sábado, 27 de setembro de 2008

Os socialistas e a educação brasileira


Este texto do Valério Arcary já é relativamente antigo, data de 2006, do período da campanha eleitoral, mas ainda é estremamente atual e de uma importância fundamental para o debate sobre a crise da educação no Brasil e sobre sua superação.

Cinco observações sobre a crise da educação pública para uma estratégia revolucionária

Valerio Arcary, professor do CEFET/SP, militante do PSTU, é doutor em História pela USP e autor de As Esquinas Perigosas da História, situações revolucionárias em perspectiva marxista.



“A doutrina materialista de que os homens são produtos das circunstâncias e da educação, e de que portanto, seres homens modificados são produtos de circunstâncias diferentes e de uma educação modificada, esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens, e que o próprio educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade(...) A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática revolucionária.”

Marx

A chain is no stronger than its weakest link
(Uma corrente não é mais forte que seu elo mais fraco)

Sabedoria popular européia



Este texto resultou de uma comunicação apresentada no seminário do ILAESE em novembro de 2005. Comentaremos cinco temas que foram, na ocasião, objeto de uma discussão coletiva. A primeira idéia é o reconhecimento do fracasso da educação pública como instrumento da mobilidade social. Uma das premissas do capitalismo era a igualdade jurídica dos cidadãos. A promessa dos reformistas brasileiros foi, contudo, ao mesmo tempo, mais audaciosa e confusa: afirmaram durante os últimos vinte anos de regime democrático liberal, antes de chegar ao poder, que a educação seria, mesmo preservado o capitalismo, uma via de maior justiça social. A escola poderia mudar o Brasil, diminuindo as desigualdades sociais. Através da meritocracia, da igualdade de oportunidades, a chamada equidade, a justiça diante de obstáculos ou de barreiras que são ou deveriam ser universais, existiria a possibilidade de melhorar de vida. Todo a promessa reformista esteve construída em cima desta tese. “Estudem e trabalhem duro”, e terão um futuro superior ao dos vossos pais.

Educação e trabalho para todos garantiriam, presumia-se, uma maior coesão social à democracia burguesa na periferia do capitalismo, e serviam de álibi para a confiança dos reformistas nas possibilidades de “controle social” do mercado. Abraçados a esse programa, o desenvolvimento econômico substituía, alegremente, o socialismo como horizonte estratégico da esquerda eleitoral. A democracia liberal afiançaria, gradualmente, prosperidade para todos. Seria uma questão de paciência. Mas, quando chegaram ao poder, fizeram um “desconto” na promessa, e o direito à educação universal foi subtraído: no lugar de mais verbas para a educação pública, mais isenção fiscal para a educação privada. Sobraram as políticas compensatórias como o “Bolsa Família”: uma amarga contrapartida.

Todas os levantamentos estatísticos disponíveis a partir do censo do IBGE de 2000 e dos PNAD’s dos anos seguintes informam que, apesar de melhoras quantitativas modestas dos índices educacionais, o projeto reformista tem sido um fiasco. O Brasil está mais injusto que há vinte anos atrás, o desemprego mais alto, os salários médios congelados, enfim, a vida ficou mais difícil. A expansão da rede pública foi significativa nos anos sessenta, setenta e oitenta, mas não diminuiu a desigualdade social. Depois, a partir dos anos noventa, vieram as políticas sociais focadas que o governo Lula está preservando, e fracassaram, ainda mais estrepitosamente. A mobilidade social, ou seja, a esperança de ascensão social de uma geração para outra permanece muito pequena. A desigualdade social brasileira continua entre as mais elevadas do mundo. Vinte anos de democracia burguesa e de alternância no poder municipal, estadual e nacional entre a centro direita e a esquerda reformista, que tiveram oportunidade de aplicar os mais variados projetos educacionais, não trouxeram maior mobilidade social. Segundo os dados do IBGE, os 10% mais ricos da população ainda são donos de 46% do total da renda nacional. Já os 50% mais pobres ficam com apenas 13,3%. Há décadas o Brasil anda de lado, ou seja, fica para trás.



A educação não garante mobilidade social ascendente

Eis a primeira questão: a mobilidade social e o lugar da educação como instrumento de ascensão. A primeira constatação da realidade social no capitalismo periférico é que as possibilidades de ascensão social agora estão congeladas. A sociedade brasileira teve, durante algumas décadas, comparativamente à situação atual, uma mobilidade social significativa. Se analisarmos a origem social da maioria da população urbana adulta e, também, o que podíamos chamar o “repertório cultural” das gerações anteriores nas nossas próprias famílias, veremos que, com raras exceções, uma grande parcela foi, individualmente, favorecida pelo aumento da escolaridade de um período histórico anterior. Esse fenômeno é chave para compreendermos a crise atual, porque foi excepcional. O padrão histórico dominante na história do Brasil foi outro. Durante gerações nossos antepassados foram vítimas da imobilidade social e da divisão hereditária do trabalho. Os que nasciam filhos de escravos, não tinham muitas esperanças sobre qual seria o seu destino. Os filhos dos sapateiros já sabiam que seriam sapateiros.

No entanto, a sociedade brasileira entre 1930 e 1980, mesmo considerando-se os limites impostos pelo seu estatuto subordinado na periferia capitalista, foi uma das economias com mais dinâmica no mercado mundial. Perpetuaram-se as desigualdades, por suposto. Mas, existiu durante décadas um capitalismo com urbanização e industrialização. Os dois processos não tiveram a mesma proporção dos anos 30 aos 70. O certo, todavia, é que existiu mobilidade social. Logo, a promessa reformista de que seria possível mudar o capitalismo e viver melhor, através de uma educação pública universal – a percepção popular do nacional-desenvolvimentismo - era uma promessa que alimentava esperanças. Garantia alguma coesão social para a dominação burguesa. A força de inércia das ilusões reformistas – a ideologia de colaboração entre capital e trabalho que resiste à necessidade do confronto e da ruptura - repousava nessa história. A sua superação exigirá uma experiência prática compartilhada por milhões.

Os que defendemos o projeto revolucionário, não ignoramos que as massas viveram a etapa histórico-política dos últimos vinte anos depositando expectativa em Lula e no PT, porque permaneciam prisioneiras das ilusões reformistas. Não defendemos a revolução socialista porque temos um temperamento exaltado. Não apostamos que a revolução brasileira possa vencer sem a mobilização e organização das grandes massas populares. Os mais apressados e nervosos não resistem, geralmente, aos longos anos de uma militância contra a corrente. Os mais exasperados, depois das primeiras decepções, ficam pelo caminho. A luta revolucionária é um assunto para gente muito equilibrada. A revolução exige dedicação, perseverança, exige espírito de sacrifício, reflexão, muita crítica, muita autocrítica, muita disposição de mudar. Gente muito perturbada não tem disposição de mudar, já acha que é perfeita; os revolucionários, não. Acham que são gente incompleta, gente imperfeita, gente em construção. Acham que têm que se corrigir uns aos outros. A adesão ao projeto revolucionário se fundamenta na História: o projeto reformista não tem viabilidade no tempo que nos tocou viver.

Quando raciocinamos neste horizonte de perspectiva, verificamos que a economia brasileira perdeu o impulso que teve até os anos oitenta. Concretizemos: mobilidade social, neste contexto, significava quais eram as possibilidades que cada um tinha de melhorar de vida, preservadas as relações sociais dominantes. Essas taxas são mais acentuadas em uns períodos e menos acentuadas em outros; há sociedades mais congeladas, numa etapa histórica, e há sociedades mais dinâmicas. A questão decisiva é que o Brasil é hoje uma sociedade muito congelada, comparativamente, àquilo que ela foi. O capitalismo brasileiro do século XXI é um capitalismo com taxa de mobilidade social muito baixa, e a educação deixou de ser um trampolim social.

As possibilidades de se ter recompensas econômicas e sociais, ou uma vida mais segura e mais confortável, através do ensino, está seriamente em crise. Além disso a crise já foi percebida pelas massas trabalhadoras, e mesmo pelas camadas médias. Ainda que façam o possível e até o impossível para garantir uma escolaridade elevada para os seus filhos. Na verdade, não nos enganemos, a função social da educação na sociedade contemporânea é estabelecer a divisão do trabalho que vai permitir a perpetuação das relações sociais existentes. Ou seja, a educação não questiona as relações sociais.

Uma outra forma de ilusão reformista é acreditar na quimera de que uma população mais educada mudaria, gradualmente, a realidade política do país. Se fosse assim, a Argentina ou a Coréia do Sul, entre inúmeros exemplos de sociedades que tiveram índices elevados de escolaridade, não seriam infernos para os trabalhadores. Não há maneira de diminuir a desigualdade material e cultural, sem ruptura com o imperialismo. O que mudará o Brasil será a luta popular anticapitalista. Todas as promessas reformistas de que a educação seria o instrumento meritocrático que permitiria que cada um tivesse a sua justa função na sociedade, isto tudo está numa crise completa. Mas, ainda em crise, esta ideologia mantém influência entre as massas – porque as ilusões não morrem sozinhas - em especial entre os professores, que são, paradoxalmente, um dos instrumentos sociais de convencimento de que a escola poderia mudar a sociedade.

A ordem capitalista não seria, todavia, possível, se a maioria das pessoas não acreditasse que esta divisão do trabalho não é algo razoável. É uma ideologia reacionária porque naturaliza aquilo que não é natural. Legitima o que é anti-humano. A ideologia de que o capitalista cumpre uma função necessária, a herança é justa, a desigualdade é inevitável, e a escola é o instrumento que permite a seleção que justifica a divisão do trabalho e a divisão em classes é uma fraude. Primeira falsidade: os patrões não são necessários. Os patrões são inúteis, os proprietários do capital são uma excrescência parasitária que vive da extração de trabalho que não é remunerado. Segunda falsidade: a desigualdade não é natural. Não é razoável vivermos numa sociedade em que a diferença entre o piso e o teto das remunerações varia de um para quinhentos. Como é possível aceitar que o trabalho de uma hora de alguém, seja centenas de vezes mais valioso que o trabalho de outro?

No Brasil, a desigualdade é tão gigantesca que a classe capitalista é invisível. Consideremos os números: está prevista para 2005 que a rolagem dos juros da dívida interna deverão consumir R$ 150 bilhões. No terceiro ano do mandato de Lula serão batidos todos os recordes, nunca ocorreu uma transferência líquida de riqueza tão grande do Estado para o capital. O estoque da dívida interna, porém, continuou crescendo e se aproxima dos R$1 trilhão de reais, um número imponente. Mas, o que é mais espantoso é que vinte mil pessoas físicas irão receber, cada uma delas, R$ 500.000 por mês com a rolagem dos juros da dívida interna. Ao mesmo tempo, todo o orçamento da previdência social brasileira – a previdência é, de longe, o programa social mais significativo – que beneficia vinte e quatro milhões pessoas está estimado em R$ 142 bilhões. De um lado, vinte mil rentistas. De outro, mais de vinte milhões de famílias. Esta é a realidade do Brasil. A burguesia brasileira só é identificada quando usamos o microscópio da estatística e as lentes de aumento da sociologia. É preciso uma análise liliputiana da sociedade brasileira para encontrarmos os proprietários do capital. A educação perdeu para as famílias populares, portanto, o significado de promoção social meritocrática.



