quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O PT, o liberalismo e o poder público II


O recente debate que foi retomado a nível local em referência ao projeto de reconstrução do PT campista começa a dar frutos bastante interessantes, nem mesmo que seja relativamente ao aprofundamento do debate político de fundo nas searas campistas. Em um artigo recente, coloquei publicamente minha posição, que agora reitero, de não estar a favor da campanha de reconstrução do PT como meta tático-estratégica no sentido da construção de uma alternativa política progressista no âmbito municipal. Minha posição eu explico em função de dois argumentos principais que detalharei abaixo.

Em primeiro lugar, entendo que o PT se tornou incapaz de representar as necessidades da maioria da sociedade brasileira, ao abandonar definitivamente um projeto político progressista, democrático e popular, pela incorporação de pressupostos liberais, encarados como naturais ou universais, no âmbito de sua concepção de prática política e de gestão pública. Como afirmei em outro artigo, mesmo antes do governo Lula – em cuja defesa o PT caminhou mais ainda para uma adequação à ordem político-social vigente – o PT já havia tornado seus os princípios políticos do liberalismo e a renúncia a qualquer superação do ordenamento social imposto não apenas pelo capital em geral, mas pelo capital em sua forma contemporânea de consolidação, dirigido pelas exigências do setor financeiro.

Os principais porta-vozes petistas, dos setores mais honestos do partido, seja a nível nacional ou local, se lançam na defesa do governo Lula afirmando que não se pode cobrar de um governo que em oito anos reverta a trajetória histórica construída no país em 500 anos, a lógica deste argumento, apesar de persuasiva está, no entanto, equivocada. O que os setores da esquerda socialista, entre os quais me incluo, exigem do governo não é romper com 500 anos de história, mas com os 10 anos anteriores, de reorientação neoliberal da sociedade brasileira, ela mesma, uma ruptura profunda com o fecundo período anterior de largas conquistas populares, inclusive, expressas na constituição de 1988.

O maior problema em relação ao PT diz respeito ao fato de que no processo de defesa do governo Lula, incorporou como seus, além dos pressupostos políticos liberais, e de uma concepção geral baseada na inevitabilidade da supremacia da arbitragem financeira nacional e internacional, na definição da política econômica, também a funesta perspectiva neoliberal no tocante à política social. Para fugir do senso comum e do debate puramente ideológico, é importante esclarecer os seus termos.

O neoliberalismo, na prática, não é a eliminação completa da proteção social estatal, mas sim o combate ao modelo social-democrata de proteção social (não-mercantil, universalista e distribuidor de renda) e a apologia ao modelo estadunidense, baseado na mercantilização dos serviços públicos, na negação do universalismo e na focalização na extrema pobreza, o que traz como conseqüência, concentração de renda. A ênfase lulista no Bolsa Família às custas da precarização de serviços como saúde e educação, não deixa dúvidas com relação à adesão do governo Lula à concepção neoliberal (estadunidense) de política social.

É importante, neste momento em que o debate político local, principalmente em torno do PT, vai ganhando fôlego, não perder de vista as relações reais, de responsabilidade, que existem entre o partido e o governo Lula, sua principal base de referência. Uma das áreas do governo em que fica mais evidente a relação de sintonia entre PT e Lula é a educação. O ministro Fernando Haddad, não só é um importante quadro político do PT, como foi celebrado por grande parte do partido, até a algum tempo atrás, como um excelente nome à sucessão de Lula. É aqui que reside justamente o problema, porque o ministério da educação, ao lado do Banco Central, pode ser considerado um dos baluartes mais importantes da concepção de mundo neoliberal no governo.

O PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) elaborado pelo ministério da educação sob a direção de Haddad, traz em si o que há de mais avant-garde em política educacional neoliberal: a noção de responsabilização (ou, no original em inglês, accountability). A política de responsabilização, incorporada no PDE, se baseia no pressuposto de que a crise educacional tem sua origem na questão da gestão e não na questão do financiamento. Ou seja, não faltaria dinheiro, faltaria uma boa aplicação do dinheiro disponível. Este primeiro pressuposto é repugnantemente falso no Brasil, onde pouco mais de 3% do PIB é aplicado em educação, enquanto que em países como os EUA e os países europeus, este percentual gira em torno dos 10%.

Os promotores da política de responsabilização entendem que para resolver a crise educacional (que seria, exclusivamente, uma crise de gestão) é necessário promover a competição entre as unidades educacionais pelos recursos do governo. Aqui, o poder público abre mão da responsabilidade pela política educacional, tornando-se um mero avaliador, e transfere toda a responsabilidade pela educação aos profissionais do ensino que devem, por isto, receber prêmios ou punições pelos resultados de suas respectivas unidades escolares. Não há nenhuma crítica significativa oriunda das fileiras do PT a esta nefasta concepção de política educacional incorporada no PDE do ministro Haddad. Haveria alguma diferença entre PT e governo com relação ao tema? Com a palavra, os companheiros...

