sábado, 16 de maio de 2009

Uma crítica necessária


O silêncio e a impotência da maior parte da opinião pública diante do projeto de reformulação currícular que o MEC pretende impor (e este é o termo) à educação básica brasileira foram rompidos na semana passada pelo imprescindível pronunciamento do deputal federal Ivan Valente (PSol-SP) no plenário da Câmara dos Deputados. O caráter superficial, demagógico e autoritário do projeto é desvelado completamente. Segue abaixo a íntegra do prinunciamento.

Boa leitura!



“ Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, na última segunda-feira os jornais noticiaram que o MEC pretende alterar o currículo do ensino médio, acabando com sua organização por disciplinas. A proposta do governo é distribuir o conteúdo das atuais 12 matérias em quatro grupos: 1) línguas 2) matemática 3) humanas e 4) exatas e biológicas. O Ministério justifica tal mudança sob o argumento de que o currículo hoje é muito fragmentado e o aluno não vê aplicabilidade no programa ministrado, o que reduz o interesse do jovem pela escola e a qualidade do ensino. Essa é mais uma proposta que reforça a convergência das políticas educacionais do governo Lula com as de FHC e dos governos estaduais tucanos. Estamos vivenciando ações semelhantes a essa no Estado de São Paulo, onde o Governo Serra vêm impondo uma proposta curricular que retira completamente a autonomia da escola, tanto no aspecto organizativo quanto didático, transformando professores em meros executores de atividades e transmissores de conteúdos apostilados, rígidos e descontextualizados e que reduz a formação de nossos estudantes à preparação para provinhas, provões e toda ordem de testes e exames.


Ao propor esta mudança na forma de organizar os conteúdos, sem debater amplamente com todos os setores envolvidos e numa perspectiva de resolver problemas pela imposição de modelos, o MEC desconsidera que o currículo escolar é o resultado de uma construção social que diz respeito a práticas, saberes, vivências, elementos da cultura global e ao contexto no qual a escola está inserida, indo, portanto, muito além da simples seleção e agrupamento de conteúdos.


Sem dialogar com aqueles que são os responsáveis pelo currículo vivo no cotidiano escolar, essa proposta se tornará uma medida meramente burocrática, incapaz de se enraizar nas práticas escolares e muito menos de avançar na solução dos problemas relacionados à qualidade do ensino.


Mas esse é apenas um aspecto do problema, pois é mais uma medida fragmentada, que trata a questão curricular de forma isolada, ao invés de compreender o assunto a partir de um projeto de educação nacional, de um projeto que articule e integre os diferentes elementos que compõe o sistema educacional. Como a União não pode impor o sistema, pois os Estados são os responsáveis por este nível de ensino, a proposta será implantada através de incentivos financeiros e técnicos, e deverás e valer de instrumentos baseados em exames, como Prova Brasil, ENEN e o novo sistema de vestibular para forçar a reorganização das redes segundo este novo modelo.


Mais uma vez o governo prioriza a organização de um sistema de avaliação ao invés de assumir a construção de um Sistema Nacional de Educação, reivindicação histórica dos movimentos em defesa da escola pública.


Esse ajuntamento de conteúdos em novos grupos, não ataca problemas cruciais de nossas escolas: a superlotação das salas de aula, a falta de equipamentos, a falta de pessoal de apoio, os baixos salários e ausência de carreiras estruturadas para os profissionais, a falta de qualidade nos cursos de formação de professores, a insuficiência dos recursos financeiros, a falta de autonomia, entre outros. Ao contrario avança num modelo de escola, voltada para atender a demanda de avaliações externas e processos vestibulares, dentro de uma lógica meritocrática e competitiva que inegavelmente pressupõe a desigualdade e a exclusão de grande parte da população, aos moldes da visão do mercado.


Essa fragmentação das ações e projetos fica ainda mais evidente quando o governo propõe medidas como esta e as mudanças propostas para o vestibular e ao mesmo tempo, tardiamente, inicia o processo de construção de uma Conferência Nacional de Educação que teoricamente deveria ser o momento central na definição de um projeto para a educação nacional. Como ficam os apelos para que a sociedade tome parte de um processo real de construção de um sistema e de planos para a educação nacional? Isto é muito contraditório e nos leva e questionar o quanto a sociedade organizada poderá, de fato, intervir na definição das políticas educacionais a partir da Conferência Nacional de Educação.Este modelo fragmentado, imposto de forma arbitrária, vem sendo levado a cabo há quase duas décadas no Brasil e seus resultados já deixaram claro sua ineficácia e incompetência para garantir a necessária qualidade na educação brasileira.


A questão que se coloca como maior justificativa para essa proposta é a necessidade de integração entre as diversas áreas do conhecimento para dar um sentido prático e concreto aos conteúdos ensinados. Ora, isso não trás nenhuma novidade, já de muito tempo essa necessidade se apresenta nas produções acadêmicas, em pesquisas e estudos, mas principalmente na organização dos projetos político-pedagógicos da grande maioria das escolas, que se esforçam para desenvolver um trabalho interdisciplinar que mantenha relação direta com o cotidiano dos alunos.


Mas, que condições foram dadas às escolas para que isso ocorresse? Como os professores podem organizar-se coletivamente para dar conta dessa tarefa, se trabalham em várias escolas? Como desenvolver projetos a médio e longo prazo se existe uma alta rotatividade de profissionais a cada ano letivo? Como articular os conhecimentos entre as diversas disciplinas se os professores não têm garantido o tempo de trabalho pedagógico coletivo? Como ele pode desenvolver um projeto se o seu tempo é ditado por uma série de provas e exames, que o obrigam a transformar suas aulas em treino para provinhas? Como articular as diferentes áreas do conhecimento se é obrigado a utilizar apostilas que desconsideram a diversidade e as diferenças regionais?


É importante sim uma ampla e aprofundada discussão sobre o currículo de nossas escolas, mas isso não pode ocorrer de forma isolada da discussão de todos os outros aspectos de um verdadeiro projeto de educação para o Brasil, e principalmente não podemos nos calar diante dessas ações que tentam achar soluções mágicas para os problemas da educação, sempre de forma fragmentada, ao mesmo tempo em que evitam tocar em questões cruciais como financiamento, a responsabilidade do Estado e a garantia da educação como um direto de todos.


Muito obrigado.


Deputado Ivan Valente

Um comentário:

Hellington Chianca disse...

Muito bom este pronunciamento. Acrescento que, além de atender a demanda do mercado, esta reforma atende em especial, uma fração deste, os meios de comunicação, hoje verdadeiras indústrias da educção capitalista