O atraso cultural da sociedade brasileira é responsabilidade do Estado

O segundo tema é a idéia de que nós vivemos numa sociedade que não superou significativo atraso cultural. Uma aferição de qual é o nível de escolaridade e o repertório médio da sociedade de hoje, em relação ao que ela foi no passado, mas, também, uma comparação da sociedade brasileira com outras sociedades da periferia, como os países do Cone sul, não é nada animadora. O Brasil é uma sociedade que tem uma forte defasagem cultural.

O balanço é devastador: o número de estudantes matriculados aumentou, mas, para desespero nosso, tão lentamente, que a melhora é quase imperceptível. O número de certificados emitidos cresceu, mas a qualidade do ensino caiu. Mesmo com uma presença maior das crianças nas escolas, temos ainda pelo menos 14,6 milhões de analfabetos. Os iletrados são, contudo, inquantificáveis. O analfabetismo funcional – incapacidade de atribuir sentido ao texto escrito em norma culta - está na escala das dezenas de milhões, talvez mais da metade dos brasileiros com mais de quinze anos. Da população de 7 a 14 anos que freqüenta a escola, pelo menos um em cada três não concluem o ensino fundamental. Na faixa de 18 a 25 anos, apenas 22% terminam o ensino médio e, mesmo em São Paulo, menos de 20% estão matriculados em cursos superiores. Segundo Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da Unicamp: “no Chile, 80% dos estudantes de 15 a 17 anos estão no ensino médio. Se quisermos chegar lá, temos que incluir 5 milhões de jovens, formar 510 mil professores e construir 47 mil salas”.[2]

Resumo da ópera: o Estado brasileiro, mesmo na forma do regime democrático - não importando quais os partidos na sua gestão, se o PMDB, PSDB, PFL ou PT - continuou drenando recursos dos serviços públicos para o Capital. Políticas sociais focadas e compensatórias, como o Bolsa Família de Lula, e outros que o antecederam, não obtiveram resultados significativos. O Estado ao serviço do Capital se demonstrou historicamente incapaz de garantir uma educação pública e universal. Muitas décadas nos separam do início do processo de urbanização e industrialização, e a desigualdade material e cultural não diminuiu.

O atraso cultural da sociedade brasileira tem, entre outras manifestações, uma expressão dramática. O Brasil é um país de iletrados e semi-analfabetos. É cruel constatar isto assim, todavia a realidade é incontornável. Não é fácil abordar este tema porque a maioria dos trabalhadores nutre um sentimento de inferioridade cultural que é indivisível do sentimento de inferioridade social. Todos os que nasceram nas classes trabalhadoras têm, em maior ou menor medida, a percepção de que sabem muito menos do que gostariam de saber e, portanto, sentem inseguranças culturais. Mas, essa dor é muito mais intensa nas amplas massas do nosso país. Não é só uma percepção subjetiva, há um abismo educacional. É um assunto meio tabu, porque é desconfortável. Em geral o brasileiro médio se relaciona com sua pobreza material com dificuldades, mas se relaciona com muito mais constrangimento com sua ignorância. É um tema um pouco intimidador, porém, inescapável para quem trabalha com educação.

A sociedade brasileira do início do século XXI continua uma sociedade iletrada. A burguesia fracassou em trazer o nosso povo para o que podemos chamar de um acervo cultural mínimo do século XX, que é dominar a matemática e a língua. Os “gênios” que nos governam descobriram nestes últimos vinte anos que educação é caro. O Estado não poderia remunerar o Capital e garantir, ao mesmo tempo, a educação pública. Inventaram, em conseqüência, um sistema brutal: cada classe tem a sua escola. O ensino passou a ser uma obrigação de responsabilidade, estritamente, familiar.

A grande maioria do nosso povo não tem outro instrumento de comunicação que a língua coloquial. A televisão não é somente o grande canal de comunicação. Para a maioria é o único, porque estão prisioneiros da oralidade. A norma culta do texto continua um repertório desconhecido para a esmagadora maioria do nosso povo. Os números oficiais que consideram o analfabetismo no Brasil como um fenômeno histórico residual, reconhecem algo abaixo de 15%. O ultimo número de 2003, registrava 12,8% de analfabetos na população com mais de quinze anos. Aqueles que trabalham em educação sabem qual é, na verdade, a dificuldade que nós temos. Pelo menos metade do povo brasileiro reconhece as letras, reconhece que as letras são símbolos gráficos que reproduzem sons, mas o domínio da escrita não é isso.

A dinâmica histórica deste atraso cultural não é animadora, se compararmos o Brasil de hoje com o de nossos pais. O que aconteceu neste intervalo de meio século em que o Brasil deixou de ser uma sociedade agrária, basicamente, é que o acesso à escola pública realmente se massificou, mas a qualidade do ensino público é atroz. Hoje, a grande maioria das crianças brasileiras com até quatorze anos de idade, em números que superam os 90%, está matriculada na escola pública. Mas, esta escola não corresponde às suas necessidades. O fracasso escolar pode se manifestar de diferentes formas: repetição em alguns Estados, ou evasão em outros, ou ainda péssimos resultados nas avaliações por provas. Pode ser um fracasso oculto pela promoção automática, como em São Paulo.

Temos uma situação na qual a divisão social se manifesta através do abismo que separa a escola pública da escola privada. Mercantilizaram a educação. O capitalismo criou um monstro: o apartheid educacional. A escola privada hoje no Brasil não é somente um fenômeno educacional, é um fenômeno econômico. O faturamento do ensino privado já tem peso significativo no PIB; foi estimado pelo IBGE, para o ano de 2004, acima de R$ 50 bilhões. Talvez nos surpreenda, mas uma das atividades menos regulamentadas pela Receita ou, se quiserem, uma das atividades em que há mais lavagem de dinheiro, é a educação. De tal maneira é a sonegação, que o principal projeto educacional do governo Lula foi a isenção fiscal do ensino superior em troca de bolsas: o Prouni, que renegociou dívidas em troca de matrículas.

Este desastre político-educacional, um apartheid social na educação, tem uma história. A burguesia promoveu, conscientemente, através de seus variados partidos, o desmantelamento da escola pública, cortando as verbas, restringindo a expansão do sistema público. No Brasil, se constituiu uma camada média urbana mais ampla a partir dos anos cinqüenta que, com a crise de estagnação aberta nos anos oitenta e a decadência do ensino público, se viu obrigada a retirar seus filhos das escolas públicas e os colocou na escola privada. Esse processo foi potencializado por que toda a estrutura educacional foi organizada em função de um elemento exógeno, exterior ao aprendizado, o vestibular. O Brasil tem um sistema de acesso à universidade que é peculiar, é uma instituição brasileira, o exame vestibular. Ele ordena todo o edifício, e explica a privatização.

Aqueles que já passaram pela experiência do vestibular não valorizam, freqüentemente, o lugar que ele tem na estrutura educacional. Mas, a morfologia da estrutura educacional no Brasil tem na sua raiz o vestibular. A diferença entre ensino privado e ensino público fundamental e médio é que o aluno que está no ensino público, tem muito menos possibilidades de ser bem sucedido numa experiência incontornável que se chama vestibular. E o vestibular separa os jovens entre aqueles que vão estudar na universidade pública, que são as melhores do Brasil e são gratuitas, e aqueles que vão estudar no ensino privado.



A mercantilização do ensino destruiu a carreira docente

O terceiro tema é uma avaliação da situação do ensino público. A educação brasileira contemporânea agoniza, porque foi completamente mercantilizada. O capitalismo destruiu a escola pública. Não é somente uma situação conjuntural. A escola primária está em crise, as escolas secundárias são impossíveis de administrar, o ensino médio e superior foi privatizado em larga escala. A educação pública é um cadáver insepulto.

A promessa liberal do ensino meritocrático – “estudarás, serás recompensado” - não tem correspondência com a realidade. Este discurso encontra uma contra-evidência brutal, esmagadora, e muito simples. Os filhos de diferentes classes estudam em escolas separadas: segregação educacional. Isto não é secundário. Estamos tão habituados - até resignados - com o avanço da educação privada que já não ficamos chocados. A privatização da educação é, por suposto, um processo mundial. Mas, em vários países europeus, os filhos das diferentes classes estudam na mesma escola, do primário até á universidade. O critério de acesso para a Sorbonne, admitindo-se a classificação no exame de conclusão do ensino médio, permanece sendo o certificado de residência. Claro que viver no Quartier Latin não é barato. No entanto, é mais barato que pagar US$90.000 de mensalidades por ano em Harvard. No Brasil, qual é a possibilidade de encontrarmos na escola pública um filho de um burguês? Ao vivo e a cores, a maioria do povo brasileiro nunca viu e nunca verá um burguês, muito menos na sala de aula, ao lado dos seus filhos.

A promessa meritocrática faliu e com ela a escola pública. Todos os jovens das classes populares sabem que a escola em que eles estão, é uma escola na qual o seu destino social já está traçado. Aqueles que estão na escola pública sabem que, por maior que seja o seu talento, a chance de mobilidade social é reduzida, e os filhos da classe média, que estão na escola privada, sabem que vão ter que batalhar, desesperadamente, para conseguir uma vaga na universidade pública. Mesmo para um jovem de classe média argentino, a comemoração de quem é aprovado na USP – a família toda de lágrimas nos olhos, como se tivessem ganhado a loteria federal – é incompreensível. Já os poucos que receberão herança, e vão viver da renda do capital, estão em absoluta tranqüilidade, fazendo faculdades privadas no Brasil ou no exterior. A escola pública afundou em decadência. Ela foi destruída por vários processos. Além da privatização, o principal foi a desvalorização da carreira docente, a degradação profissional dos professores.

O que é a degradação social de uma categoria? Na história do capitalismo, varias categorias passaram em diferentes momentos por promoção profissional ou por deterioração profissional. Houve uma época no Brasil em que os “reis” da classe operária eram os ferramenteiros: nada tinha maior dignidade, porque eram aqueles que dominavam plenamente o trabalho no metal, conseguiam manipular as ferramentas mais complexas. Séculos antes, na Europa, foram os marceneiros, os tapeceiros, e em muitas sociedades os mineiros foram bem pagos, relativamente, por muito tempo. Houve períodos históricos na Inglaterra – porque a aristocracia era pomposa - em que os alfaiates foram excepcionalmente bem remunerados. Na França, segundo alguns historiadores, os cozinheiros. Houve fases do capitalismo em que o estatuto do trabalho manual, associada a certas profissões, foi maior ou menor. A carreira docente mergulhou nos últimos vinte e cinco anos numa profunda ruína. Há, com razão, um ressentimento social mais do que justo entre os professores. A escola pública entrou em decadência e a profissão foi, economicamente, desmoralizada.

Os professores foram ideologicamente desqualificados diante da sociedade. O sindicalismo dos professores, uma das categorias mais organizadas e combativas, foi construído como resistência a essa destruição das condições materiais de vida. Reduzidos às condições de penúria, os professores se sentem humilhados. Este processo foi uma das expressões da crise crônica do capitalismo. Depois do esgotamento da ditadura, simultaneamente à construção desse regime democrático liberal, o capitalismo brasileiro parou de crescer, mergulhou numa longa estagnação. O Estado passou a ser, em primeiríssimo lugar, um instrumento para a acumulação de capital rentista. O Estado retira da sociedade através de todos os mecanismos - o fisco e todos os mecanismos arrecadatórios - uma parte da mais-valia que é produzida e a redistribui para o Capital. Isso significa que os serviços públicos foram completamente desqualificados.