A política de responsabilização, que se expandiu internacionalmente a partir da iniciativa do governo Bush nos Estados Unidos, é a expressão maior da visão de mundo dos setores financeiros aplicada à política educacional. A idéia da “boa governança corporativa” e da arbitragem financeira, dois pilares da concepção financeira de mundo social, resumem-se, basicamente e respectivamente, às noções de que as empresas devem estar subordinadas diretamente aos interesses e ao controle dos acionistas (contra os dirigentes executivos e trabalhadores) e de que empresas e governos tornam-se mais eficientes e racionais quando subjugados às demandas e exigências impostas pelos livres fluxos de capital financeiro.

Ora, a política de responsabilização não é outra coisa senão a transferência para a política educacional dos pressupostos da “boa governança corporativa” e da arbitragem financeira desenvolvida pelos financistas internacionais. Ao se transferir tais pressupostos, em si mesmos reacionários, à política educacional, os seus resultados tendem a ser absolutamente catastróficos porque faz perder completamente de vista o que é de fato a educação, não uma mercadoria disponibilizada aos “clientes” em função dos fluxos imponderáveis da competição mercantil, mas sim um direito inalienável de todas as pessoas, fundamento indispensável de uma sociedade que se quer democrática.

Ao lado da política de responsabilização expressa no PDE, outro elemento da política educacional levada adiante pelo MEC de Fernando Haddad que se encontra afinado com o que de há de mais “up to date” no pensamento neoliberal é o Pro-Uni, o programa que disponibiliza bolsas de estudo em faculdades e universidades privadas para estudantes de baixa renda. O Pro-Uni funde a noção de que política social é algo que deve estar voltado exclusivamente aos setores mais empobrecidos da sociedade (às custas dos serviços públicos universais, que vão se precarizando) com a política educacional do voucher. Tal política parte do princípio de que o poder público não precisa fornecer educação escolar aos cidadãos, devendo, ao contrário, entregar diretamente às famílias o dinheiro necessário para que elas comprem no mercado de escolas privadas (entendidas como essencialmente mais eficientes que as públicas) a “mercadoria educacional” que lhes convém.

O principal resultado do Pro-Uni tem sido, em primeiro lugar, uma brutal transferência de recursos públicos às instituições de ensino superior privadas que, ao mesmo tempo, precarizam cada vez mais a qualidade do ensino oferecido, e, em segundo lugar, a consolidação do modelo que garante educação superior pública de qualidade aos setores sociais privilegiados que conseguem passar pelo crivo do vestibular, e educação superior privada de péssima qualidade aos setores de origem popular, promovendo uma imagem inversa do que vemos na educação básica.

Estas são questões que precisam ser problematizadas pelos militantes e dirigentes do PT antes que se proponham, novamente, como uma força política capaz de representar uma ruptura com as concepções políticas reacionárias que têm sido impostas ao Brasil, seja a nível federal, seja a nível local. O debate surgido daí pode ser extremamente enriquecedor para o conjunto da sociedade, pois a partir dele ficará definitivamente claro para todos, se o PT pode, ou não, ser considerado uma alternativa política à altura dos anseios progressistas dos setores mudancistas da população brasileira e, especialmente, neste caso, campista.

Um outro argumento que explica minha oposição ao projeto de reconstrução do PT como estratégia para uma transformação progressista da política municipal, passa pela compreensão de que nenhum partido político, por si, seria capaz de promover as mudanças necessárias a nível local sem contar com a colaboração concreta de um amplo movimento político-social capaz de exercer, institucional e extra-institucionalmente, a pressão necessária a construção de uma nova hegemonia, ou seja, a hegemonia de um novo projeto de município. A iniciativa promovida, neste momento, pelo professor Hamilton Gracia da UENF, ainda que incipiente, está muito mais próximo do que entendo como necessário no atual momento, do que a reconstrução do PT, ou, dito de outro modo, da tentativa de ressuscitar os mortos.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

As novelas e o Brasil

Importante estudo dirigido pelo pesquisador peruano Alberto Chong dedicou-se a avaliar o impacto das telenovelas na sociedade brasileira. Importantíssima pesquisa que permite avaliar com objetividade o peso sócio-político da TV e , em consequência, permite impulsionar a reivindicação pela efetiva regulamentação e democratização dos meios de comunicação no Brasil. Segue abaixo a entrevista concedida por Alberto Chong à revista Época.


De que forma as telenovelas influenciaram a sociedade brasileira?

Durante o período da ditadura, os autores já viam nas novelas a oportunidade de lutar contra o sistema, apresentando novas ideias e valores. Há, de forma recorrente, a crítica à religião, ao machismo e ao consumo de luxo e a ideia de que a riqueza e o poder não trazem felicidade. A família está no centro dessas transformações. As novelas são um instrumento muito poderoso na formação de um modelo bastante específico de família: branca, saudável, urbana, bonita, consumista – e pequena.

Vem daí a explicação para a influência das novelas na queda da taxa de fertilidade?


Sim. A família pequena é uma imposição da produção, que tem limitações de elenco. Para que a história aconteça, são necessários pelo menos cinco ou seis núcleos. Então nenhum pode ser grande demais. Por um tempo essa família tão reduzida era irreal. Com o tempo, porém, a repetida exposição desse perfil influenciou fortemente na preferência por menos filhos e pelo custo financeiro mais baixo dessa escolha. Ao longo dos anos, essa queda na taxa de fertilidade foi caindo mais em áreas alcançadas pela televisão do que em áreas que não recebiam o sinal.

