaria de fazer algumas considerações.
Em primeiro lugar quero deixar claro que entendo que a dimensão local da política não pode – porque não é realista – e não deve – porque não é progressista – ser tomada em consideração fora de seu objetivo contexto mais amplo, que vai do nacional ao global. Desta forma, qualquer avaliação sobre a pertinência de elevar a reconstrução do PT à posição de bandeira dos defensores do progresso social em Campos, deve incorporar uma lógica que vincule o local com o nacional, pelo menos.
Quero colocar minha posição de discordância em relação ao projeto de reconstrução do PT porque entendo que este partido, ao longo de sua trajetória histórica, acabou por tornar-se incapaz de se manter na vanguarda dos interesses progressistas da sociedade brasileira. Como resultado de seu processo de adaptação à ordem (não apenas aos limites da ordem política estabelecida, mas também, por exemplo, à lógica financista incorporada pelos dirigentes dos fundos de pensão) o PT acabou por incorporar na sua concepção política, para além de sua prática imediata, os funestos e nefastos pressupostos do liberalismo.
A aceitação da dogmática liberal em relação à democracia representativa fez do PT um refém das teorias da “governabilidade” que limitaram seu horizonte tático às inevitáveis negociatas nos degenerados parlamentos, expressão maior, em sua concretude atual, da incompatibilidade entre o ideal democrático e uma brutal desigualdade social em todos os níveis. A defesa de uma democracia que vá além dos cínicos limites formalistas impostos pelo grande capital e por toda sorte de fisiologismos é um pressuposto básico para qualquer alternativa política progressista no país.
Para além da concepção de democracia, a conversão teórica do PT ao liberalismo também inclui a incorporação de sua noção de política social. No pensamento político liberal de origem anglo-saxã, política social é um conceito que tende a ser limitado às políticas compensatórias dirigidas aos setores sociais na fronteira da indigência. A concepção social-democrata de política social, por outro lado, aquela dos países da Europa continental, está ligada à noção de universalismo de serviços públicos como saúde, educação, moradia, transporte, etc.
Ao incorporar a concepção liberal estadunidense de política social o PT acabou por fazer frente com todos aqueles que defendem uma proposta “flexível” (leia-se mercantil) de fornecimento dos serviços públicos básicos, e, ao mesmo tempo, perdeu a capacidade de fazer a crítica ao efetivo clientelismo expresso, não na idéia, mas na concretude da aplicação da maior parte das políticas compensatórias contra a pobreza extrema no Brasil. A noção de uma política social como expressão da universalização de serviços públicos fornecidos por fora da esfera mercantil é um postulado essencial para qualquer força política que se pretenda alternativa ao lamentável quadro político estabelecido no país, e isto inclui Campos.
sábado, 14 de fevereiro de 2009
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6 comentários:
Caro Maycon, meus respeitos...
Primeiro gostaria de iniciar nossa discussão por uma premissa, que vc por pressa esqueceu:
pt e governo são coisas diferentes, então, quando vc fala da incorporação de pressupostos liberais econômicos pelo pt, não está correto, pois bem sabem que a unicidade ideológica não tem espaço em um partido onde as tendências e a democracia interna (ainda)persistem...
como governo, a parte do pt que lá está talvez seja merecedora das críticas que vc publica...talvez tenham sub-valorizado o capital político que acumularam até agora, talvez não...
o que sei é que esse país é um emaranhado de interesses oligárquicos e elitistas, que se espalham e entranham na vida social como hegemônicos, em um processo de 500 anos...me parece injusto o companheiro cobrar um "ruptura" institucional em 08, sem grandes solavancos estruturais...
aqui fica demarcado uma grande distinção entre nós: não sou um revolucionário...não mais...! não creio no poder "libertador" da revolução...
agora falemos em gestos:
esse governo é o que mais aumentou o número de vagas ao ensino superior, com a abertura de várias universidades(o que não acontecia há décadas), e com o acesso a programa de bolsas...
o maior programa de inclusão social e distribuição de renda da história no mundo(maior que a do México), com a migração de mais de 20 milhões de pessoas da linha abaixo da miséria para as classes C...
melhoria em todos os índices e indicadores sociais: desde os sanitários até os econômicos...
mesmo assim, com tamanha popularidade, o presidente fortalece a democracia(talvez aí esteja o cerne de sua crítica), ou pelo menos sua visão de democracia...
mesmo com tanto capital político, forças antagônicas ainda permanecem agregadas ao espectro institucional, fazendo o papel que lhes cabem: combater politicamente e institucionalmente o governo...
bem diferente das cisões e rachas intransponíveis que temos em países vizinhos...mesmo que encaremos as diferenças gigantescas entre esses países, não há como negar que a luta por hegemonia na AL tem traços comuns entre todos...
creio que ficaremos sempre nesse debate(animador e profícuo) entre o possível e o desejável...
um abraço...
tademenXacal, meu amigo, é um prazer receber seus apontamentos por aqui. Vamos ao debate.
Em primeiro lugar, realmente é importante estar claro, como você deixou, que há uma diferença entre nós que não é sem importância e que diz respeito ao nosso horizonte estratégico na política.