Dentro dos serviços públicos, contudo, há diferenças de grau. As proporções têm importância: a segurança pública está ameaçada e a justiça continua muito lenta e inacessível, mas o Estado não deixou de construir mais e mais presídios, nem os salários do judiciário se desvalorizaram como os da educação; a saúde pública está em crise, mas isso não impediu que programas importantes, e relativamente caros, como variadas campanhas de vacinação, ou até a distribuição do coquetel para os soropositivos, fossem preservados. Entre todos os serviços, o mais vulnerável foi a educação, porque a sua privatização foi devastadora. Isso levou os professores a procurarem mecanismos de luta individual e coletiva para sobreviverem.

Há formas mais organizadas de resistência, como as greves, e formas mais atomizadas, como a abstenção ao trabalho. Não é um exagero dizer que o movimento sindical dos professores, em todos os níveis, ensaiou quase todos os tipos de greves possíveis. Greves com e sem reposição de aulas. Greves de duas, dez, quatorze, até vinte semanas. Greves com ocupação de prédios públicos. Greves com marchas. E muitas e variadas formas de resistência individual: cursos para administração escolar, transferências para outras funções, cargos em delegacias de ensino e bibliotecas e, também, a ausência. Tivemos taxas de falta ao trabalho, em alguns anos, elevadíssimas. Além disso, temos uma parcela dos professores, inquantificável - é um tabu dentro das instituições e nos sindicatos - que são aqueles colegas que freqüentam a escola, mas não dão aulas. Entram na sala de aula, passam uma atividade na lousa e dispensam os alunos – faz quem quer, quem não quer sai –, já desistiram de dar aulas, é o último degrau. Cria-se uma situação de conflito latente entre os professores que dão aula e os professores que não dão aula. Por último, uma parcela dos professores desabou. “Surtaram”: as doenças profissionais são elevadíssimas, entre elas, a depressão é epidêmica.



Um programa socialista para a educação pública

As duas últimas questões são programáticas. O quarto tema são elementos para um programa que o marxismo revolucionário poderia apresentar para a educação. Um projeto para a reconstrução da escola pública e gratuita é, também, um plano para a educação dos educadores. Ensina a sabedoria popular que podemos conduzir um cavalo até à água, mas não podemos obrigá-lo a beber. Não haverá uma nova educação sem a mobilização livre dos sujeitos ativos no processo educacional.

O programa socialista para a educação brasileira começa por um resgate do lugar da educação e dos educadores. Os principais agentes de transformação da educação serão os estudantes e os trabalhadores da educação, pois são eles que a defendem contra os ataques do Estado. Em cada momento, qual será entre os estudantes e os professores, o segmento que estará na vanguarda? Este é um falso problema. É um assunto sobre o qual não deveríamos ter um critério rígido; isto é indeterminado, é incerto. A experiência histórica sugere que, em alguns momentos, os professores serão vanguarda e, em outros, os estudantes.

Essa não é a opinião dos reformistas. Ao lado dos liberais e dos conservadores, defendem uma campanha imunda que transforma os professores, de vítimas, em responsáveis pela crise da escola, criminalizando as greves de resistência. O Estado burguês defende que é o governo a vanguarda, o que é cômico se não fosse trágico. Como transferem a responsabilidade do fracasso escolar para os professores e os estudantes, insistem em mobilizar os pais para dentro das escolas, argumentando que a pressão externa da comunidade poderá melhorar a gestão. Os neoliberais “descobriram” que o problema da educação não é o corte verbas, mas a má administração. Uma campanha abjeta na televisão, apresenta o trabalho voluntário como a solução da escola pública, o que seria, evidentemente, risível, se não fosse desprezível.

Um programa para a educação tem que primeiro identificar quem são os sujeitos sociais da luta pela mudança. Não é sequer razoável pensar na luta por uma melhor escola pública, se o projeto for construído “demonizando” os professores. Este ponto de partida programático, a reivindicação dos professores como sujeitos, é uma ruptura com a estratégia reformista, porque identifica o Estado burguês como o inimigo da educação, e os docentes como os protagonistas da mudança. Os reformistas defendem, exatamente, o contrário. A concepção dos reformistas é igual à dos partidos ao serviço do Capital: o partido burguês na campanha eleitoral diz “o nosso programa para a educação é muito bom”. Aí os reformistas, o PT e o PCdoB dizem “o nosso programa para a educação é melhor”. Depois esquecem as promessas, por suposto, mas a concepção comum é que, quando chegarem ao Estado, aplicarão um programa contra os professores, porque são grandes sábios e os professores nem merecem ser ouvidos. A tradição marxista revolucionária não é esta.

A tradição marxista é que as organizações dos trabalhadores, sindicais e políticas, são instrumentos para os trabalhadores tomarem o poder, e eles, os trabalhadores, governarem a sociedade. Um partido revolucionário não “toma” o poder e não impõe um programa contra as massas; as massas é que mudam a sociedade e tomam o poder. O partido é um instrumento para a revolução e um organizador geral do projeto insurrecional. Recordando a epígrafe de Marx que abre este artigo, transformaremos a escola, nos transformando a nós mesmos. Lutamos por uma outra escola, porque nós mesmos lutamos para sermos diferentes daquilo que fomos e somos. Não haverá uma nova escola, se os professores não acreditarem nela. Não haverá uma nova escola, se a juventude brasileira não for chamada a construir essa nova escola, e não tiver paixão política pelo projeto.

Um programa para a educação passa por investimentos maciços na educação, porque nós acreditamos que é justamente o socialismo ou, pelo menos, a primeira fase de construção do socialismo que vai, pela primeira vez na história do Brasil, transformar em experiência social o que hoje não são senão utopias. O projeto do socialismo é a implantação de uma verdadeira equidade, e a escola será um dos instrumentos da equidade. A equidade é a meritocracia que não existe na sociedade brasileira de hoje. Mas, a equidade não é mesma coisa que a igualdade. A igualdade é “de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”, um critério de distribuição imortalizado por Marx e que foi tomada por todos os igualitaristas do final do século XIX. Na primeira fase de transição, no entanto, o critério de distribuição será “de cada um segundo suas necessidades; a cada um segundo o trabalho realizado”. Isso é a meritocracia, é a equidade: milhares de vezes mais igualitária que o capitalismo, mas ainda não é a igualdade social.

O projeto socialista é transformar a escola num dos instrumentos da equidade social. Esse projeto só é possível, se os educadores compreenderem que eles têm que estar disponíveis para serem, permanentemente, reeducados. Se eles compreenderem que o processo de educação é permanente processo de reavaliação e que, portanto, essa vida que nós escolhemos é uma vida em que ensinar e aprender não se encerra nunca. A primeira aprendizagem que existe nesta profissão, é que para ser professor será preciso ser eternos estudantes. Aquele que está sempre disposto a se colocar no lugar do outro.



Só a revolução socialista poderá garantir a educação pública universal

A quinta e última idéia é uma contextualização de porque um programa tão elementar como a educação universal só é possível, em nossa opinião, com a revolução social. Só a revolução socialista pode oferecer uma educação de qualidade, gratuita, e acessível para todos. A revolução social é a expropriação do capital, um processo econômico, mas ela se inicia, como toda revolução, como uma ruptura política. Este Estado é incapaz de oferecer uma escola de qualidade para todos: nunca funcionou, mas agora não é mais possível o Estado garantir a remuneração do Capital e os serviços públicos. É uma realidade internacional inquestionável. Sob o capitalismo, contudo, a educação virou uma mercadoria que só é acessível a quem pode pagar. A educação é um direito essencial, uma necessidade que está entre as mais intensas. A educação abre a janela da vida na infância para aquilo que é o nosso destino: o domínio consciente da natureza e de nossa sociabilidade. Por essa via, descobrimos a vocação de uma profissão, que é o sentido do trabalho, a plena realização do potencial humano.

Na sociedade que nós vivemos, porém, o trabalho é a maldição que nos oprime. O trabalho é o castigo que nos mortifica. É, às vezes, até a prisão, dentro da qual nós nos sentimos encarcerados. O projeto socialista é derrubar os muros da prisão, libertar o trabalho da forma alienada que ele tem no capitalismo e transformá-lo naquilo que é, na verdade, o sentido da nossa existência. O sentido da nossa existência é transformar as condições materiais e culturais da vida que nos entorna. O que nos transforma em humanos é o trabalho. Nós temos necessidades mais complexas que a vida vegetal e animal, nossas necessidades não são resolvidas só com o consumo de oxigênio e a transformação de carboidratos, proteínas, vitaminas e sínteses químicas que alimentam as sinapses do nosso cérebro. Nós precisamos do trabalho. Nós temos que agir. A união de conhecimento e ação, a práxis, é o nosso destino. A práxis humana é transformar o mundo e a nós mesmos através do trabalho.

Os reformistas ignoram a necessidade de uma educação libertadora e desalienadora. Abandonaram o projeto da escola pública, porque aderiram ao programa do Estado mínimo. Já nos alertaram que, se não pagarmos as dívidas do Estado aos capitalistas, seremos vítimas de terríveis maldições bíblicas. Ai de nós, será a invasão dos gafanhotos, e os filhos dos corintianos nascerão todos palmeirenses. O fim dos tempos e a escuridão cósmica. Defendem, portanto, as políticas sociais focadas, como o Bolsa Família, argumentando que, sendo as verbas públicas disponíveis muito insuficientes para garantir escola de qualidade para todos, seria preciso atender aos mais necessitados. São, agora, os campeões da ideologia de que é preciso esquecer as reivindicações históricas dos trabalhadores, para atender aos mais humildes. O projeto de distribuir dinheiro aos miseráveis, no lugar de garantir o direito ao trabalho e a escola universal, é, no entanto, uma política reacionária. O direito ao trabalho e à educação são inegociáveis, e é preciso ter perdido, além de todos os reflexos socialistas mais elementares, até o bom senso, para renunciar a eles. Acontece que o capitalismo contemporâneo admite, todos os dias, que é impossível garantir trabalho e escola, e os reformistas se resignam, porque estão mais comprometidos com a defesa da propriedade privada de uns poucos, do que com o direito da maioria.

Os reformistas argumentam, também, que projetos de renda mínima, como o Bolsa Família, seriam progressivos, porque iriam além da relação salarial - uma das metas históricas do socialismo. O projeto socialista é, de fato, desmercantilização do trabalho, mas destruindo o Capital, e preservando o trabalho. O Bolsa Família é, exatamente, o contrário: mantém o Capital recebendo os dividendos das dívidas estatais, e condena os desempregados a receber esmolas, desmoralizando-os. Tem como objetivo inconfessável, somente, a paz social e os calendários eleitorais nos países da América Latina que estão explodindo. Suas seqüelas são previsíveis: dividirão os trabalhadores entre ativos e ociosos, e promoverão a proliferação de uma massa lumpen dependente do Estado, e por ele manipulável.

O projeto socialista, por sua vez, é incompatível com a propriedade privada e com o capital. Exige que a sociedade destrua este Estado, e destrua toda a organização política que tem como uma única função proteger a propriedade privada. Por que isto é pré-condição? Nós precisamos da revolução brasileira porque esta é a única possibilidade, num intervalo historicamente curto, de oferecer a toda a juventude um projeto para a vida. Se não suspendermos o pagamento das dívidas públicas, se não conseguirmos o controle do sistema financeiro, se não limitarmos, enfim, a ação dos monopólios, garantindo trabalho e educação para todos, não haverá futuro.