As mulheres são o público principal das novelas. Elas são mais influenciáveis por esse tipo de conteúdo?


Uma das ideias mais disseminadas pelas novelas, em todos os tempos, é, certamente, a emancipação feminina, junto com a entrada da mulher no mercado de trabalho. A busca do amor e do prazer pelas personagens femininas também é uma constante em qualquer trama – mesmo que ela tenha de cometer adultério, o que também é comum nas histórias.

No Brasil, de acordo com o IBGE, vem das mulheres a maior parte dos pedidos de divórcio. Quanto as novelas contribuem para isso?


Estudar o Brasil sob esse ponto de vista é interessante, porque os casos de divórcio aumentaram dramaticamente nas últimas três décadas. Estima-se que as taxas aumentaram de 3,3 em cada cem casamentos em 1984 para 17,7 em 2002, mais do que em qualquer outro país latino-americano.

Nosso estudo avança na hipótese de que os valores da televisão, mais precisamente das novelas, contribuíram de fato para esse aumento, principalmente a partir do momento em que no Brasil há um alcance desse tipo de programa como em nenhum outro país. A novela é, de longe, a maior atração da TV e é veiculada pela Rede Globo, que tem mantido um domínio quase absoluto do setor por cerca de três décadas.

Percebemos que, quando a protagonista de uma novela era divorciada ou não era casada, a taxa de divórcio aumentava, em média, 0,1 ponto porcentual. A mudança é positiva. A simples possibilidade do divórcio dá às mulheres a chance de igualdade de gênero no casamento e na distribuição do trabalho, dentro e fora de casa. Também diminui a violência doméstica, os homicídios e suicídios.

Há algum período da história das novelas no Brasil em que essa influência no comportamento tenha sido mais ou menos forte?


Acredito que as novelas tenham tido um impacto mais poderoso quando começaram a ser veiculadas em massa. O que corresponde aos anos 70, principalmente, muito mais que nos anos 90 ou nos dias de hoje. O público, aos poucos, vai se acostumando aos temas e à forma como a trama acontece. A audiência naquele tempo também era muito maior, refletindo-se na influência. Mas é fato que existe um efeito cumulativo e é sobre ele que focamos nossos estudos.

A padronização dos valores, de comportamentos e ideais que a televisão introduz é negativa?


É uma questão de perspectiva. As novelas, em especial da TV Globo, impõem um estilo de vida moderno e urbano que diminuiu as taxas de fertilidade e aumentou as de divórcio. Isso pode ser visto de forma positiva por um grupo e de forma negativa por outro.

O brasileiro é o povo mais influenciado por novelas na América Latina?


Não há evidências concretas em relação a isso, visto que não temos um estudo do impacto das novelas latinas como temos do caso brasileiro. Acredito que no México haja também certa influência, assim como em argentinos, peruanos ou venezuelanos.

Mas é indiscutível que no Brasil haja um fenômeno bastante particular não só nos valores e personagens que as telenovelas nacionais retratam, mas também na maneira com que elas são feitas – o ritmo, o tipo de diálogo, tudo é muito marcante e característico. A esse respeito, eu não ficaria surpreso se o impacto das novelas no Brasil fosse mais forte que em outros países.

Há como comparar a influência da novela no Brasil com a do cinema na sociedade americana?


Existem indicações claras de que os filmes americanos têm enorme impacto naquela sociedade. A questão da violência, por exemplo, é alvo de muitos estudos recentes. Mas acredito que essa influência tenha características próprias, e não há como fazer uma comparação com as novelas no Brasil.

Pode-se dizer que, no Brasil, a novela é o melhor canal para a difusão de ideias sociais?


Sim, acredito que seja o mais eficaz. Por isso esses estudos são tão importantes para os países em desenvolvimento. Nas sociedades em que a alfabetização é relativamente baixa e a leitura dos jornais é limitada, a televisão desempenha um papel crucial na circulação das ideias.

A televisão tem influência enorme em países como o Brasil, onde ainda há forte tradição oral. Nosso trabalho sugere que os programas orientados para a cultura da população local têm o potencial de atingir uma grande quantidade de pessoas com muito baixo custo e, portanto, poderiam ser usados por políticos para transmitir mensagens sociais e econômicas importantes — sobre aids, educação, direitos das minorias etc.

Estudos recentes feitos por psicólogos sociais realçam o papel dos meios de comunicação, rádio e telenovelas em particular, como uma ferramenta para a prevenção de conflitos. A nossa investigação sugere que esse instrumento funciona na formação das mais variadas políticas de desenvolvimento e deve ser aproveitado.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A venezuela e a democracia

A vitória das forças políticas bolivarianas e socialistas no referendo venezuelano relativo à limitação – ou não – da quantidade de vezes em que os mandatários públicos de todos os níveis podem concorrer à reeleição é um marco importantíssimo na definição dos próximos cenários da confrontação política não apenas na Venezuela como também no conjunto do continente latino-americano.