No entanto, é bom esclarecer que a adesão a uma concepção revolucionária não nasce de uma preferência ou afinidade subjetiva, mas da compreensão da necessidade de superar os impasses colocados na sociedade contemporânea (nacional e global)indo para além do capital, transitando ao socialimo, para usar uma terminologia mais clássica.
Um outro ponto importante diz respeito ao fato de que eu estou longe de figurar entre aqueles que são incapazes de perceber a diferença entre a gestão Lula e a gestão tucana no governo federal.
Enquanto os tucanos representam o neoliberalismo puro-sangue ortodoxo e dogmático, o governo Lula representa um projeto novo-desenvolvimentista (em si mesmo, menos ousado que o nacional-desenvolvimentismo clássico)constrangido pelo arcabouço de pressupostos neoliberais, principalmente, mas não exclusivamente, na política monetária. Entendo que o governo Lula perde apenas para o governo que abriu mão de se tornar.
Quanto ao liberalismo do PT, encarnado em alguns de seus pressupostos políticos fundamentais (defendidos por todas as principais correntes políticas internas com poder de decisão hoje no partido), compreendo que é uma realidade concreta que não dá mostras de estar em vias de superação, pelo menos não no atual momento. Alguns importantes intelectuais, como Chico de Oliveira, afirmam que estão na torcida para que haja esta inflexão que, no entanto, não dá mostras de estar sendo gestada. O que afirmo, meu caro amigo, é que enquanto o PT mantiver sua orientação estratégico-tática limitada pelos pressupostos políticos do liberalismo, não poderá voltar a ser uma alternativa política efetiva no quadro brasileiro.
Respeito sua posição, mas ainda lhe cobro um ponto que me pareceu fundamental:
vc não fez a distinção por mim reivindicada entre governo e pt...
é preciso definir antes essa premissa,para então sabermos e discutirmos até onde quem influencia(e quanto) o quê...
se não vai ficar parecendo mero artifício retórico para demarcar campo político, e sei(ou torço) para que essa não tenha sido a única intenção, embora a entenda também como legítima...
um abraço...
PS: quando fala da adesão ou não a um projeto revolucionário como uma "conseqüência" de pressupostos materiais e objetivos, vc, meu caro maycon, creio que sem intenção, coloca minha escolha de militar em outro campo como escolha "subjetiva", o que de certa forma lhe reveste sua opção com a "inevitabilidade da verdade científica", e nos resume a "uma questão de fé"...
Nem uma coisa, nem outra...nossas escolhas políticas obedecem, igualmente a escolhas baseadas em nossos valores(aí reside a subjetividade) e orientada pela nossa cognição das estruturas pré-estabelecidas...em quem, ou quando uma das condições prevalece sobre a outra é outro papo...
Xacal, meu caro, certamente que não é possível identificar o governo Lula e o PT mas, por outro lado, em função da necessidade de promover a defesa do governo, o PT aprofundou um processo de adequação à ordem estabelecida que já havia sido, incluisive iniciada bem antes. Se não fosse assim, como poderíamos compreender o consenso mínimo estabelecido entre as correntes politicamente relevantes do partido no que se refere às avaliações do governo Lula. Por outro lado, poderíamos também pensar que o rumo assumido pelo governo Lula (apoiado de fato na estrutura do PT)teria sido uma ruptura radical com os pressupostos políticos deste partido, o que não o foi. De mais a mais eu me referi fundamentalmente a incorporação pelo PT dos pressupostos POLÍTICOS do liberalismo (não enfatizei o aspecto econômico neste artigo), e esta incorporação é bem anterior a 2003.
Deixe-me aproveitar a ocasião para esclarecer uma outra questão que deve ter ficado mal explicada. Eu não afirmei que minha adesão a um projeto revolucionário era decorrência de uma qualquer maior determinação objetiva, o que afirmei é que ela deriva da compreensão de que é necessário superar os impasses contemporâneos rompendo com os limites impostos pelo capital, apontando no sentido da construção do socialismo, e sendo assim, não tendo nenhuma razão para crer em uma transição pacífica e indolor do capitalismo ao socialismo, defendo a via da ruptura (ou superação) dos marcos e limites institucionais do Estado capitalista, radicalizando a democracia para além dos limites burgueses.
Grande abraço!
Mas quem disse que essa transição é indolor...o que não acho que exista mais é a possibilidade de um movimento de ruptura institucional nos moldes dos que obtiveram sucesso no século passado...
Mas a situação de Iraque, Afeganistão, Somália, Saraievo, Palestina e dos morros cariocas, bem como do México, dentre outros, nos mostram que permanecem os pressupostos violentos dos enfrentamentos de classe, mesmo que à primeira vista estes confrontos não aparentem esses contornos ideológicos...
O que mudou foi a forma de combate dessas disputas, a complexidade dos ambientes sociais onde elas se travam, a interligação proporcionada pelas possibilidades tecnológicas e disseminação dos discursos, etc, etc...
Não há mais assalto ao Palácio de Inverno, meu caro...e creia-me: isso tornou a tarefa bem mais difícil, e boa parte da esquerda, e eu aí me incluo, não conseguiu definir bem seu papel nesse cenário...
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