O lugar da escola hoje é um encontro de sociabilidade, mas não é um encontro mais com o repertório cultural que a humanidade construiu. Nós sentimos essa angústia, que é reconhecer que a escola agoniza. Nós somos, contudo, os guardiões de uma promessa: que através da arte, da cultura, da ciência que as gerações anteriores nos legaram, podemos construir um mundo melhor. Os professores se sentem tristes, sendo a última linha de defesa. Mas, não estamos sozinhos. O projeto pelo qual lutamos, que é a promessa inscrita no programa socialista, a liberdade e a igualdade humana, permanece sendo a causa mais elevada da época que nos coube viver.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Rio de Janeiro: funk-se!


Já é o momento de realizar uma avaliação do desempenho – léxico bem ao gosto dos neoliberais de plantão – do governo estadual sob a direção de Sérgio Cabral Filho. Em primeiro lugar, é possível afirmar que o governo de Cabral expressa a triunfante retomada do controle do aparato publico estadual por parte da burguesia carioca, encastelada nos luxuosos bairros da zona sul da “Cidade Maravilhosa” e na sub-miamiana Barra da Tijuca. Constatar este fato não é constatar pouca coisa, já que os bem conhecidos e “sofisticados” particularismo, elitismo e reacionarismo da burguesia carioca, manifestam-se plenamente nas ações do governo estadual.

Vale a pena destacar, já que não é sem importância, a esmagadora preponderância das questões específicas da cidade do Rio de Janeiro na agenda política do governo. Mais uma vez o interior do estado acha-se completamente abandonado no que diz respeito a uma estratégia pública e progressista de desenvolvimento econômico-social, mantendo-se, desta forma, sua população, como refém dos projetos privados – e, muitas vezes, inconfessáveis – das elites locais e seu regionalismo reacionário.

No que se refere aos mais fundamentais setores de atuação do poder público estadual – saúde, educação e segurança pública – o quadro é de horror, de uma continuista e profunda precariedade. Os serviços e servidores públicos se encontram, hoje, acossados numa grave penúria determinada pela lógica contracionista e privatista do comandante das finanças estaduais, Sr. Joaquim Levy. Diversos órgãos públicos estaduais, como o IASERJ e a PESAGRO, por exemplo, estão à beira da extinção. Instituições vitais como a UERJ, estão em decadência. A saúde caminha em direção à privatização branca (através das fundações de direito privado). A segurança pública está submetida à sanha genocida do elitismo burguês, garantindo “ganhos de produtividade” de cadáveres (de civis e policiais) como nunca sem, no entanto, ampliar a segurança do público. Na área da educação, que eu deixo por último, pois me diz respeito mais de perto, além do abandono e da precariedade absoluta, agora, ridiculariza-se a população por meio de um convênio com a produtora musical Furacão 2000 (a mesma do “Creu” e das “popozudas”) no sentido de elevar o nível de consciência da juventude a respeito de cidadania e sexualidade. Podemos resumir o recado da gestão do governo estadual ao povo do estado como: Rio de Janeiro: funk-se!

Karl Marx manda lembranças


Segue um interessante texto de César Benjamin sobre a presente crise econômica do capitalismo


As economias modernas criaram um novo conceito de riqueza. Não se trata mais de dispor de valores de uso, mas de ampliar abstrações numéricas. Busca-se obter mais quantidade do mesmo, indefinidamente. A isso os economistas chamam "comportamento racional". Dizem coisas complicadas, pois a defesa de uma estupidez exige alguma sofisticação.

Quem refletiu mais profundamente sobre essa grande transformação foi Karl Marx. Em meados do século 19, ele destacou três tendências da sociedade que então desabrochava: (a) ela seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercadorias, fosse pela maior capacidade de produzi-las, fosse pela transformação de mais bens, materiais ou simbólicos, em mercadoria; no limite, tudo seria transformado em mercadoria; (b) ela seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido no circuito mercantil, de modo que mais riquezas e mais populações dele participassem; no limite, esse espaço seria todo o planeta; (c) ela seria compelida a inventar sempre novos bens e novas necessidades; como as "necessidades do estômago" são poucas, esses novos bens e necessidades seriam, cada vez mais, bens e necessidades voltados à fantasia, que é ilimitada.


Para aumentar a potência produtiva e expandir o espaço da acumulação, essa sociedade realizaria uma revolução técnica incessante. Para incluir o máximo de populações no processo mercantil, formaria um sistema-mundo. Para criar o homem portador daquelas novas necessidades em expansão, alteraria profundamente a cultura e as formas de sociabilidade. Nenhum obstáculo externo a deteria.
Havia, porém, obstáculos internos, que seriam, sucessivamente, superados e repostos. Pois, para valorizar-se, o capital precisa abandonar a sua forma preferencial, de riqueza abstrata, e passar pela produção, organizando o trabalho e encarnando-se transitoriamente em coisas e valores de uso. Só assim pode ressurgir ampliado, fechando o circuito. É um processo demorado e cheio de riscos. Muito melhor é acumular capital sem retirá-lo da condição de riqueza abstrata, fazendo o próprio dinheiro render mais dinheiro. Marx denominou D - D" essa forma de acumulação e viu que ela teria peso crescente. À medida que passasse a predominar, a instabilidade seria maior, pois a valorização sem trabalho é fictícia. E o potencial civilizatório do sistema começaria a esgotar-se: ao repudiar o trabalho e a atividade produtiva, ao afastar-se do mundo-da-vida, o impulso à acumulação não mais seria um agente organizador da sociedade.

Se não conseguisse se libertar dessa engrenagem, a humanidade correria sérios riscos, pois sua potência técnica estaria muito mais desenvolvida, mas desconectada de fins humanos. Dependendo de quais forças sociais predominassem, essa potência técnica expandida poderia ser colocada a serviço da civilização (abolindo-se os trabalhos cansativos, mecânicos e alienados, difundindo-se as atividades da cultura e do espírito) ou da barbárie (com o desemprego e a intensificação de conflitos). Maior o poder criativo, maior o poder destrutivo.
O que estamos vendo não é erro nem acidente. Ao vencer os adversários, o sistema pôde buscar a sua forma mais pura, mais plena e mais essencial, com ampla predominância da acumulação D - D". Abandonou as mediações de que necessitava no período anterior, quando contestações, internas e externas, o amarravam. Libertou-se. Floresceu. Os resultados estão aí. Mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas. Karl Marx manda lembranças.


CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006).

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Qual Estado mínimo?


Passamos a década de 90 inteira e metade da presente década, absolutamente sufocados pela hegemonia do pensamento neoliberal. Nós, os socialistas coerentemente marxistas e revolucionários, fomos (e ainda somos) duramente combatidos e também fomos (cada vez menos) eficazmente sitiados e relegados aos guetos intelectuais e políticos, onde colaram-nos os rótulos de anacrônicos, românticos, fanáticos, anti-democráticos (?!), e, na melhor das hipóteses, pitorescos. No contexto da ofensiva econômica, política, social e ideológica do grande capital, turbinada pela restauração capitalista na ex-União Soviética e países do leste europeu, a maior parte dos setores da esquerda internacional iniciou, ou aprofundou, dependendo do caso em questão, seu processo de capitulação político-ideológica diante do capitalismo e de conversão aos dogmas do “pensamento” neoliberal: fim da história, democracia burguesa como valor universal, o mundo capitalista como “aldeia global”, mercado livre como “mão invisível” promotora de bem-estar, e outras incríveis descobertas que, como estas, vistas pela ótica do presente, se apresentam como o que de fato são, ou seja, peças de propagando ideológica pró-capitalista.
Os recentes acontecimentos decorrentes da profunda crise econômica na qual mergulha o capitalismo estadunidense, e que começa a arrastar junto a humanidade, expõem ao ridículo uma das mais importantes teses – ou dogmas – do pensamento neoliberal: a estupenda vantagem e imperiosa necessidade de promover o “Estado mínimo”. Em nome desta tese, que advoga que os países e povos do mundo serão tanto mais prósperos e felizes quanto mais rápida e profundamente limitarem o tamanho (financeiro, econômico, administrativo e político) do Estado, abrindo alas para que o mercado capitalista possa, por si só, reorganizar os mais amplos aspectos da vida social, históricas conquistas da classe trabalhadora e da humanidade, como um todo, foram demolidas. Ao redor do mundo, o espaço democrático do exercício da cidadania foi sendo restringido pelo avanço das tropas do mercado capitalista, tendo à frente a bandeira do Estado mínimo.
Ora, em menos de um mês, pudemos testemunhar, na pátria do neoliberalismo – onde este pensamento está longe de haver sido abalado -, a intervenção do Estado, por meio dos fundos públicos (na grandeza de mais de 280 bilhões de dólares), assumindo o controle e as dívidas, ou seja, estatizando, três das maiores empresas do setor financeiro dos Estados Unidos: Fannie Mae e Freddie Mac (ligadas ao financiamento imobiliário) e, agora, AIG (uma das maiores seguradoras do mundo). Este conjunto de operações realizadas pelo aparato estatal estadunidense é, contraditoriamente, aplaudido ou, no mínimo, saudado como “necessário” pelos teólogos do Deus-mercado. Para estes economistas-de-mercado a questão é simples: a estatização de grandes corporações transnacionais por parte de governos do mundo subdesenvolvido em nome da maior autonomia econômica nacional é errada, mas, por outro lado, a estatização de grandes bancos e seguradoras por parte do governo Bush para salvar o capital financeiro da bancarrota é justa e necessária. É este tipo de gente que se acha no direito de estabelecer o certo e o errado para os povos do mundo.
Quando nós, os marxistas coerentes, no passado recente, falávamos que era impossível um capitalismo sem crises cada vez mais severas, respondiam que isto era uma teoria superada pela pujança da “globalização”. Quando falávamos que a democracia capitalista era apenas uma das formas da ditadura da burguesia sobre os trabalhadores, acusavam-nos de totalitários. Quando falávamos que o “Estado mínimo” era o Estado exclusivamente voltado aos interesses do capital, respondiam que éramos burocratas e partidários da ineficiência administrativa. Hoje, os fatos nos dão razão: a internacionalização da crise econômica estadunidense, até agora, menor apenas que a crise de 29, espalha incertezas, desemprego e fome (a crise dos alimentos, produzida pelo movimento especulativo nascido da crise imobiliária estadunidense, aumentou o número de famintos do mundo de 850 milhões para quase 1 bilhão de pessoas no mundo, do ano passado para cá); diante das contradições do capitalismo a burguesia, em vários casos, começa a se desvencilhar dos limites de seu regime democrático e assumir feições nitidamente bonapartistas e fascistas, como as direitas ianque, européia e latino-americana demonstram cada vez mais; o mesmo pensamento neoliberal que advoga o restrição dos direitos trabalhistas e previdenciários, a redução dos investimentos em saúde e educação pública, e a privatização de recursos naturais e empresas públicas estratégicas para a autonomia nacional, exige que montanhas de dinheiro público sejam torradas para salvaguardar os interesses de banqueiros e especuladores financeiros. Nós, os socialistas, continuamos os mesmos: contra a teologia neoliberal do Deus-mercado e do Estado mínimo erguemos a bandeira do “Estado-máximo”, ou seja, o alargamento progressivo do controle público e democrático da própria sociedade sobre o seu processo de desenvolvimento.

domingo, 14 de setembro de 2008

O mito da tributação elevada no Brasil


O economista e presidente do IPEA Marcio Pochman segue apresentando a mesma dignidade e o mesmo apreço pela verdade de sempre, mesmo fazendo parte de um governo que, apesar das aparências, continua servindo aos interesses do grande capital. Em seu último artigo, publicado na Folha de São Paulo, faz uma excelente, lúcida e crítica análise do caráter regressivo do sistema tributário brasileiro e sua participação na perpetuação das desigualdades sociais no país.