Para além dos muitos simplismos expressos nas posições antagônicas de muitos dos partidários e opositores do presidente Chávez e seu projeto político, o momento atual da vida nacional venezuelana precisa ser compreendida em toda sua profunda complexidade. Aproveito a oportunidade para disponibilizar um artigo recente redigido por meu velho amigo, o cientista político Bruno Lima Rocha, diretamente de Caracas e publicado originalmente no site do qual é editor: Estratégia e análise (www.estrategiaeanalise.com.br). Segue abaixo a íntegra do texto que se propõe analisar a natureza da configuração política atual do país vizinho.


A Venezuela e o limite da democracia representativa

Bruno Lima Rocha, desde Caracas, 28 de fevereiro de 2009

Inicio o artigo aclarando que o escrevo daqui de Caracas onde me encontro a trabalho e sem convite nem despesas pagas por governo algum.

No momento o país está em plena campanha plebiscitária, a favor ou contra do projeto de Emenda Constitucional dos artigos 160, 162, 174, 192 e 230 (leia o texto completo em castelhano). A essência da proposta é simples. Se aprovada, o conjunto dos cargos de representação e mandatários políticos venezuelanos poderão se apresentar para reeleição o número de vezes que queiram. Assim, tanto legisladores (municipais, estaduais e nacionais) como prefeitos, governadores e o presidente poderão tentar ganhar no voto a permanência no cargo sem nenhuma barreira. Exposta a questão, os argumentos que vi e ouvi são evasivos.

A oposição política venezuelana, encabeçando o bloco do NÃO afirma que a vitória da Emenda implicará a reeleição indefinida de Hugo Chávez. Isto não é verdade, porque apresentar-se para a eleição não garante vitória antecipada. Já a aliança do SIM define a escolha pela permanência no poder um tema de soberania popular. Também dá para discordar, uma vez que a população sempre escolhe em cima das opções oferecidas. Vejo os dois argumentos como evasivos porque o tema de fundo é outro.

A democracia representativa na Venezuela (chamada de 4ª República) surge com o Pacto de Punto Fijo, assinado em 1958 após a derrota da ditadura de Pérez Jiménez. Neste acórdão, três grandes partidos, AD, Copei e URD concordam com a alternância no poder do Estado e compartilham a mesma visão sócio-econômica. A distribuição de renda é péssima, o país não planta o que consome e as cidades crescem na base da favelização. Para piorar, fora do sistema político partidário, o protesto social era criminalizado e havia repressão de sobra. O fato é que a partir da eleição de Chávez em 1998, tudo isso muda.

Para não expor aqui dados sem fim, basta dizer que: em dez anos o analfabetismo foi erradicado; o número de estudantes de todas as séries saltou de menos de 3 milhões para 11 milhões; se multiplicou por seis o total de universitários; a saúde e o transporte público são universais, antes não eram; a renda per capita aumentou; e a extrema pobreza diminuiu. O tema em pauta e a percepção popular giram por outro lado. Existe uma melhoria real da qualidade de vida do venezuelano pobre. Isto se dá através da soma de recursos do Estado com a promoção da sociedade civil de baixa renda.

A maioria, ao sentir o gosto do protagonismo político, mesmo que sob a condução de um líder carismático, não quer arriscar abrir mão de suas conquistas. Os beneficiados pelos dez anos de governo chavista (cerca de 60% da população) desconfia dos partidos de intermediação tradicionais. Discute-se aqui um clássico da teoria democrática. Se a democracia de concorrência e alternância política não solucionar os problemas básicos do cotidiano, a maioria não se sente comprometida com este regime político. E, havendo alternativa, esta será considerada válida. É por isso que a Emenda é tão temida pela oposição.

Chávez e seus candidatos aumentaram seus índices eleitorais em 20%, passando de 4.379.392 na derrota do referendum de 2007 para 5.504.902 votos nas eleições municipais e estaduais de 2008. Hoje a aliança encabeçada pelo PSUV governa 265 das 327 prefeituras, 18 das 24 capitais de estado, 80 dos 100 municípios mais populosos e 17 dos 22 estados. Estes números já são impactantes e avisam aos analistas que há massa e fidelidade eleitoral. Some-se isto à desconfiança das maiorias para com as antigas elites políticas e já temos os elementos para uma democracia de tipo plebiscitária.

Se o SIM ganhar, é meio caminho andado para, no mínimo, um terceiro mandato de Hugo Rafael Chávez Frías. Se a continuidade do governo atual implicar em mais benefícios sociais e organização de base, como desmontar essas estruturas depois? Entendo que a questão de fundo é: - Como pode alguém defender algo - a alternância no poder - quando entende que isto não lhe favorece?

sábado, 14 de fevereiro de 2009

O PT, o liberalismo e o poder público

O debate público local, referente não à “pequena política” dos gestos e contra-gestos da facção política no poder, mas sim à “grande política” da formulação de alternativas, avançou de forma interessante na última semana e, sendo assim, gostaria de tomar parte na discussão.

A crônica crise política municipal em Campos dos Goytacazes foi capaz de produzir, como reação, a dinamização da blogsfera, que, aliás, precisa ser avaliada em toda a sua dimensão e em todo seu potencial concreto de mobilização da opinião pública, seja diretamente, seja indiretamente através dos “formadores de opinião”.

