quarta-feira, 2 de julho de 2008

Obscurantismo direitista


Se alguém imaginava que os setores políticos e intelectuais da direita brasileira iriam aceitar, sem resistência, a mudança legal que institui a obrigatoriedade do ensino de sociologia e filosofia nas três séries do ensino médio, enganou-se redondamente. Os colunistas da revista “Veja”, Reinaldo Azevedo (fracassado ex-empresário do ramo da mídia impressa) e Gustavo Ioschpe (consultor do Banco Mundial e suposto “especialista em educação”), que compõem a linha de frente do pensamento reacionário no Brasil de hoje, já deram início a uma intransigente campanha de combate à introdução das duas disciplinas no currículo obrigatório do ensino médio nacional.
Os ataques desferidos por Reinaldo Azevedo, que chegou a comparar os professores de sociologia e filosofia com molestadores de crianças, apesar de seu repugnante cinismo e da pobreza conceitual e moral de seus argumentos, revestem-se de um caráter mais diretamente político e ideológico e, portanto, mais franco, se é que posso utilizar este termo. Por sua vez, os ataques à sociologia e à filosofia que constam no último artigo de Gustavo Ioschpe publicado em seu blog (inserido no portal da revista “Veja”), tentam revestir-se de um caráter de objetividade científica quando, na verdade, não passam de rasteira propaganda e proselitismo político neoconservador, ancorado em um recauchutado positivismo pragmatista tipicamente estadunidense.
No artigo de Ioschpe é possível ler que em um país em que o sistema educacional não consegue garantir para a maioria dos estudantes uma satisfatória capacidade de interpretação de textos, a introdução das disciplinas de sociologia e filosofia significaria nada mais que uma excentricidade inútil destinada apenas a desperdiçar dinheiro público. Surpreende que um “especialista em educação” que, como consultor do Banco Mundial, trabalhou junto ao Ministério da Educação brasileiro na elaboração de políticas educacionais, utilize um sofisma de tão baixo nível no debate público. Ao seguir a lógica do raciocínio do senhor Gustavo Ioschpe, deveríamos abolir todas as disciplinas da educação básica brasileira, limitando-a a um curso de língua portuguesa com a duração de 12 anos. Deveria saber o Sr. Ioschpe que nossa crise educacional não é resultado do excesso de disciplinas no currículo escolar, mas sim da falta de investimentos públicos no setor. O argumento do articulista em questão reflete ainda um profundo elitismo pragmatista de acordo com o qual a educação das massas deveria se limitar ao mínimo indispensável para torná-las funcionais ao processo de trabalho a serviço da acumulação de capital.
Em uma breve passagem do texto de Ioschpe aparece claramente uma das preocupações mais sérias dos ideólogos reacionários com relação às disciplinas de sociologia e filosofia tornadas obrigatórias no ensino médio: aquilo que o autor chama de “doutrinação” baseada em um “marxismo rastaquera”. Aqui chegamos ao âmago do obscurantismo irracionalista que une todos os setores mais ou menos reacionários do pensamento burguês. A real preocupação de Ioschpe está relacionada com o fato de que, ainda que minoritariamente, existirão professores e professoras de filosofia e sociologia que saberão dirigir um processo pedagógico que garanta aos estudantes uma compreensão clara e objetiva dos elementos fundamentais da estrutura e da dinâmica social capitalista, bem como de suas alienantes e brutalizadas manifestações na consciência e na sensibilidade dos seres humanos. Um processo pedagógico como este não pode ser realizado de maneira satisfatória sem a contribuição da matriz teórica do materialismo dialético e histórico, tal como elaborada inicialmente pelo bom e velho Karl Marx. Eis o horror que toma conta dos novos e velhos partidários da ordem estabelecida: o “fantasma” do pensamento crítico que foi progressivamente expulso pela porta (através da mídia, da cooptação de grande parte da esquerda política, e etc.) ameaça retornar pela janela (através das disciplinas de sociologia e filosofia no ensino médio).

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