O mito da tributação elevada no Brasil


Marcio Pochman



O tema relativo ao peso dos impostos, taxas e contribuições no Brasil permanece ainda sendo tratado na superfície. A identificação de que a carga tributária supera 35% do PIB (Produto Interno Bruto) é um simples registro, insuficiente, por si só, para permitir comparações adequadas com outros países. Ou seja, mencionar que o Brasil possui carga tributária de país rico, embora se situe no bloco das nações de renda intermediária, ajuda pouco, quando não confunde o entendimento a respeito das especificidades nacionais. Elas dificultam análises comparativas internacionais e exigem maior investigação.


Por causa disso, cabem, pelo menos, duas observações principais que terminam por desconstruir o mito da tributação elevada no Brasil.Em primeiro lugar, a observação de que os impostos, taxas e contribuições incidem regressivamente sobre os brasileiros. Como o país mantém uma péssima repartição da renda e riqueza, há segmentos sociais que praticamente não sentem o peso da tributação, ao contrário de outros submetidos ao fardo muito expressivo da arrecadação fiscal.


Os ricos brasileiros quase não pagam impostos, taxas e contribuições.


Os 10% mais ricos, que concentram três quartos de toda a riqueza do país, estão praticamente imunizados contra o vírus da tributação, seja pela falta de impostos que incidam direta e especialmente sobre eles – como o tributo sobre grandes fortunas –, seja porque contam com assessorias sofisticadas para encontrar brechas legais para planejar ganhos quase ausentes de impostos, taxas e contribuições.


Já os pobres não têm escapatória, pois estão condenados a compartilhar suas reduzidas rendas com o financiamento do Estado brasileiro. Isso porque a tributação brasileira é pesadamente indireta, ou seja, arrecada a maior parte em impostos sobre produtos e serviços – portanto, pesa mais para quem ganha menos.


Além disso, há uma tributação direta, sobre renda e bens, muito ''tímida'' em termos de progressividade. O Imposto de Renda, que, nos EUA, tem cinco faixas e alíquotas de até 40% e, na França, 12 faixas com até 57%, no Brasil tem apenas duas, com alíquota máxima de 27,5%. Aqui, impostos sobre patrimônio, como IPTU ou ITR, nem progressividade têm.


As habitações dos mais pobres, por exemplo, pagam, proporcionalmente à renda, mais tributos em geral do que aqueles que residem nas mansões, enquanto os grandes proprietários de terra convivem com impostos reduzidos e decrescentes.Aqueles com renda acima de R$ 3.900 contribuem apenas com 23%.


No entanto, quem vive com renda média mensal de R$ 73 transfere um terço para a receita tributária.


Em síntese, a pobreza no Brasil não implica somente a insuficiência de renda para sobreviver, mas também a condição de pagar mais impostos, taxas e contribuições.


Em segundo lugar, a observação de que a carga tributária corresponde à capacidade efetiva de gasto da administração pública brasileiro, conforme comparações internacionais indicam ser. No Brasil, a cada R$ 3 arrecadados pela tributação, somente R$ 1 termina sendo alocado livremente pelos governantes.


Isso porque, uma vez arrecadado, configurando a carga tributária bruta, há a quase imediata devolução a determinados segmentos sociais na forma de subsídios, isenções, transferências sociais e pagamento dos juros do endividamento público.


Noutras palavras, R$ 2 de cada R$ 3 arrecadados só passeiam pela esfera pública antes de retornar imediata e diretamente aos ricos (recebimento de juros da dívida), às empresas (subsídios e incentivos) e aos beneficiários de aposentadorias e pensões.


Assim, o uso da carga tributária bruta no Brasil se transforma num indicador pouco eficaz para aferir o peso real da tributação.


Talvez o mais adequado possa ser análises sobre a carga tributária líquida, que é aquela que, de fato, indica a magnitude efetiva dos impostos, taxas e contribuições relativamente ao tamanho da renda dos brasileiros, pois é com essa quantia que os governantes conduzem (bem ou mal) o conjunto das políticas públicas.


Nesse sentido, a tributação elevada é um mito no Brasil. A carga tributária líquida permanece estabilizada em 12% do PIB já faz tempo. O que tem aumentado mesmo são impostos, taxas e contribuições que, uma vez arrecadados, são imediatamente devolvidos, o que impede de serem considerados efetivamente como peso da tributação elevada.


* Economista, professor licenciado da Unicamp, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; artigo tomado da Folha de S.Paulo


O petróleo tem que ser nosso


Diante da descoberta das imensas jazidas de petróleo e gás do pré-sal e do tenso debate nacional por ela ocasionada para definir o modelo de exploração destas jazidas, os setores mais avançados da classe trabalhadora e os intelectuais progressistas do país se unem em uma iniciativa política para resgatar o caráter nacional e público desta incalculável riqueza.
O Fórum Nacional contra a Privatização do Petróleo e Gás, que reúne entidades como o Sindipetro, CUT, Conlutas, Intersindical, MST, Aepet, entre outras, está mobilizado em torno de uma série de ações políticas para garantir que as riquezas do petróleo e gás brasileiro sejam revertidas para a promoção do progresso econômico e social de nosso país, revertendo a tendência histórica de subordinação ao imperialismo e da exclusão das grandes maiorias populares. Uma das iniciativas que fazem parte da mobilização é o abaixo-assinado a ser enviado à presidência da república e ao congresso nacional cujo texto segue aqui. Com nossas modestíssimas possibilidades, contribuimos também com esta campanha que, certamente, também é nossa.



O Petróleo tem que ser nosso


Ao Exmo Sr. Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,

Ao Congresso Nacional,

Nós, brasileiros e brasileiras, não iremos nos calar
frente à entrega de nossas riquezas de Petróleo e Gás.

Hoje, 40% das áreas em exploração e produção
de petróleo e gás estão em mãos privadas, diretamente
ou em parceria com a Petrobrás. Com as
atuais concessões, estima-se que as multinacionais
vão se apropriar de metade do petróleo a ser produzido
nos campos gigantes de Tupi e Carioca.

A maioria do capital da Petrobrás não é mais estatal:
60% de suas ações foram privatizadas. O capital
estrangeiro já é dono de 40% da Petrobrás!
O povo brasileiro praticamente não se beneficia da
exploração multinacional de nosso petróleo. As taxas
e impostos pagos pelas empresas são irrisórios, estando entre os menores do mundo.

Esta realidade é conseqüência das medidas que
FHC tomou emendando a Constituição e criando a
Lei 9478/97 que instituiu os Leilões da ANP, que
continuaram no governo Lula. Nós dizemos: Leilão
é Privatização!

Por isso, nós, brasileiros e brasileiras, exigimos dos
senhores que tomem as medidas políticas e legais
para que se coloque um fim imediato nesta verdadeira
sangria das nossas riquezas:

- Cancelamento imediato dos leilões das áreas
potenciais produtoras de Petróleo!

- Mudança na legislação referente ao petróleo e
gás: revogando as medidas privatizadoras; retomando
as áreas de Petróleo e Gás que foram
privatizadas e desnacionalizadas; e recuperando
o monopólio para a Petrobrás 100% estatal!

Fórum Nacional contra a Privatização do Petróleo e Gás

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

11 de setembro

Hoje é 11 de setembro, uma data que certamente ficará para sempre na memória de todos aqueles homens e mulheres de bem que encaram a realidade de frente, prezando sempre, e em primeiro lugar, pelos elevados valores expressos na simples e poderosa noção de humanidade. Nunca mais será possível ignorar esta data que lembra uma das maiores catástrofes humanas que já aconteceu em nosso continente. Ficarão para sempre em nossas memórias os milhares de mortos, a destruição e a selvageria.
Foi em um dia 11 de setembro, anos atrás, que foram definitivamente estilhaçadas as ingênuas, mas generosas, ilusões a respeito da possibilidade de cultivar e fazer florescer a democracia e a liberdade em meio às trevas de um obscurantismo brutalmente violento. A otimista crença de que um povo orgulhoso de si próprio e de suas capacidades materiais, intelectuais e morais poderia desenvolver-se livremente, construindo sua sociedade com suas próprias mãos, com trabalho duro, no sentido da realização efetiva do ideal democrático, não pôde perdurar e ir além deste dia 11 de setembro, há alguns anos atrás.
Os terroristas, amantes da destruição e inimigos da liberdade, aqueles que elevam como seu maior ideal a submissão do mundo inteiro às suas próprias prerrogativas, crenças e, por assim dizer, interesses, estes terroristas deixariam bem claro, em um dia 11 de setembro, que a liberdade se encontrava seriamente ameaçada. Uma nação que se afirmava na liberdade e na democracia não poderia esperar que o terror não tramasse sua sórdida vingança, e ela veio, em um dia 11 de setembro, embebida em ódio, violência e devastação chocantes aos olhos de todo o mundo.
Há 35 anos, no Chile, em um dia 11 de setembro, o vicejante sonho de uma feliz e resplandecente democracia, verdadeira porque socialista, foi afogado em um banho de sangue dirigido pelo general Augusto Pinochet, de braços dados com a burguesia chilena e com o governo dos Estados Unidos da América, o maior terrorista de Estado da história. O povo chileno a partir do dia 11 de setembro de 1973 foi submetido a horrores inauditos: perseguições, torturas, massacres. O presidente Salvador Allende, maestro da sinfonia do grande sonho do caminho democrático ao socialismo foi bombardeado pela aviação e pelos tanques de guerra dentro do palácio presidencial e, honradamente, se tornou mais um entre milhares de homens e mulheres decentes, amantes da justiça, da liberdade e de democracia, que foram massacrados pelo terrorismo fascista naquele dia 11 de setembro.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Um importante marco


É com entusiasmo que saúdo e divulgo a iniciativa de promover um fórum democrático, público e permanente para a discussão, elaboração e reivindicação de políticas públicas para o município de Campos. Este pode ser o início de um processo no qual os setores mais esclarecidos e organizados da sociedade campista consigam superar o isolamento no qual se encontram e venham para a arena pública intervir de modo incisivo na política local.



Seminário: Política,Eleições e Soluções para Campos dos Goytacazes


Realização: Coordenação CISO/CCH;

Apoio: Reitoria da UENF-DR,

Direção do CCH, PPG em Soc. Pol., C.A.CISO;

Coordenação: Hamilton Garcia;

Organização&Divulgação: Coordenação CISO/CCH e ASCOM.


Objetivo: discutir a situação atual de Campos e propor políticas, visando o desenvolvimento local sustentável, a serem apresentadas aos eleitos em 2008.



_______________________________________________________________________________ 1ª Mesa (10/9, 4ªf), Dinâmica Política e Sociedade:sessão única (9h-12h)-> Adilson Sarmet (ex-Vice-Prefeito) [ASCOM+], Denise Terra (CEPECAM) [HG+], Fábio Siqueira (sindicalista) [HG+], Hamilton Garcia (UENF), Roberto Henriques (Vice-Prefeito) [HG+].



____________________________________________________________________________________ 2ª Mesa (18/9, 5ªf), Sociedade e Políticas Públicas


1ª sessão (9h-12h)-> Agricultura (Frederico Veiga [Cooplanta] [HG•] e Fábio Coelho [UENF] [HG•]), Controle Social (Roberto Moraes, CEFET) [HG+], Desenvolvimento (Conrado Aguiar [PMCG] [ASCOM•] e José Viana [UFF] [RB+]), Sustentabilidade Sócio-Econômica (Aílton Mota, UENF [HG•]).