Neste contexto, a elaboração de alternativas políticas à crise instalada a nível local, tem passado, como não poderia deixar de ser, pelo crivo da experiência política concreta dos principais atores da blogsfera campista, majoritariamente ligados de forma mais ou menos direta ao PT.

Em função disto, o debate sobre a construção de uma alternativa política à atual situação do município, tem se manifestado na maior parte dos principais blogs da cidade como um debate relativo à necessidade de promover uma regeneração do PT de modo a que possa cumprir o papel de centro aglutinador de todos aqueles desejosos de uma mudança progressiva no quadro atual. É neste ponto que gostaria de fazer algumas considerações.

Em primeiro lugar quero deixar claro que entendo que a dimensão local da política não pode – porque não é realista – e não deve – porque não é progressista – ser tomada em consideração fora de seu objetivo contexto mais amplo, que vai do nacional ao global. Desta forma, qualquer avaliação sobre a pertinência de elevar a reconstrução do PT à posição de bandeira dos defensores do progresso social em Campos, deve incorporar uma lógica que vincule o local com o nacional, pelo menos.

Quero colocar minha posição de discordância em relação ao projeto de reconstrução do PT porque entendo que este partido, ao longo de sua trajetória histórica, acabou por tornar-se incapaz de se manter na vanguarda dos interesses progressistas da sociedade brasileira. Como resultado de seu processo de adaptação à ordem (não apenas aos limites da ordem política estabelecida, mas também, por exemplo, à lógica financista incorporada pelos dirigentes dos fundos de pensão) o PT acabou por incorporar na sua concepção política, para além de sua prática imediata, os funestos e nefastos pressupostos do liberalismo.

A aceitação da dogmática liberal em relação à democracia representativa fez do PT um refém das teorias da “governabilidade” que limitaram seu horizonte tático às inevitáveis negociatas nos degenerados parlamentos, expressão maior, em sua concretude atual, da incompatibilidade entre o ideal democrático e uma brutal desigualdade social em todos os níveis. A defesa de uma democracia que vá além dos cínicos limites formalistas impostos pelo grande capital e por toda sorte de fisiologismos é um pressuposto básico para qualquer alternativa política progressista no país.

Para além da concepção de democracia, a conversão teórica do PT ao liberalismo também inclui a incorporação de sua noção de política social. No pensamento político liberal de origem anglo-saxã, política social é um conceito que tende a ser limitado às políticas compensatórias dirigidas aos setores sociais na fronteira da indigência. A concepção social-democrata de política social, por outro lado, aquela dos países da Europa continental, está ligada à noção de universalismo de serviços públicos como saúde, educação, moradia, transporte, etc.

Ao incorporar a concepção liberal estadunidense de política social o PT acabou por fazer frente com todos aqueles que defendem uma proposta “flexível” (leia-se mercantil) de fornecimento dos serviços públicos básicos, e, ao mesmo tempo, perdeu a capacidade de fazer a crítica ao efetivo clientelismo expresso, não na idéia, mas na concretude da aplicação da maior parte das políticas compensatórias contra a pobreza extrema no Brasil. A noção de uma política social como expressão da universalização de serviços públicos fornecidos por fora da esfera mercantil é um postulado essencial para qualquer força política que se pretenda alternativa ao lamentável quadro político estabelecido no país, e isto inclui Campos.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Mészàros e a crise internacional


István Mészàros, o filósofo húngaro – antigo aluno e colaborador de Georg Lukács – considerado por muitos como o mais importante intelectual marxista atualmente em atividade, concedeu recentemente uma entrevista à revista de esquerda britânica Socialist Review. Nesta entrevista, divulgada no portal da Agência Carta Maior, István Mészàros fez algumas avaliações bastante graves a respeito da natureza da crise internacional contemporânea. Vale a pena conferir e pode ser um excelente ponto de partida para um frutífero debate. Seguem abaixo dois trechos da entrevista. A íntegra pode ser lida neste link (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15619).


"Solução neokeynesiana e novo Bretton Woods são fantasias”

Em 1971 István Mészàros ganhou o Prêmio Deutscher pelo seu livro A Teoria da Alienação em Marx e desde então tem escrito sobre o marxismo. Em janeiro deste ano, ele conversou com Judith Orr e Patrick Ward, da Socialist Review, sobre a atual crise econômica.


Socialist Review: A classe dominante sempre é surpreendida por crises econômicas e fala delas como fossem aberrações. Por que você acha que as crises são inerentes ao capitalismo?


István Mészàros – Eu li recentemente Edmund Phelps, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia, em 2006. Phelps é um tipo de neokeynesiano. Ele estava, é claro, glorificando o capitalismo e apresentando os problemas atuais como apenas um contratempo, dizendo que “tudo o que devemos fazer é trazer de volta as idéias keynesianas e a regulação.”John Maynard Keynes acreditava que o capitalismo era ideal, mas queria regulação. Phelps estava reproduzindo a idéia grotesca de que o sistema é como um compositor musical. Ele pode ter alguns dias de folga nos quais não pode produzir tão bem, mas se você olhar no todo verá que ele é maravilhoso! Pense apenas em Mozart – ele deve ter tido o velho e esquisito dia ruim. Assim é o capitalismo em crise, como dias ruins de Mozart.


