A vitória do “sim” no referendo convocado na Bolívia para decidir a questão da reforma constitucional do país, deve ser saudada como um importante marco no processo de radicalização democrática no país irmão. As grandes massas da população boliviana – formada majoritariamente por indígenas de diversas etnias - atenderam ao chamado do governo de Evo Morales e foram às urnas colocar seu voto em favor daquilo que está sendo chamado pelos defensores da nova carta constitucional de “refundação do país”. O processo de votação foi claro e limpo, tal como atestado pelos observadores internacionais da OEA (Organização dos Estados Americanos) e do Mercosul. Todo o processo representa um compromisso ativo do governo boliviano com a democratização de seu país, no entanto, importantes setores políticos e econômicos da sociedade boliviana, dirigidos pelas elites empresariais, (os partidários do “não”) recusam-se a reconhecer o resultado do pleito e anunciam sua disposição de desacatar a nova constituição aprovada pelo povo.
Há três anos atrás ocorreu nos territórios palestinos uma das mais transparentes, limpas e democráticas eleições da história do Oriente Médio. Neste pleito, a população palestina, em ampla maioria, como confirmado pelos observadores internacionais presentes, escolheu o Hamas (uma organização sócio-político-militar baseada no islamismo integrista e nascida da Intifada popular contra a ocupação israelense) para dirigir a Autoridade Nacional Palestina, no lugar do partido do falecido dirigente Yasser Arafat (Al Fatah) acusado de corrupção endêmica. A vitória do Hamas significou claramente a insatisfação da população palestina com a ocupação militar israelense, com a corrupção de seus próprios dirigentes e sua adesão inabalável ao projeto de construção de um verdadeiro e viável Estado Palestino. Apesar de sua forma e conteúdo profundamente democráticos, a “comunidade internacional”, Israel, e o Al Fatah, recusaram-se a aceitar a vitória eleitoral do Hamas, o que deu origem a uma guerra civil nos territórios palestinos, sua divisão (a Cisjordânia sob controle do Al Fatah, e a Faixa de Gaza sob controle do Hamas) e o recente genocídio perpetrado pelos israelenses na Faixa de Gaza.
O que há de profundamente semelhante nestes dois episódios é o fato de que comprovam a tese defendida pelos socialistas a respeito da estrutural e crescente incompatibilidade entre o capitalismo transnacional contemporâneo e o ideal democrático. Do ponto de vista teórico, os intelectuais a serviço do status quo trabalham no sentido de consolidar uma concepção de democracia mutilada e deformada que não passa de um conjunto de mecanismos e técnicas de “circulação de elites”, tanto mais “séria” e “madura” quanto mais imune ao efetivo exercício da soberania popular. Do ponto de vista prático, e escorados em sua concepção teórica, os representantes políticos dos interesses do capital investem pesado, com todos os meios dos quais dispõem, contra a soberania popular em todas as latitudes e situações em que ela estabelece uma ruptura com os pressupostos da elite do capital. É a soberania popular sendo atacada em nome da “democracia”. Os verdadeiros democratas devem ter clareza desta aguda contradição para que possam se posicionar do lado certo nos presentes choques manifestos entre democracia e liberalismo (do ponto de vista teórico) e democracia e capitalismo (do ponto de vista prático).
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