2ª sessão (14h-18h)-> C&T (Almy Carvalho, UENF) [HG+], Controle Social (Luís Aguiar, FRC-CECOP) [HG+], Educação (Luciano D'Angelo, UCAM) [HG+], Sustentabilidade Ecológica (Arthur Soffiati, UFF) [HG+], Sustentabilidade Econômica (Geraldo Coutinho, FIRJAN [HG+]);


debatedores convidados-> Hélio Anomal (PT) [RB•], Graciete Ramos (PCB) [HG+], Odete Rocha (PCdoB) [RB+], Paulo Feijó (PSDB) [ASCOM•], Rosinha Garotinho (PMDB) [HG•].


obs: os nomes c/ • foram contatados, os c/ + foram confirmados e os c/ - não confirmaram.

domingo, 7 de setembro de 2008

A ressaca do porre neoliberal


Publicado há algumas semanas no Le Monde Diplomatique, o artigo abaixo do economista espanhol Ignacio Ramonet é extremamente interessante para revelar o que há de geral e o que há de específico na crise econômica mundial que começa a engolfar o conjunto da atividade econômica planetária.

Pela 1ª vez, mundo vê 3 crises ao mesmo tempo

Por mais que as autoridades se esforcem em minimizar a gravidade do momento, o certo é que nos encontramos diante de um sismo econômico de magnitude inédita, cujos efeitos sociais, que mal começaram a se fazer sentir, explodirão nos próximos meses com toda a brutalidade. A numerologia não é uma ciência exata e o pior não costuma ser previsto, mas 2009 pode muito bem se parecer com o nefasto ano de 1929...
Como temíamos, a crise financeira continua aprofundando-se. Aos descalabros de prestigiosos bancos norte-americanos, como o Bear Stearns, o Merrill lynch e o gigante Citigroup, somou-se o recente desastre do lehman Brothers, quarto maior banco de negócios, que anunciou, em 9 de junho, um prejuízo trimestral de 2,8 bilhões de dólares. Como foi a primeira perda desde o lançamento de suas ações na Bolsa, em 1994, o resultado teve efeito de um terremoto financeiro, nos já violentamente traumatizados EUA.
A cada dia difundem-se notícias sobre novas quebras. Até agora, as entidades mais afetadas admitem prejuízos de quase 330 bilhões de dólares, e o Fundo Monetário Internacional estima que, para escapar da catástrofe, o sistema necessitará de cerca de 950 bilhões de dólares (o equivalente à metade do PIB do Brasil).
A crise começou nos Estados unidos, em agosto de 2007, com a desconfiança nas hipotecas de má qualidade (subprime) e propagou-se por todo o mundo. Sua capacidade de se transformar e se espraiar por meio da contaminação de complexos mecanismos financeiros faz com que se assemelhe a uma epidemia fulminante, impossível de controlar. As instituições bancárias já não emprestam dinheiro entre si. Todas desconfiam da saúde financeira de suas rivais.
Apesar das injeções maciças de liquidez efetuadas pelos grandes bancos centrais, nunca se vira uma seca tão severa de dinheiro nos mercados. E agora o maior temor de alguns é uma crise sistêmica — ou seja, que o conjunto do sistema econômico mundial entre em colapso.
Da esfera financeira, o problema passou para o conjunto da atividade econômica. De um momento para outro, as economias dos países desenvolvidos sofreram um desaquecimento. A Europa encontra-se em franca desaceleração e os Estados Unidos estão à beira da recessão.
O setor imobiliário é onde melhor aparece a dureza desse ajuste. Durante o primeiro trimestre de 2008, o número de vendas de moradias na Espanha caiu 29%! Cerca de dois milhões de apartamentos e casas estão sem compradores. O preço das propriedades continua a desmoronar. O aumento dos juros hipotecários e os temores de uma recessão lançaram o setor numa espiral infernal, com ferozes efeitos em todas as frentes da imensa indústria da construção. Todas as empresas desses setores estão agora no olho do furacão. E assistem, impotentes, à destruição de dezenas de milhares de empregos.
Da crise financeira passamos à crise social. E políticas autoritárias voltaram a surgir. O Parlamento Europeu aprovou, em 18 de junho passado, a infame “diretiva de retorno”. Imediatamente, as autoridades espanholas declararam sua disposição em favorecer a saída da Espanha de um milhão de trabalhadores estrangeiros...
Em meio a essa situação de espanto, ocorre o terceiro choque do petróleo, com o preço do barril em torno de US$ 140. Um aumento irracional (há dez anos o barril custava menos de US$ 10) devido não apenas a uma demanda despropositada mas, especialmente, à ação de muitos especuladores, que apostam no aumento contínuo de um combustível em vias de extinção. Retirando-se da bolha imobiliária, que desinfla, os investidores alocam somas colossais em contratos para entrega futura de petróleo, o que pode levar o preço do barril a algo em torno de US$ 200.
Ou seja: está ocorrendo uma “financeirizacão” do petróleo, com conseqüências como formidáveis aumentos de preços da gasolina, em muitos países, e a ira de pescadores, caminhoneiros, agricultores, taxistas e todos os profissionais mais afetados. Em muitos casos, eles exigem de seus governos ajudas, subsídios ou reduções dos impostos, com grandes manifestações e enfrentamentos.
Como se todo esse contexto não fosse bastante sombrio, a crise alimentar agravou-se repentinamente e chega para nos lembrar que o espectro da fome continua ameaçando quase um bilhão de pessoas. Em cerca de 40 países, a carência de alimentos provocou levantes e revoltas populares. A reunião de cúpula da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), foi incapaz, em 5 de junho, em Roma, de chegar a um consenso para retomar a produção de alimentos no mundo. Aqui também os especuladores, fugindo do desastre financeiro, têm parte de responsabilidade — porque apostam num preço elevado das futuras colheitas. Até mesmo a agricultura está se “financeirizando”.
Este é o saldo deplorável de 25 anos de neoliberalismo: três venenosas crises entrelaçadas. Já está na hora de os cidadãos gritarem: “Basta!”.

Por uma segunda independência


Neste sete de setembro, qundo se faz mais imperioso que em qualquer outro momento do ano, a reafirmação da necessidade hitórica de uma segunda, e efetiva, independência do Brasil, publico a mensagem oficial do PSTU sobre a questão.



A covardia histórica da burguesia e a necessidade de uma segunda independência

Esta é a semana de comemoração da independência do país. Para muitos, a nacionalidade é a soma da língua, das fronteiras e da cultura. Quando falamos de soberania, no entanto, pode-se ver a distância que nos separa de uma verdadeira independência.As classes dominantes no Brasil sempre escolheram uma covardia histórica, nunca a opção do enfrentamento com os impérios dominantes no mundo. Nunca defenderam uma verdadeira soberania do país. Sempre escolheram meias medidas para preservar seus interesses, nunca qualquer sombra de ruptura.


É até simbólico que a “independência” do país em relação a Portugal seja representada por D. Pedro I, simplesmente o filho do rei português.

Na verdade, antes mesmo da “independência” o país já estava entre a dominação portuguesa decadente e a obediência aos interesses do imperialismo inglês que crescia. No capítulo seguinte, desde a crise econômica de 1929 até a Segunda Guerra Mundial, ocorreu a passagem da dominação inglesa para a norte-americana. Globalização aumenta dependência

As classes dominantes no Brasil foram se adequando até sumirem ou se transformarem em sócias menores do capital estrangeiro. A globalização como salto na internacionalização e centralização do capital aprofundou esse processo. A burguesia mais ligada ao mercado interno, que tinha ainda alguns conflitos com as multinacionais (como no governo João Goulart, deposto pelo golpe de 1964), deixou de existir.Hoje os grandes oligopólios multinacionais controlam o país. Estão presentes na grande indústria (automobilística, química, alimentícia) e nos serviços (telefonia, distribuição energia etc.) e estão invadindo setores antes controlados por empresas brasileiras (como a produção agrária, comércio etc.). Mesmo as “estatais” já estão em um grau avançado de privatização e desnacionalização. O mega-investidor George Soros comprou 22% das ações da Petrobras.


Governo Lula serve aos interesses das multinacionais

A relação do governo Lula com a dominação estrangeira não mudou a submissão. As expectativas de uma “independência do país pelo voto” naufragaram rapidamente. Como Lula não tem nenhuma pretensão de romper com as grandes empresas do país, repete a relação delas com a dominação estrangeira: integração total com o imperialismo.


Fazendo um balanço frio, pode-se dizer que Lula fez bem mais para o imperialismo norte-americano que FHC. Em primeiro lugar, manteve o mesmo plano econômico.Mas, no terreno internacional, Lula pôde fazer mais pela dominação imperialista que um governo da direita tradicional. Pôde atuar em crises políticas no continente americano como um “governo da esquerda”, em geral alinhado com o governo dos EUA. Foi assim nas crises políticas da Bolívia e da Venezuela. É assim com a ocupação militar do Haiti, a mando de George W. Bush.


Qual é a relação entre dominação estrangeira e miséria?

Muitos brasileiros não ligam o domínio do país por potências estrangeiras com a miséria em que vivem. Entendem que as grandes multinacionais aqui presentes cumprem um papel positivo por “trazerem investimentos”.

Mas as multinacionais não cumprem nenhuma “missão humanitária”. Investem o mínimo necessário para depois poderem enviar para seus países lucros altíssimos, muito superiores ao capital investido. Por exemplo, este ano a remessa de lucros está batendo recordes históricos – as multinacionais estão enviando capitais a suas matrizes para cobrir os enormes prejuízos com a crise internacional que está começando.


Muitos trabalhadores admiram o nível de vida dos países imperialistas como se seus habitantes fossem superiores. Mas existe uma relação direta entre a dominação que sofremos e a miséria dos trabalhadores. São os baixos salários pagos aqui que sustentam o nível de vida elevado nos países imperialistas.A crise na saúde e na educação no Brasil é parte de um plano econômico que dá altíssimos lucros para os bancos nacionais e estrangeiros. Por isso, quando você entrar em um hospital público em crise, lembre-se de que as verbas que deveriam estar sendo aplicadas aqui estão pagando os hospitais de primeira classe mostrados nos filmes americanos.


Quando os estudantes protestam contra a situação das escolas e universidades, devem saber que estamos financiando as universidades riquíssimas dos EUA e da Inglaterra.

A riqueza deles não é expressão de nenhuma superioridade. O que existe é a dominação da burguesia imperialista sobre os trabalhadores de seus países e dos nossos. Não existiria o “nível elevado de vida” dos países imperialistas sem a miséria de outros países como o Brasil.


O que impede nosso desenvolvimento é a dominação pelas multinacionais e a covarde, submissa e dependente burguesia nacional.