Quem acredita nisso deveria ter sua cabeça examinada. Mas, no lugar de ter sua cabeça examinada, ele ganhou um prêmio. Se nossos adversários têm esse nível de pensamento – o qual tem sido demonstrado, agora, ao longo de um período de 50 anos, não é apenas um escorregão acidental de economista vencedor de prêmio – poderíamos dizer, “alegre-se, esse é o nível baixo do nosso adversário”. Mas com esse tipo de concepção você termina no desastre de que temos experiência todos os dias. Nós afundamos numa dívida astronômica. As dívidas reais neste país (Inglaterra) devem ser contadas em trilhões. Mas o ponto importante é que eles vêm praticando orgias financeiras como resultado de uma crise estrutural do sistema produtivo. Não é um acidente que a moeda tenha inundado de modo tão adventista o setor financeiro. A acumulação de capital não poderia funcionar adequadamente no âmbito da economia produtiva. Agora estamos falando da crise estrutural do sistema. Ela se extende por toda parte e viola nossa relação com a natureza, minando as condições fundamentais da sobrevivência humana. Por exemplo, de tempos em tempos anunciam algumas metas para diminuir a poluição. Temos até um ministro da energia e da mudança climática, que na verdade é um ministro do lero lero, porque nada faz além de anunciar uma meta. Só que essa meta nunca é sequer aproximada, quanto mais atingida. Isso é uma parte integral da crise estrutural do sistema e só soluções estruturais podem nos tirar desta situação terrível.

(...)

SR- O que você pensa das possibilidades de mudança neste momento?


IM – Os socialistas são os últimos a minimizar as dificuldades da solução. Os apologistas do capital, sejam eles neokeynesianos ou o que quer que sejam, podem produzir todos os tipos de soluções simplistas. Eu não penso que podemos considerar a crise atual simplesmente da maneira que o fizemos no passado. A crise atual é profunda. O diretor substituto do Banco da Inglaterra adimitiu que esta é a maior crise econômica na história da humanidade. Eu apenas acrescentaria que esta não é apenas a maior crise na história humana, mas a maior crise em todos os sentidos. Crises econômicas não podem ser separadas do resto do sistema. A fraude e a dominação do capital e a exploração da classe trabalhadora não podem continuar para sempre. Os produtores não podem ser postos constantemente e para sempre sob controle. Marx argumenta que os capitalistas são simplesmente personificações do capital. Não são agentes livres; estão executando imperativos do sistema. Então, o problema da humanidade não é simplesmente vencer um bando de capitalistas. Pôr simplesmente um tipo de personificação do capital no lugar do outro levaria ao mesmo desastre e cedo ou tarde terminaríamos com a restauração do capitalismo. Os problemas que a sociedade está enfrentando não surgiram apenas nos últimos anos. Cedo ou tarde isso tem de ser resolvido e não, como o vencedor do Prêmio Nobel deve fantasiar, no interior da estrutura do sistema. A única solução possível é encontrar a reprodução social com base no controle dos produtores. Essa sempre foi a idéia do socialismo. Nós alcançamos os limites históricos da capacidade do capital controlar a sociedade.


Eu não quero dizer apenas bancos e instituições financeiras, ainda que eles não possam controlá-las, mas o resto. Quando as coisas dão errado ninguém é responsável. De tempos em tempos os políticos dizem: “Eu aceito total responsabilidade”, e o que acontece? Eles são glorificados. A única alternativa exequível é a classe trabalhadora, que é a produtora de tudo o que é necessário em nossa vida. Por que eles não deveriam controlar o que produzem? Eu sempre enfatizei em todos os livros que dizer não é relativamente fácil, mas temos de encontrar a dimensão positiva.


István Mészàros é o autor do recentemente publicado "The challenge and burden of Historical Time", "Os Desafios e o Fardo do Tempo Histórico", publicado no Brasil pela Boitempo Editorial, 2007.


(*) Ambos publicados no Brasil pela Boitempo Editorial.


Artigo originalmente publicado na Socialist Review


Tradução: Katarina Peixoto

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Autoridade e educação

Um importante tema na discussão educacional que se converteu nos últimos anos em verdadeiro tabu é aquele que diz respeito à relação entre a educação formal escolar e o princípio da autoridade. Não deve ser novidade para aqueles leitores mais atentos à dinâmica das transformações sociais brasileiras recentes que o período histórico atual tem como elemento impulsionador inicial o movimento contra a ditadura militar e pela democratização política. Neste amplo movimento estavam imbricados um projeto democrático-popular à esquerda, e um projeto neoliberal à direita. Não é necessário muito esforço argumentativo para convencer o leitor de que o segundo projeto saiu vitorioso e tornou-se hegemônico na sociedade, pelo menos até agora.


