segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Qual solução final?


O paquistanês Tariq Ali, um dos mais importantes intelectuais do mundo islâmico, serviu-se da tribuna do jornal britânico The Guardian para cumprir três objetivos fundamentais no momento. 1) Condenar o massacre perpetrado pelo exército israelense no “Gueto de Gaza”. 2) Responsabilizar os governos dos EUA e da União Européia pela cumplicidade no genocídio que está sendo levado adiante na região. 3) Amplificar, no debate público, a reivindicação de construir em todo o território da Palestina (incluindo a parcela onde hoje se encontra Israel), um único Estado laico, democrático e binacional, como única saída viável para a solução do problema palestino.

A idéia de um único Estado palestino para as duas nações é uma reivindicação que vem ganhando cada vez mais terreno na opinião pública da região (principalmente entre os cidadãos árabes-israelenses) e é a possibilidade que mais aterroriza as lideranças sionistas e pode explicar muito da atual onda de terrorismo de Estado em Gaza, transformada, de fato, em um imenso campo de concentração. Abaixo segue um trecho do texto de Tariq Ali, a íntegra pode ser acessada no seguinte link:

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15453

Das cinzas de Gaza

O assalto a Gaza, em planejamento há mais de seis meses e executado em momento cuidadosamente selecionado, foi feito, como Neve Gordon observou corretamente, como instrumento de campanha eleitoral, com vistas às eleições do mês que vem e para manter no poder os partidos que estão hoje no governo de Israel. Os palestinos assassinados são trunfo eleitoral, numa disputa cínica entre a direita e a extrema-direita israelenses. Seus aliados em Washington e na União Européia, perfeitamente informados de que Gaza estava para ser atacada, exatamente como no caso do Líbano em 2006, sentaram e esperaram.

(...)

O verdadeiro problema dos EUA e da União Européia, motivo da oposição obcecada ao Hamas, é que o Hamas recusou-se a aceitar a capitulação implícita nos Acordos de Oslo, e, depois, de Taba a Genebra, tem-se recusado a esquecer as calamidades que EUA e a União Européia têm imposto aos palestinos. Desde Oslo, EUA e a União Européia têm, como prioridade, quebrar a resistência do Hamas. Cortar os financiamentos à Autoridade Palestina é instrumento óbvio, para minar a influência de qualquer iniciativa política local na Região. Outro, é inflar os poderes de Abbas – escolhido a dedo, por Washington, como, também, Karzai, em Cabul –, ao mesmo tempo em que minam a influência do Conselho Legislativo.


Não houve qualquer esforço sério na direção de negociar com as lideranças políticas eleitas na Palestina. Duvido muito que o Hamas se deixasse rapidamente subordinar aos interesses israelenses e ocidentais, mas se assim acontecesse, não seria o primeiro. O próprio Hamas carrega uma pesada hipoteca sobre os ombros, desde a formação: a fraqueza fatal do nacionalismo palestino, que sempre acreditou que só haveria duas vias, ou a completa rejeição de Israel ou a completa aceitação do desmembramento dos retalhos da Palestina, até ser reduzida a 1/5 de seu próprio território. Entre o delírio maximalista da primeira via, ao patético minimalismo da segunda, praticamente não há caminho para fora do abismo, como o demonstrou a história do Fatah.


O teste de vida e morte para o Hamas, não é ser ou não ser 'adaptado' de modo a tornar-se palatável para a opinião pública ocidental, mas, sim, conseguir separar-se do peso devastador de seu passado. Logo depois da vitória eleitoral do Hamas, em Gaza, um palestino perguntou-me, numa entrevista, o que eu faria se estivesse no lugar do Hamas, recém-eleito. "Dissolveria a Autoridade Palestina", respondi. Para acabar com a encenação. Isso feito, seria possível repor a causa nacional palestina sobre bases adequadas para exigir que o território e seus recursos sejam partilhados proporcionalmente entre populações assemelhadas em quantidade – não com 80% para os israelenses e 20% para os palestinenses, uma violência tão grande que, no longo prazo, nenhum povo jamais a aceitará. A única solução aceitável é um único Estado, para israelenses-palestinenses, no qual os crimes do sionismo possam afinal ser reparados. Não há outra possibilidade. Só essa.


Os cidadãos de Israel bem podem meditar sobre essas palavras de Shakespeare (n'O Mercador de Veneza), em que introduzi pequenas mudanças:


"Sou palestino. Palestino não tem olho? Não tem mãos, órgãos, altura, peso, sentidos, afeições, afetos, paixões? Não come a mesma comida, não morre pelas mesmas armas, não padece as mesmas doenças, não se cura pela mesma cura, não se aquece no mesmo verão e não congela no mesmo inverno, como o judeu? Se nos furam, não sangramos? Se nos fazem cócegas, não rimos? Se nos envenenam, não morremos? Se nos fazem mal, não nos podemos defender? Se somos iguais em tudo, não reclamem de sermos iguais também nisso… A vilania que nos ensinaram, nós a aprendemos; seremos vis; menos vis que vocês, sim, porque viemos depois. Aprendemos com vocês, mas a vilania purga-se, no tempo. Mais do que isso, não posso prometer."

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