Grito dos Excluídos: por uma segunda independência

A celebração da independência do país para nós é um grito de luta. Por isso, não nos somamos aos atos hipócritas da burguesia e do governo que comemoram a independência e praticam a submissão. Nosso grito é um grito dos trabalhadores que querem lutar por uma segunda e real independência. Por isso nos somamos às manifestações do Grito dos Excluídos que ocorrerão em todo o país.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A saída é pela esquerda


Apesar de todos os escândalos de corrupção amplamente divulgados na imprensa, envolvendo os dois principais candidatos a prefeitura de Campos, e apesar da profunda indignação provocada por eles em amplos setores da população da cidade, a última pesquisa de opinião divulgada, relativa ao pleito municipal, indica que a velha e nefasta polarização entre as duas principais facções políticas dirigidas pelo lumpen-empresariado do município mantém-se firme, inabalada e, poderia dizer, renovada. Toda a turbulência provocada pelas intervenções do Ministério Público Federal e da Polícia Federal na política municipal não foi capaz de alterar o quadro da “hegemonia compósita” exercida pelas facções em questão sobre a população da cidade e, mais ainda, demonstrou que qualquer transformação efetiva, em um sentido progressista e democrático, na política campista será o resultado de um processo desenvolvido, fundamentalmente, em base local, ou não será.
É possível afirmar que a principal responsabilidade pela inexistência de qualquer horizonte visível de ruptura com o estado de coisas imposto à cidade pelo lumpen-empresariado local e suas facções políticas, recai sobre a tradicional “esquerda campista”, representada principalmente pelo PT e, em menor medida, pelo PC do B. O caráter ultra-pragmatista e, diria mesmo, zelosamente moderado e conservador, deste setor político na cidade o incapacitou para levar adiante a tarefa de se constituir em uma força política independente – ainda menos, em um força política independente, expressão dos interesses e necessidades das maiorias empobrecidas, da classe média e da juventude – o que resultou em sua transformação na “quinta roda” do carro da política municipal dirigida pelo lumpen-empresariado reacionário e corrupto local.
Campos, talvez mais do que o Rio de Janeiro, é uma cidade violentamente partida entre uma minoria com acesso aos bens e serviços básicos da vida civilizada e uma ampla maioria condenada a uma existência plena de carências materiais e culturais de toda espécie. O poder das facções políticas dominantes na cidade se baseia no corrupto apelo ao tipo de racionalidade desesperada e de degradação moral que se materializa no clientelismo, respectivamente, junto às massas populares e junto a setores amplos da classe média, acossados pela estagnação econômica do município.
Uma alternativa ao quadro político pavoroso que está consolidado na cidade só poderá se construir com o desenvolvimento de uma força política de esquerda que saiba ir além da academia, da burocracia sindical e do jornalismo (blogueiro, ou não), contribuindo com a organização das massas populares nos bairros e distritos da periferia, dos trabalhadores rurais, dos demais assalariados e dos estudantes. Somente nesta direção e com uma perspectiva política de defesa da independência de classe dos trabalhadores, sem improvisações de última hora, é que será possível desenvolver uma base de sustentação real para um movimento efetivamente progressista, democrático e popular, que combata a corrupção e o clientelismo, e conquiste, na luta (e no governo, ou não) o desenvolvimento econômico da cidade e a elevação das condições materiais e culturais do povo.

Os Nossos


Seguindo na linha das homenagens aos 70 anos de fundação da Quarta Internacional dos Trabalhadores, ou Partido Mundial da Revolução Socialista, divulgo abaixo o belíssimo texto publicado no jornal Opinião Socialista (órgão do PSTU) pelo historiador Valério Arcary. Boa leitura!


Os Nossos

O que os leitores do Opinião Socialista encontraram nos textos já publicados, e ainda poderão descobrir nos próximos artigos desta série a propósito do aniversário de 70 anos da Quarta Internacional, é uma história da luta política que transformou o trotskismo na única corrente internacional independente, tanto da social-democracia, quanto do estalinismo. Mas, é preciso dizer que, quando se trata da história da esquerda operária e popular, a defesa do marxismo revolucionário foi somente uma dimensão da batalha contra a exploração capitalista e as tiranias burocráticas.


Seria uma injustiça lembrar os debates que explicam a vigência do programa da Quarta Internacional, e esquecer aqueles que lutaram por ela. Não devemos esquecer que, na contra-corrente das ilusões majoritárias na esquerda, sustentando a defesa do programa que era a memória coletiva acumulada por várias gerações de lutadores, estavam militantes que entregaram suas vidas à causa do socialismo.


Trotsky foi acossado e difamado, implacavelmente, em vida, e caluniado, mesmo depois de assassinado. Assim como fizeram com Marx, que foi muitas vezes evocado, décadas depois de sua morte para diminuir os marxistas, Trotsky chegou a ser invocado para desqualificar os trotskistas. É verdade que eles nunca foram mais numerosos que umas poucas dezenas de milhares. Pareciam, no entanto, muito mais ameaçadores e influentes do que seu número poderia sugerir.


Eles estiveram na linha de frente dos comunistas contra a repressão de Chiang-Kai Chek na China em 1927, quando em muitos países já começavam a ser expulsos dos PC’s fiéis a Moscou. Combateram o nazismo na Alemanha com a mesma coragem com que afrontavam o estalinismo na União Soviética. Lutaram contra o fascismo na guerra civil espanhola de armas nas mãos, sem por isso ceder apoio político ao Governo de Frente Popular. Foram presos aos milhares durante os processos de Moscou, mas não hesitaram em se oferecer como voluntários para lutar no Exército Vermelho quando Hitler invadiu a União Soviética em 1941.


Estiveram nas trincheiras de Saigon no Vietnã ao final da Segunda Guerra Mundial, lutando contra o imperialismo francês e sendo perseguidos pelos estalinistas, e à frente da greve da Renault na França, lutando contra o governo de união nacional encabeçado por De Gaulle que contava com a participação de ministros do PC. Ajudaram a fazer marxista o vocabulário do movimento dos operários mineiros da Bolívia na revolução de 1952. Foram perseguidos pelo macartismo nos EUA nos anos cinqüenta, ao mesmo tempo em que resistiam nos campos de trabalho forçado de Vorkuta na Sibéria.


Lutaram contra o imperialismo na América Latina, sem por isso cederem às pressões nacionalistas-desenvolvimentistas que se expressaram através do peronismo na Argentina, do getulismo no Brasil e do aprismo no Peru. Estiveram na primeira linha da solidariedade com a Argélia, mas não calaram diante da repressão nas ruas de Budapeste em 1956. Fizeram de Cuba a sua bandeira, mas não traíram a esperança dos que cantavam a Internacional nas ruas de Praga quando os tanques enviados por Moscou invadiram a Tchecoslováquia em 1968.


A história encontrou os trotskistas nas barricadas do Quartier Latin de Paris, em Lisboa na revolução portuguesa, na luta contra as ditaduras latino-americanas enfrentando a mais feroz repressão no estádio nacional de Santiago do Chile e nas prisões argentinas e brasileiras. Eles estiveram na guerra contra Somoza na Nicarágua, na resistência ao apartheid na África do Sul, e nas greves de Gdansk na Polônia. Resistiram à restauração capitalista na ex-URSS no início dos anos noventa, e ajudaram a construir um novo internacionalismo impulsionando a campanha contra a invasão do Iraque.


Sua integridade foi posta à prova, impiedosamente, em todas as latitudes e longitudes. Os trotskistas divulgaram o marxismo em dezenas de idiomas. Estudaram e escreveram muito, mas não se deixaram reduzir a um círculo literário. Interviram nos sindicatos, mas não se embriagaram com as rotinas sindicalistas. Uniram seu destino ao movimento do proletariado, mas não diminuíram sua militância ao obreirismo. Espalharam sua mensagem à escala internacional.


Eles viajaram por toda parte, sacrificaram suas famílias, cruzaram continentes, mudaram de países, perderam empregos, falsificaram passaportes, trocaram de identidades, proletarizaram-se nas grandes indústrias, organizaram sindicatos, escreveram jornais, agitaram greves, impulsionaram a unificação das lutas, distribuíram boletins, fizeram campanhas, recolheram fundos, lideraram rebeliões, pegaram em armas, foram presos, e muitos pagaram com a vida a força de seu compromisso. Mantiveram o fio de continuidade do programa marxista revolucionário e a independência da Quarta Internacional.


Defender o marxismo sempre significou defender o programa da luta contra a propriedade privada, mas não é possível defender um programa sem construir um partido, um coletivo disciplinado em torno a um projeto estratégico. E a construção de um movimento político exige, em primeiro lugar, a disposição de preservar a qualquer preço a sua independência das pressões sociais hostis aos interesses do proletariado. Essa independência deve ser política e ideológica, mas, também, material. Destacaram-se pelo seu engajamento desinteressado e sua entrega despojada, uma prova de sua força moral. Viveram a mais grandiosa das aventuras contemporâneas: a luta pela revolução mundial.


Mas, a história lhes foi ingrata. O internacionalismo tinha sido derrotado, e os seus defensores tiveram o destino dos que não temem marchar contra a corrente: o isolamento. Depois que a social democracia e o estalinismo se transformaram nas correntes mais influentes do movimento operário durante a reconstrução capitalista do chamado boom do pós-guerra, a divisão que se instalou no movimento socialista foi fatal para a causa internacionalista e revolucionária. As lutas no Leste, no Ocidente e no Sul do planeta se desarticularam, e deram as costas umas para as outras. O internacionalismo se subordinou aos interesses diplomáticos de coexistência pacífica de Moscou, Belgrado, Tirana, Pequim, e Havana, e se transfigurou em nacionalismo dos Estados auto- proclamados “socialistas”, ou seja, em defesa dos interesses das burocracias que parasitavam as conquistas econômico-sociais das revoluções anti-capitalistas.


No Ocidente, a maioria dos que lutavam contra o capitalismo deram as costas para os que lutavam contra as ditaduras burocráticas na URSS e no Leste Europeu. Poucos foram os que, na esquerda, se levantaram em Paris, Roma ou Londres para denunciar a repressão na Hungria em 1956, ou mesmo em Praga em 1968. No Leste e na URSS, depois da destruição da Primavera de Praga, e pior ainda depois da derrota da revolução polonesa de 1981, diminuía a influência do marxismo entre os que resistiam às ditaduras burocráticas. Os trotskistas ficaram politicamente isolados.


Enquanto Internacional, a Quarta deixou de existir nos anos cinqüenta. A reunificação parcial de 1963 permitiu um reagrupamento que se demonstrou pouco sólido e que foi destruído no final dos setenta. Preservaram-se algumas articulações internacionais, entre as quais a mais dinâmica embora, predominantemente, latino-americana, foi a LIT. Durante os anos noventa a LIT sofreu uma crise importante, se recuperou, e hoje é a ponta de lança para a reconstrução da IV Internacional.


Prisioneiros na marginalidade dos grandes fluxos de opinião do movimento socialista, e submetidos às terríveis pressões dos grandes aparelhos social-democratas, nacionalistas e, sobretudo, do estalinismo, sofreram as seqüelas de uma corrente que soube preservar sua independência, porém, não superou sua condição minoritária. Dividiram-se, dramaticamente, em várias tendências, cedendo às pressões políticas nacionais mais significativas em cada país.


O nacional-trotskismo, ou seja, a ideologização da possibilidade de construção de uma organização revolucionária dentro de fronteiras nacionais – mesmo quando um “partido-mãe” estava associado a pequenos círculos que mimetizavam sua experiência - num mundo em que a contra-revolução foi se globalizando, foi, em maior ou menor medida, o destino trágico das organizações trotskistas mais fortes.Descobriram-se na mais severa solidão revolucionária. Surgiram reflexos inflexíveis “instintivos” próprios de uma fraternidade de abnegados. Ao longo dos últimos quinze anos, depois da restauração capitalista na URSS, não permaneceram isentos às vicissitudes da imensa confusão ideológica e adaptação política que atingiu o conjunto da esquerda. Não obstante, deixaram duas heranças de valor incalculável.


Os trotskistas foram politicamente derrotados, mas intelectualmente vitoriosos. A obra de Leon Trotsky e dos que desenvolveram o marxismo a partir de suas premissas foi a que melhor respondeu aos três maiores desafios teóricos colocados pelo século XX: uma interpretação sobre a natureza da sociedade soviética depois dos anos trinta, uma interpretação para as revoluções sociais dos países coloniais e semi-coloniais, e uma interpretação para o processo de restauração do capitalismo.