No campo da educação escolar podemos dizer que, em vários aspectos, ocorreu uma verdadeira fusão mórbida entre os projetos democrático-popular e neoliberal. Sendo um pouco mais preciso, é possível afirmar que o que ocorreu no campo educacional foi uma incorporação por parte dos defensores do princípio democrático-popular do espírito filosófico liberal, superficial e aparentemente progressista, mas verdadeiramente reacionário em seus pressupostos e em seus efeitos. Ouso dizer, preparando-me para uma dura polêmica, que o existencialismo cristão de Paulo Freire, e o quase-consenso que existe em torno dele, é o principal expoente deste amálgama bizarro.


Muitos princípios constituintes do Estatuto da Criança e do Adolescente, instrumentalizados por famílias inconseqüentes e por magistrados irresponsáveis, e legitimados por uma hegemonia liberal no pensamento social, tem contribuído para o agravamento da crise educacional contemporânea (especialmente, mas não exclusivamente, na rede privada de ensino). A pretensão de banir, por força da lei, os mais mínimos vestígios do princípio da autoridade no processo educacional escolar, sob o epíteto de “constrangimento ao aluno”, vai progressivamente inviabilizando a relação instrucional entre educador e educando, naturalmente uma relação que parte da desigualdade e tende à igualdade apenas no final. Este ponto de vista de defendo, encampado por pensadores insuspeitos de qualquer tendência autoritária como Hannah Arendt, precisa voltar ao debate público se quisermos apontar saídas concretas à crise da educação escolar presente.



Artigo publicado na edição de hoje do jornal Monitor Campista

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O que fazer da bancarrota dos bancos?


Apesar de ser talvez um pouco longo, este texto recém-publicado pelo professor Bernardo Kucinski sobre a crise do sistema financeiro e as alternativas que se colocam diante da sociedade contemporânea é verdadeiramente fundamental. Como a história é realmente a senhora das idéias e dos consensos, é notável perceber como a reivindicação pela estatização do sistema financeiro, considerada até bem pouco tempo atrás como uma loucura pelo consenso neoliberal mais ou menos ortodoxo, hoje vai se colocando como uma necessidade até mesmo para insuspeitos intelectuais moderados.

O que fazer da bancarrota dos bancos?

Ao negar sua função básica de canalizar poupanças para o giro da economia, os bancos privados não estariam cavando sua sepultura? O que fazer para forçar os bancos a soltar o dinheiro que estão recebendo dos governos? O que fazer com os grandes bancos e instituições do sistema financeiro internacional, como o FMI e Banco Mundial, que fracassaram vergonhosamente antes, durante e depois da crise? Que alternativas o movimento social poderia emplacar? Achar que apenas uma nova regulamentação resolveria o problema dos bancos é pensar pequeno, disse o economista do DIEESE, Adhemir Mineiro, num dos seminários do Fórum que tratam da crise.”É usar como remédio o próprio veneno.” Para ele não se trata simplesmente de devolver aos bancos a solidez perdida, é preciso mudar toda a sua forma de atuar, sua função no processo econômico, e o próprio processo. Não adianta mudar certas regras, se for mantida a hegemonia do capital financeiro. É preciso dar institucionalidade à discussão.


Oscar Ugarteche, economista mexicano diz que até mesmo a dimensão ecológica precisa entrar na definição dos novos modos de produção e financiamento. Ele compara o colapso de hoje dos sistema financeiro como a perspectiva de colapso iminente do sistema ecológico, para mostrar como as mudanças precisam ter muito mais profundidade e amplitude. Os bancos deveriam ser todos socializados, disse o ex-ministro de Obras da Espanha Joseph Borrell, nesse mesmo seminário. “Seja via estatização ou pela transformação em bancos de economia solidária ou cooperativas de crédito. É a forma de acabar com a contradição de bancos serem bens privados apesar dos serviços financeiros serem um bem público. A sociedade precisa serviços financeiros. Um banco pode até quebrar, mas o sistema financeiro é necessário ao conjunto da sociedade. Os serviços financeiros deveriam ser definidos como um serviço de utilidade pública, como são os transportes públicos. A estatização foi adotada até agora penas pelo governo britânico e mesmo assim parcialmente, porque seus efeitos são profundos, já que é quebrada a espinha dorsal do capital financeiro e toda sua imbricação na economia. A estatização já é defendida no Brasil por economistas respeitados, inclusive Luiz Gonzaga Belluzo. E pelas mesmas razões do Borrel: não porque nossos bancos estejam quebrando, e sim porque não estão exercendo a função pública de financiar as investimentos e transações econômicas. Só os bancos públicos, BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica estão dando ao governo alguma capacidade de operar políticas anti-cíclicas. Se dependêssemos só do Itaú e do Bradesco, já estaríamos totalmente quebrados. E pensar que os tucanos queriam privatizar esses também...dá até calafrios.