A segunda herança foi a inspiração militante: marcharam contra a corrente, enquanto o nome do marxismo era conspurcado pelos crimes da social-democracia e do estalinismo, defendendo uma bandeira sem manchas. Deixaram um exemplo pela sua coragem, perseverança e integridade moral. Defenderam, sozinhos, a tradição internacionalista do marxismo quando ela foi entregue nas suas mãos. Honraram a causa mais elevada do nosso tempo. Merecem ser lembrados. O que se encontrará nas páginas deste jornal é um tributo às idéias pelas quais lutaram

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

70 Anos da IV Internacional


Nesta semana em que se comemoram os 70 anos da IV Internacional, fundada por Lev Trotsky, todos os que, como eu, mantém-se partidários do programa da revolução permanente e do socialismo revolucionário prestamos nossa homenagem a um futuro digno da humanidade. Abaixo segue o texto publicado no portal do PSTU.

Vitória na derrota: eles morreram para que a IV Internacional continuasse viva A fundação da IV Internacional completa 70 anos nesta semana. Por isso, publicamos um artigo que homenageia aqueles que tombaram pela IV e seguem a luta por sua reconstrução


Martín Hernandezda Direção da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI) e da redação da revista Marxismo Vivo


No dia 3 de setembro de 1938, na França, se realizou a conferência de fundação da IV Internacional. Trotsky foi questionado por propor a fundação de uma nova internacional, já que esta, segundo seus críticos, só poderia surgir como produto de grandes acontecimentos.Sobre esse tema, no Programa de Transição, votado na conferência, Trotsky comenta: “a IV Internacional já surgiu de grandes acontecimentos: as maiores derrotas do proletariado em toda a história (…). Se suas fileiras não são numerosas é porque ainda é jovem. Por enquanto, há principalmente quadros, mas esses quadros são as garantias do futuro. Não existe no planeta uma só corrente revolucionária digna desse nome. Se nossa Internacional é débil numericamente, é forte por sua doutrina, por seu programa, sua tradição e a têmpera incomparável de seus quadros.”Trotsky, ao fundar a IV Internacional, queria criar um fio de continuidade com a tradição marxista que tinha se expressado na III Internacional, que neste momento estava completamente degenerada pelo stalinismo.

Mas Trotsky, ao construir a IV Internacional, não desejava somente preservar o programa marxista. Esperava que a IV Internacional, como produto da Segunda Guerra Mundial, se transformasse em uma organização de massas. Mas os resultados foram outros.

Com a derrota do nazismo, o stalinismo saiu extremamente fortalecido da Segunda Guerra, o que empurrou o trotskismo para a marginalidade. A IV Internacional não conseguiu resistir à pressão do aparato stalinista. Um grande número de seus integrantes foi assassinado pelo fascismo e, fundamentalmente, pelo stalinismo, entre eles o próprio Trotsky.

O stalinismo, roubando as conquistas da Revolução de Outubro e fortalecido pela derrota do fascismo, se transformou em um muro difícil de derrubar. A IV Internacional continuou como uma pequena organização e no seu interior surgiu uma corrente revisionista que, diante da impossibilidade de derrotar o stalinismo, capitulou a este. Foi o caso do chamado “pablismo”.

Este desvio levou a uma divisão da IV e depois a sua destruição. Mas, no interior da Internacional, em diversos momentos existiram correntes que resistiram às capitulações. O PSTU e as organizações anteriores no Brasil sempre fizeram parte de uma dessas correntes, a mais conseqüente, encabeçada pelo dirigente argentino Nahuel Moreno. Essa batalha, sem dúvida, conseguiu preservar nos marcos do trotskismo um importe número de organizações e de militantes que hoje estão na LIT (Liga Internacional dos Trabalhadores). Mas não conseguiu impedir que a maioria do trotskismo se espalhasse e a destruição da IV Internacional.

Na prova da história

Se observarmos os objetivos de Trotsky com a construção da IV há 70 anos e vermos os resultados na organização, temos que dizer que seu projeto foi derrotado. Mas, se analisarmos o que ocorreu ao longo desses anos com o programa do trotskismo, o balanço que devemos fazer é outro. O programa da IV foi o único que passou pela prova dos fatos. Desse modo, podemos dizer que foi uma vitória na derrota. Há 70 anos a IV Internacional dizia que a teoria do “socialismo em um só país” era uma utopia reacionária. Que só com a revolução mundial se poderia chegar ao socialismo. Mais ainda: dizia que, se a burocracia continuasse governando a União Soviética (URSS), a volta do capitalismo seria inevitável. Os stalinistas tentam fugir dessas opiniões. Para eles, o crescimento da URSS foi a prova de que o “socialismo em um só país” era possível. Dessa forma, no lugar de revolução mundial, propunham a “coexistência pacífica com o imperialismo”.

Ambos os programas, o do stalinismo e o do trotskismo, foram confrontados com a realidade e agora, 70 anos depois da fundação da IV, é necessário fazer um balanço. Na URSS e no resto dos Estados operários, longe de chegar ao socialismo, o capitalismo foi restaurado. À frente da restauração esteve a própria burocracia stalinista. Mas desta vez o stalinismo pagou caro por sua traição: as massas derrubaram suas ditaduras restauracionistas na maioria dos ex–Estados operários. Há 70 anos as propostas da IV Internacional eram muito pouco ouvidas. Já as propostas do stalinismo tinham uma audiência de massas entre trabalhadores, estudantes, camponeses e intelectuais. Trotsky era considerado um “demônio”, enquanto Stalin era chamado de “guia genial dos povos”. Agora, passados 70 anos, a palavra “stalinismo” é usada como um insulto, enquanto a figura de Trotsky e suas elaborações são redescobertas por milhares de ativistas que buscam o caminho da revolução. Dificilmente existe em nível mundial alguma organização revolucionária que não adote total ou parcialmente (consciente ou inconscientemente) o programa da IV Internacional. Sem dúvida, esta é uma contradição do atual momento:enquanto o programa da IV continua vivo, ela, como organização, continua destruída. As novas gerações de revolucionários estão diante de um desafio histórico, de vencer essa contradição da única forma possível: reconstruindo a IV Internacional com base em seu programa de fundação, atualizado em função da restauração do capitalismo e da destruição do aparato stalinista. O programa da IV Internacional continua vivo e hoje é assumido por milhares e milhares de novos combatentes. Mas um programa é muito mais do que uma soma de papéis. Um programa revolucionário só ganha esse caráter quando é colocado na luta de classes. O programa da IV continua vivo porque foi testado pela realidade. Milhares de militantes trotskistas, a partir de 1923, mantiveram vivo esse programa. Por isso, um grande número deles teve que suportar exílios, prisões e a tortura do capitalismo e do stalinismo. Uma porcentagem altíssima deles pagou com sua própria vida por essa teimosa e bela ousadia. Stalin queria acabar na raiz com a tradição bolchevique. Por isso, sua obsessão em eliminar Trotsky, assassinado por um agente stalinista em 20 de agosto de 1940. Mas Stalin não se conformou com isso. Anos antes, havia assassinado a maior parte dos familiares de Trotsky, como seu filho León Sedov, seus netos Ljulik, Volina e Liulika, seu genro Platon Volkov, sua irmã, Olga Kameneva e sua primeira mulher, Alexandra, mãe de suas duas filhas, uma das quais acabou se suicidando. É impossível saber quantos trotskistas morreram na ex-URSS. Sérios investigadores como Pierre Broué conseguiram alguns dados importantes. Só no campo de concentração de Kolima havia 6 mil prisioneiros considerados trotskistas. Em 1937, depois de fazerem uma greve de fome, todos foram executados. Muitos militantes e dirigentes da IV Internacional morreram lutando contra o fascismo durante a Segunda Guerra Mundial. Entre eles se destacam figuras como a de Abraham León, polonês, autor do principal estudo marxista sobre a questão judaica e membro do Secretariado Europeu da IV Internacional, morto em 1944 no campo de concentração de Auschwitz. León Seloil, belga, delegado ao congresso de fundação da IV, morto no campo de concentração de Neuengamme. Pautelis Pooliopulos, delegado do PC grego ao quinto congresso da Terceira Internacional, expulso do partido por ser trotskista e fuzilado pelo exército italiano em 1941. Muitos dirigentes trotskistas morreram nas mãos do stalinismo fora da URSS. Foi o caso do theco-eslovaco Erwin Wolf, ex-secretário de Trotsky, assassinado durante a Guerra Civil Espanhola. Rodolfo Klement, trotskista alemão, responsável pela organização do congresso de fundação da IV Internacional, seqüestrado e assassinado pouco tempo antes da sua realização. Ignacio Reiss, polonês, herói da guerra civil russa e um dos principais dirigentes dos serviços especiais soviéticos. Reiss rompeu com o stalinismo, devolveu suas condecorações e declarou: “Me uno a Trotsky e à IV Internacional”. Poucas semanas depois, foi assassinado. Pedro Tresso, delegado do PC italiano aos congressos da Terceira Internacional e delegado ao congresso de fundação da IV, foi fuzilado. Tha-Thu-Thau, fundador do importante movimento trotskista vietnamita, também foi assassinado pelo stalinismo.Nossa corrente internacional, liderada por Moreno, lutou durante muitos anos, em condições muito difíceis, para levar adiante o programa da IV. Dessa forma, também contribuiu com sua cota de sangue. Entre os anos 1974 e 1975, na Argentina, 16 militantes do PST (Partido Socialista dos Trabalhadores), a maioria trabalhadores, foram assassinados por comandos paramilitares do governo peronista. Entre eles estava Cesar Robles, um dos principais dirigente do partido. Na Espanha, no dia 1º de fevereiro de 1980, foi seqüestrada e assassinada Yolanda González Martín, militante do PST desse país. Filha de um operário metalúrgico, ela tinha apenas 19 anos. Era estudante e trabalhava como empregada doméstica. Yolanda foi dirigente de uma importante mobilização estudantil que havia levado às ruas de Madri mais de 50 mil estudantes. Em El Salvador, em abril de 1980, foi assassinado por um comando de ultradireita Francisco Choto Rodríguez, militante do PST.

Novamente na Argentina, entre os anos 1976 e 1982, a ditadura militar assassinou 83 militantes do PST. Entre eles estava Arturo Apazza, um importante dirigente metalúrgico, e Eduardo Villabrille, jovem operário metalúrgico que havia sido o principal dirigente da juventude do partido. O PSTU brasileiro, como não podia deixar de ser, dado seu compromisso com o programa trotskista, também sofreu com a repressão. Tulio Quintiliano, integrante do grupo Ponto de Partida, que deu origem a nossa corrente brasileira, foi assassinado pela ditadura chilena em 1973. José Luis e Rosa Sundermann foram assassinados em 1994, um dia depois da fundação do PSTU. Gildo Rocha, também militante do PSTU, morreu como o restante dos trotskistas: combatendo o capitalismo e a burocracia. Foi assassinado durante uma greve em Brasília em 6 de outubro de 2000. A lista de trotskistas assassinados pelo stalinismo e pela burguesia, assim como a história de cada um deles, preencheriam centenas de páginas. As biografias, sem dúvida, seriam diferentes, mas todos tiveram em comum a luta e a morte para que a IV Internacional continuasse viva. Eles não podem ser esquecidos pelas novas gerações que se dispõem a reconstruir a IV. Eles inspiram nossa luta.