Muito mais difícil do que resolver o problema do sistema financeiro de cada país é montar uma novo sistema financeiro internacional para substituir o defunto acordo de BrettonWoods e as instituições por ele criadas, hoje totalmente desacreditadas, o Banco Mundial e o FMI. Num outro seminário, o venezuelano Rafael Flores anunciou que Chávez vai trabalhar pela convocação de uma Assembléia especial da ONU para discutir um novo sistema financeiro internacional, mais democrático. Também vai convocar movimentos sociais a montarem uma demonstração paralela à da Assembléia Geral da ONU para pedir reformas. Mas isso ”é como a busca de poção mágica,“ disse Adhemir Mineiro. Essas instituições viraram instrumentos do governo americano e seus associados europeus, que as manejam como querem, através de estruturas de comando não democráticas que lhes dão maioria de votos e poder de veto. Seria possível democratizas essas instituições? Molly McCoy, da Federação Internacional dos Trabalhadores é muito cética: eles só falam em reforma de governança, e mesmo assim de modo muito tímido. Os Estados Unidos ainda têm o poder de veto. Estados Unidos e Europa sempre alternam na indicação do presidente, e ninguém fala em mudar esse método. A única mudança até hoje foi a criação de um cargo de diretor-executivo para todo o continente africano.


Outra critica ela faz à falta de coordenação política entre elas e outras instituições internacionais. Por exemplo, uma agência da ONU pode indicar como prioridade para determinado país combater a fome, mas o Banco Mundial só empresta dinheiro se esse país abolir certos benefícios sociais que ajudam a combater a fome. A lógica do Banco Mundial é a de estimular os negócios das multinacionais e sua publicação mais procurada é que se chama “como fazer negócios.” Claude Quemar, da CDTM, uma ONG dedicada à denúncia da dívida externa do terceiro mundo, fez acusações ainda mais graves num seminário hoje promovido por um conjunto de Ongs: FMI e Banco Mundial não seguem as leis internacionais para direitos humanos; por exemplo, emprestaram dinheiro ao regime do Apartheid da África do Sul. A CADTM e algumas outras dedicadas à critica do sistema financeiro, como a ATTAC e a Bank Track, propõem como alternativa criar um Banco do Sul, e um FMI do Sul de todos os países do Hemisfério Sul. Eles se retirariam do FMI e do Banco Mundial.


Um grande sistema financeiro internacional alternativo do hemisfério Sul teria capacidade de lidar com todas as reservas internacionais desses países, e seus fundos soberanos, hoje manejados em grande parte pelos bancos privados. Também poderia dar sustentação financeira a países em dificuldades de pagamento, sem as condicionalidades do FMI, como era aliás a função original do FMI, antes de sua usurpação pelos Estados Unidos. Mas a crise veio antes dessa proposta maturar e não parece haver potencial político para sua implementação. Alguns países estão investindo na criação de bancos de financiamento regionais. A integração bancária regional está sendo vista como uma alternativa factível. Oscar Ugarteche, economista mexicano, diz que já está havendo uma aceleração na busca de soluções regionais. Na Ásia, diz ele, um terço das transações regionais já são pagas em moedas locais, não é preciso usar o dólar, ou o marco alemão. Nas Américas já se trabalha a possibilidade de adotar uma moeda regional, além dos convênios de crédito recíproco, pelo qual alguns países só cancelam o saldo das transações acumulado em determinado período, o que exige quantidade menor de moeda forte. Muitas negociações estão em curso para acelerar esses mecanismos, embora sem ter destaque na mídia por serem muito técnicas, diz Ugarteche.


Na América do Sul já estão em curso dois projetos de criação de bancos regionais de desenvolvimento, o Banco Sur, iniciativa antiga do Brasil e Argentina, e Banco da Alba, já em funcionamento embrionário, criado por Chávez. Rafael Flores, da Venezuela, diz que o banco da Alba, parte do projeto de integração regional ALBA liderado pela Venezuela, já funciona há um ano, embora com poucas agências ainda. O bloco da ALBA começou com apenas dois países, Venezuela a Cuba, e hoje já conta com seis (entraram Nicarágua, El Salvador, Bolívia e Equador como observador).


Rafael Flores descreveu o projeto da ALBA com otimismo, destacando seu diferencial de participação popular, através de um conselho de representantes de movimentos sociais, opção por políticas públicas de interesse popular, e formas de contratação de financiamentos inovadores, nas quais o objetivo principal não é o lucro mas a função social do financiamento. Lamentou, nas entrelinhas,que o Brasil ainda não esteja na ALBA. Nesse seminário discutiu-se por que competem dois projetos de banco regional, o da Alba e o do Banco Sur. Eu tive que explicar que tudo passa por governos e os governos refletem graus diferentes de mobilização política. A unidade muitas vezes é impossível e sua busca acaba representando um problema adicional e não a solução. Rafael explicou que Chávez achou lento demais o processo de discussão do Banco Sur e por isso se antecipou. Embora a crise econômica seja o mais importante tema do momento, está sendo discutida em mesas pequenas, com público diminuto. Não se tornou um tema da massa do Fórum Social. A crise galopa e nós andamos a passo de tartaruga. Vai acabar emplacando uma solução Obama – ou seja, os bancos serão salvos da bancarrota com dinheiro público e nada de substantivo vai mudar no funcionamento dos sistema financeiro internacional. Nada, nadinha.



Bernardo Kucinski, jornalista e professor da Universidade de São Paulo, é colaborador da Carta Maior e autor, entre outros, de “A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro” (1996) e “As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998” (2000).